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Crianças
Guloseimas enriquecidas
Cada vez mais comuns
nos supermercados,
bebidas e alimentos
fortificados com sais
minerais e vitaminas
não podem substituir
fontes naturais
de nutrientes na
alimentação infantil,
afirmam especialistas
Renato Stockler/Folha Imagem
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Biscoitos com vitaminas e cálcio, salgadinhos enriquecidos com nove vitaminas e ferro e fonte de fibras e macarrão com vitaminas; no copo, balas com vitamina C
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
A revanche das guloseimas está em curso.
Alvo de críticas de
médicos e nutricionistas por serem nutricionalmente pobres, salgadinhos, biscoitos, flocos açucarados de cereais, gelatinas, balas e outros
doces invadem as prateleiras
em versões fortificadas. As embalagens alardeiam os novos
ingredientes: vitaminas, ferro,
cálcio, ácido fólico, zinco, entre
outras substâncias fundamentais para a saúde. Os apelos,
aliados aos pedidos insistentes
das crianças, deixam os pais em
dúvida: agora pode?
O problema está em letras
pequenas, no rótulo. Se, de um
lado, o produto fornece doses
de vitaminas e sais minerais, de
outro, possui altos índices de
gorduras, açúcares e sódio, que
podem levar a obesidade e diabetes e, no caso do sódio, a uma
sobrecarga dos rins.
"Um pacotinho de macarrão
instantâneo tem 1,5 grama de
sal, que é o consumo diário de
um adulto. Esse tipo de alimento não deve ser estimulado
mesmo com apelo saudável,
enriquecido com ferro ou vitaminas", afirma Roseli Sarni,
presidente do departamento de
nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Já para Priscila Efraim, pesquisadora do centro de tecnologia e desenvolvimento de cereais e chocolates, do Ital (Instituto de Tecnologia de Alimentos), e para Gláucia Pastore, professora de bioquímica de
alimentos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), já que esses alimentos serão consumidos, é melhor que
ofereçam nutrientes.
"É difícil evitar consumir, pelo menos esporadicamente, determinados produtos. Nesse
caso, é melhor que eles sejam
enriquecidos", diz Pastore, que
é presidente da SBCTA (Sociedade Brasileira de Ciência e
Tecnologia de Alimentos).
"Hoje, os confeitos são vistos
como vilões, mas são alimentos
de rápido consumo. Se você
gosta de bala, é melhor uma
sem nada ou uma com vitamina
C?", questiona Efraim.
A tendência, segundo ela, é
que os doces e salgadinhos
enriquecidos se tornem cada
vez mais comuns, seguindo experiências internacionais. Em
2005, o mercado de confeitos
funcionais (relacionados a alguma melhoria na saúde) movimentou US$ 2 bilhões no
mundo, afirma Efraim.
Um exemplo bem-sucedido
nessa área é o da Mars, fabricante dos MM's, que lançou
nos Estados Unidos uma linha
de chocolates voltada para melhorias no sistema cardíaco. Segundo a empresa, o Cocoavia
(www.cocoavia.com), rico em
fitoesterol, ajuda a reduzir o
LDL (colesterol "ruim").
A FDA (agência norte-americana responsável pela regulação de alimentos e remédios)
chegou a manifestar preocupação em relação ao apelo saudável do doce, mas um estudo, publicado no ano passado no
"Journal of the American Dietetic Association" sugeriu que o
produto realmente funciona.
Em alguns países, doces enriquecidos chegam a integrar
programas de saúde. O projeto
canadense Micronutrient Iniciative, por exemplo, distribui
balas com ferro em países com
altos níveis de anemia.
No Brasil, a lei proíbe que alimentos considerados de "consumo ocasional" apregoem características funcionais. "Se você vai permitir que um produto
alegue ser funcional, que ajuda
a melhorar a função intestinal,
por exemplo, o ideal fazer isso
com um que seja nutricionalmente completo, equilibrado, e
não com um que só tenha carboidrato", afirma Antonia
Aquino, gerente de produtos
especiais da Anvisa.
