São Paulo, quinta-feira, 21 de dezembro de 2006
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Outras idéias - Michael Kepp

Minhas belas bolas

Não sou dessas pessoas que usam presentes como provas. Não medem minha generosidade nem o quanto gosto de alguém. Meus amigos compartilham dessa postura. Por isso, os presentes de aniversário que dou a eles -CDs, livros ou garrafas de vinho- parecem muito com os que me dão. Mostro minha afeição pelos amigos de outras maneiras -convidando para um jantar caseiro ou visitando no hospital. Entretanto, considero dar presente para mim mesmo uma prova de quanto me valorizo. Como poderia demonstrar de outro modo? Não posso me visitar no hospital nem ligar e ver como estou passando.
Ainda assim, tive de superar obstáculos para começar a me comprar presentes. Minha mulher me ajudou com o primeiro, há dez anos, quando me viu babando por uma esfera de pedra numa loja em Santorini. No Brasil, esses globos lapidados, de minerais como ágata ou ametista, decoram lojas de pedras semipreciosas. Mas essa esfera, do tamanho de uma bola de bilhar, era uma mistura de malaquita e obsidiana, e sua superfície parecia espuma de bolhas verdes em um mar negro.
Quando ela sugeriu que comprasse a bola, eu disse que, por R$ 250, era cara demais. Então, ela comprou para mim, dizendo: "Você merece". Não aceitei o argumento, só o presente, já que a cavalo dado não se olha os dentes. Mesmo assim, o presente me fez ver que, diante do pouco que gasto, eu poderia me tratar melhor.
Comecei bem devagar, comprando outras esferas de pedra em viagens. Por que só então? Já que as viagens em si são presentes, deixam-me no clima para comprá-los, mesmo que sejam só as esferas. Elas me fascinam tanto que dei à minha mulher brincos -bolinhas de lápis-lazúli- de uma loja grega e um colar de bolinhas de turquesa que vi na Turquia. No lago Como (Itália), comprei uma bola de jaspe oceânico, cujo estriamento em arco-íris lembrava os anéis de Júpiter. Minha mulher arqueou as sobrancelhas quando soube que eu pagara R$ 1.000. Mas ela não disse nada. Talvez porque o italiano dono da loja, encantado com a venda e com meu pechinchar brincalhão, tenha nos convidado para o jantar mais inesquecível que já tivemos.
Anos atrás, apaixonei-me por aquela que viria a ser minha quarta bola durante uma visita a Seattle. Essa esfera, do tamanho de um melão, tinha uma superfície que lembrava nuvens de esmeralda em um céu amarelo e era entrelaçada por túneis curvos de cristal. Minha mulher concordou que a bola era belíssima, mas, a R$ 1.500, era cara demais. Durante a viagem, ela gastara o mesmo em bugigangas e em um monte de cosméticos que chamava de "necessidades", e não de "presentes". Para mim, a bola era uma necessidade. E eu não havia comprado nada na viagem.
Ainda assim, defendi minha compra com o mesmo argumento que ela usou para comprar minha primeira esfera. "Ei, eu mereço!", disse em um tom tão convincente que até eu comecei a acreditar.


MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 24 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)

www.michaelkepp.com.br


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