São Paulo, quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007
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Crianças

Guloseimas enriquecidas

Cada vez mais comuns nos supermercados, bebidas e alimentos fortificados com sais minerais e vitaminas não podem substituir fontes naturais de nutrientes na alimentação infantil, afirmam especialistas

Renato Stockler/Folha Imagem
Biscoitos com vitaminas e cálcio, salgadinhos enriquecidos com nove vitaminas e ferro e fonte de fibras e macarrão com vitaminas; no copo, balas com vitamina C

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

A revanche das guloseimas está em curso. Alvo de críticas de médicos e nutricionistas por serem nutricionalmente pobres, salgadinhos, biscoitos, flocos açucarados de cereais, gelatinas, balas e outros doces invadem as prateleiras em versões fortificadas. As embalagens alardeiam os novos ingredientes: vitaminas, ferro, cálcio, ácido fólico, zinco, entre outras substâncias fundamentais para a saúde. Os apelos, aliados aos pedidos insistentes das crianças, deixam os pais em dúvida: agora pode?
O problema está em letras pequenas, no rótulo. Se, de um lado, o produto fornece doses de vitaminas e sais minerais, de outro, possui altos índices de gorduras, açúcares e sódio, que podem levar a obesidade e diabetes e, no caso do sódio, a uma sobrecarga dos rins.
"Um pacotinho de macarrão instantâneo tem 1,5 grama de sal, que é o consumo diário de um adulto. Esse tipo de alimento não deve ser estimulado mesmo com apelo saudável, enriquecido com ferro ou vitaminas", afirma Roseli Sarni, presidente do departamento de nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Já para Priscila Efraim, pesquisadora do centro de tecnologia e desenvolvimento de cereais e chocolates, do Ital (Instituto de Tecnologia de Alimentos), e para Gláucia Pastore, professora de bioquímica de alimentos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), já que esses alimentos serão consumidos, é melhor que ofereçam nutrientes.
"É difícil evitar consumir, pelo menos esporadicamente, determinados produtos. Nesse caso, é melhor que eles sejam enriquecidos", diz Pastore, que é presidente da SBCTA (Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos).
"Hoje, os confeitos são vistos como vilões, mas são alimentos de rápido consumo. Se você gosta de bala, é melhor uma sem nada ou uma com vitamina C?", questiona Efraim.
A tendência, segundo ela, é que os doces e salgadinhos enriquecidos se tornem cada vez mais comuns, seguindo experiências internacionais. Em 2005, o mercado de confeitos funcionais (relacionados a alguma melhoria na saúde) movimentou US$ 2 bilhões no mundo, afirma Efraim.
Um exemplo bem-sucedido nessa área é o da Mars, fabricante dos MM's, que lançou nos Estados Unidos uma linha de chocolates voltada para melhorias no sistema cardíaco. Segundo a empresa, o Cocoavia (www.cocoavia.com), rico em fitoesterol, ajuda a reduzir o LDL (colesterol "ruim").
A FDA (agência norte-americana responsável pela regulação de alimentos e remédios) chegou a manifestar preocupação em relação ao apelo saudável do doce, mas um estudo, publicado no ano passado no "Journal of the American Dietetic Association" sugeriu que o produto realmente funciona.
Em alguns países, doces enriquecidos chegam a integrar programas de saúde. O projeto canadense Micronutrient Iniciative, por exemplo, distribui balas com ferro em países com altos níveis de anemia.
No Brasil, a lei proíbe que alimentos considerados de "consumo ocasional" apregoem características funcionais. "Se você vai permitir que um produto alegue ser funcional, que ajuda a melhorar a função intestinal, por exemplo, o ideal fazer isso com um que seja nutricionalmente completo, equilibrado, e não com um que só tenha carboidrato", afirma Antonia Aquino, gerente de produtos especiais da Anvisa.

Necessidade
Entre os especialistas, é consenso que crianças que têm uma alimentação balanceada não precisam de alimentos enriquecidos.
"Se a criança tem uma alimentação saudável, comer uma bolacha com ou sem vitaminas não vai mudar nada", afirma Mariana Del Bosco, do departamento de nutrição da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica).
Segundo Pastore, "se houver uma carência na dieta, pode melhorar um pouquinho". Ainda assim, afirma, as crianças não devem comer guloseimas mais de duas vezes por semana.
Além disso, o produto não deve substituir outros como fonte de nutrientes. "Esses produtos não podem ser a fonte de vitaminas. A criança precisa de uma alimentação balanceada, com verduras, grãos, carnes. Embora não sejam proibidos, eles não podem ser o lanche diário. Tendo ou não vitaminas, eles têm gordura, açúcar, sódio...", alerta Del Bosco.
Os pais também precisam prestar atenção para que os filhos, ao consumir alimentos enriquecidos, não recebam doses muito grandes de determinado nutriente. Vitaminas hidrossolúveis, como as do complexo B, são expelidas naturalmente pelo organismo. Mas as lipossolúveis, como a vitamina A, podem se acumular no corpo e gerar problemas.
"Antes, nós nos preocupávamos apenas com a falta de nutrientes. Hoje, a preocupação é relacionada tanto à falta como ao excesso", afirma a pesquisadora Sandra Arruda, do departamento de nutrição da UNB (Universidade de Brasília).
Também é preciso prestar atenção à capacidade de o corpo absorver os nutrientes do alimento. A biodisponibilidade é um fator importante -a interação entre os ingredientes facilita ou dificulta a assimilação.
Cálcio e ferro, por exemplo, disputam os mesmos locais de absorção. Assim, quando se consome um cereal rico em ferro com um copo de leite, a absorção tanto do cálcio como do ferro é menor. "Se um cereal oferece 30% de necessidades diárias de ferro, mas eu misturo com leite, menos de 10% do ferro será absorvido", diz Sarni.
Já as vitaminas B e C ajudam na absorção do cálcio. "Como a vitamina B sai com a gordura do leite, é muito válido enriquecer um leite desnatado com ela", afirma Del Bosco.
Mesmo o excesso de fibras pode prejudicar. Segundo Pastore, as fibras podem tornar mais leve a absorção de sais minerais como o zinco e o cálcio.
Para alguns nutrientes, o organismo se auto-regula e diminui a absorção quando o corpo já tem a quantidade necessária. A absorção do ferro, por exemplo, é bloqueada quando a substância é consumida em grande quantidade. Ainda assim, segundo Arruda, esse excesso pode causar estresse oxidativo -danos provocados por oxidação a lipídios e proteínas das células. "Há especulações que ligam esse estresse oxidativo ao desenvolvimento de câncer e diabetes", diz a pesquisadora.
Embora os riscos existam para todas as idades, os efeitos lesivos são mais acentuados na infância, diz Sarni. Além disso, é nessa fase que ela cria seus hábitos alimentares que, se forem inadequados, resultarão numa alimentação incorreta ao longo da vida. "É melhor não comer os fortificados se eles trazem riscos, como cárie e obesidade. O ideal é que a criança adquira tudo da alimentação usual", diz Sarni.
Opções light e diet não superam o problema, segundo a pediatra. "O importante é aprender a comer porções normais e balanceadas. Refrigerantes light, por exemplo, têm muito sódio e desmineralizam os dentes, que ficam mais fracos", diz.


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