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Outras idéias - Michael Kepp
Minhas belas bolas
Não sou dessas pessoas que usam presentes como provas.
Não medem minha
generosidade nem o quanto
gosto de alguém. Meus amigos
compartilham dessa postura.
Por isso, os presentes de aniversário que dou a eles -CDs,
livros ou garrafas de vinho-
parecem muito com os que me
dão. Mostro minha afeição pelos amigos de outras maneiras
-convidando para um jantar
caseiro ou visitando no hospital. Entretanto, considero dar
presente para mim mesmo
uma prova de quanto me valorizo. Como poderia demonstrar de outro modo? Não posso
me visitar no hospital nem ligar
e ver como estou passando.
Ainda assim, tive de superar
obstáculos para começar a me
comprar presentes. Minha mulher me ajudou com o primeiro,
há dez anos, quando me viu babando por uma esfera de pedra
numa loja em Santorini. No
Brasil, esses globos lapidados,
de minerais como ágata ou
ametista, decoram lojas de pedras semipreciosas. Mas essa
esfera, do tamanho de uma bola
de bilhar, era uma mistura de
malaquita e obsidiana, e sua superfície parecia espuma de bolhas verdes em um mar negro.
Quando ela sugeriu que comprasse a bola, eu disse que, por
R$ 250, era cara demais. Então,
ela comprou para mim, dizendo: "Você merece". Não aceitei
o argumento, só o presente, já
que a cavalo dado não se olha os
dentes. Mesmo assim, o presente me fez ver que, diante do
pouco que gasto, eu poderia me
tratar melhor.
Comecei bem devagar, comprando outras esferas de pedra
em viagens. Por que só então?
Já que as viagens em si são presentes, deixam-me no clima para comprá-los, mesmo que sejam só as esferas. Elas me fascinam tanto que dei à minha mulher brincos -bolinhas de lápis-lazúli- de uma loja grega e
um colar de bolinhas de turquesa que vi na Turquia.
No lago Como (Itália), comprei uma bola de jaspe oceânico, cujo estriamento em arco-íris lembrava os anéis de Júpiter. Minha mulher arqueou as
sobrancelhas quando soube
que eu pagara R$ 1.000. Mas ela
não disse nada. Talvez porque o
italiano dono da loja, encantado com a venda e com meu pechinchar brincalhão, tenha nos
convidado para o jantar mais
inesquecível que já tivemos.
Anos atrás, apaixonei-me por
aquela que viria a ser minha
quarta bola durante uma visita
a Seattle. Essa esfera, do tamanho de um melão, tinha uma
superfície que lembrava nuvens de esmeralda em um céu
amarelo e era entrelaçada por
túneis curvos de cristal. Minha
mulher concordou que a bola
era belíssima, mas, a R$ 1.500,
era cara demais. Durante a viagem, ela gastara o mesmo em
bugigangas e em um monte de
cosméticos que chamava de
"necessidades", e não de "presentes". Para mim, a bola era
uma necessidade. E eu não havia comprado nada na viagem.
Ainda assim, defendi minha
compra com o mesmo argumento que ela usou para comprar minha primeira esfera.
"Ei, eu mereço!", disse em um
tom tão convincente que até eu
comecei a acreditar.
MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 24 anos no Brasil, é autor do livro de
crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e
Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
www.michaelkepp.com.br
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