Necessidade
Entre os especialistas, é consenso que crianças que têm
uma alimentação balanceada
não precisam de alimentos
enriquecidos.
"Se a criança tem uma alimentação saudável, comer uma
bolacha com ou sem vitaminas
não vai mudar nada", afirma
Mariana Del Bosco, do departamento de nutrição da Abeso
(Associação Brasileira para o
Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica).
Segundo Pastore, "se houver
uma carência na dieta, pode
melhorar um pouquinho". Ainda assim, afirma, as crianças
não devem comer guloseimas
mais de duas vezes por semana.
Além disso, o produto não
deve substituir outros como
fonte de nutrientes. "Esses produtos não podem ser a fonte de
vitaminas. A criança precisa de
uma alimentação balanceada,
com verduras, grãos, carnes.
Embora não sejam proibidos,
eles não podem ser o lanche
diário. Tendo ou não vitaminas,
eles têm gordura, açúcar, sódio...", alerta Del Bosco.
Os pais também precisam
prestar atenção para que os filhos, ao consumir alimentos
enriquecidos, não recebam doses muito grandes de determinado nutriente.
Vitaminas hidrossolúveis, como as do
complexo B, são expelidas naturalmente pelo organismo.
Mas as lipossolúveis, como a vitamina A, podem se acumular
no corpo e gerar problemas.
"Antes, nós nos preocupávamos apenas com a falta de nutrientes. Hoje, a preocupação é
relacionada tanto à falta como
ao excesso", afirma a pesquisadora Sandra Arruda, do departamento de nutrição da UNB
(Universidade de Brasília).
Também é preciso prestar
atenção à capacidade de o corpo absorver os nutrientes do
alimento. A biodisponibilidade
é um fator importante -a interação entre os ingredientes facilita ou dificulta a assimilação.
Cálcio e ferro, por exemplo,
disputam os mesmos locais de
absorção. Assim, quando se
consome um cereal rico em ferro com um copo de leite, a absorção tanto do cálcio como do
ferro é menor. "Se um cereal
oferece 30% de necessidades
diárias de ferro, mas eu misturo
com leite, menos de 10% do ferro será absorvido", diz Sarni.
Já as vitaminas B e C
ajudam na absorção
do cálcio. "Como a
vitamina B sai
com a gordura do leite, é muito válido
enriquecer um leite desnatado
com ela", afirma Del Bosco.
Mesmo o excesso de fibras
pode prejudicar. Segundo Pastore, as fibras podem tornar
mais leve a absorção de sais minerais como o zinco e o cálcio.
Para alguns nutrientes, o organismo se auto-regula e diminui a absorção quando o corpo
já tem a quantidade necessária.
A absorção do ferro, por exemplo, é bloqueada quando a substância é consumida em grande
quantidade. Ainda assim, segundo Arruda, esse excesso pode causar estresse oxidativo
-danos provocados por oxidação a lipídios e proteínas das
células. "Há especulações que
ligam esse estresse oxidativo ao
desenvolvimento de câncer e
diabetes", diz a pesquisadora.
Embora os riscos existam para todas as idades, os efeitos lesivos são mais acentuados na
infância, diz Sarni. Além disso,
é nessa fase que ela cria seus
hábitos alimentares que, se forem inadequados, resultarão
numa alimentação incorreta ao
longo da vida. "É melhor não
comer os fortificados se eles
trazem riscos, como cárie e
obesidade. O ideal é que a
criança adquira tudo da alimentação usual", diz Sarni.
Opções light e diet não superam o problema, segundo a pediatra. "O importante é aprender a comer porções normais e
balanceadas. Refrigerantes
light, por exemplo, têm muito
sódio e desmineralizam os dentes, que ficam mais fracos", diz.
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