|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
entrevista
Campanha pelo natural
A parteira holandesa Mary Zwart diz que o parto só deve ser feito por médicos em caso de gestação de risco
FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
[...]
"Os médicos são educados para curar, e nós, parteiras,
para cuidar"
|
Com as maternidades
cada vez mais equipadas e as tecnologias
voltadas para o parto
em constante modernização,
ter um filho sem um médico
por perto pode parecer um retrocesso. Não é o que pensa a
maioria das gestantes holandesas. No país que tem um dos
menores índices de mortalidade no parto do mundo, 85% das
grávidas são acompanhadas
por parteiras -que recebem
uma formação de quatro anos
voltada para o parto normal,
método pelo qual nascem quase todos os bebês por lá. Muitas
delas escolhem ter seus filhos
em casa.
Ícone da defesa da humanização dos nascimentos, a parteira holandesa Mary Zwart,
60, já trouxe mais de 4.000 bebês ao mundo. Na atividade há
30 anos, ela participa, desde
2000, do movimento pró-parto
humanizado no Brasil. Na próxima semana, fará palestras sobre o tema na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e
na Associação Palas Athena,
em São Paulo. Em entrevista à
Folha, por telefone, ela defendeu que o parto é um acontecimento natural, que só deve ser
realizado por médicos no caso
de uma gestação de risco.
FOLHA - Medicamentar o parto é
ruim para mulheres e bebês?
MARY ZWART - Acho que a intervenção médica só deve ocorrer
quando for necessária. A gravidez e o parto são um sinal de
saúde das mulheres. Não são
procedimentos médicos, mas
uma parte da vida. Não podemos transformar algo natural
em um evento médico.
FOLHA - Ter um filho em casa deveria ser a primeira opção? É seguro?
ZWART - Para os mamíferos, o
natural é permanecer no ninho
durante o parto -e não sair dele. Mas o ninho deve ser seguro.
É preciso ter uma infra-estrutura que torne isso possível:
água totalmente limpa, comida
adequada, o suporte de uma
parteira, do médico de família
ou de uma enfermeira com formação voltada para o parto. Se
a mulher se sentir segura em
casa, ela deve poder aproveitar
essa oportunidade.
FOLHA - No Brasil, cesarianas são
muito comuns. Esse método é pior
do que o parto normal?
ZWART - As pesquisas dizem
que as cesarianas não salvam
mais as mulheres, elas as matam. Na Espanha, as mortes de
mães acontecem em primeiro
lugar por causa das cesarianas.
Estudos da Organização Mundial da Saúde mostram que,
com as cesarianas, sete vezes
mais mulheres morrem do que
com o parto normal. Os profissionais que lidam com os partos devem considerar que cortar mulheres desnecessariamente traz prejuízos econômicos para um país. Isso sem contar as mortes de mulheres.
FOLHA - A sra. participa do movimento de humanização do parto
brasileiro desde 2000. Acha que tem
conseguido bons resultados?
ZWART - Estou encantada com
o que foi feito em sete anos.
Médicos e parteiras estão envolvidos. Se compararmos com
Portugal, por exemplo, o movimento brasileiro é muito mais
antigo. Em Portugal, o movimento pelo parto humanizado
começou no ano passado. No
Brasil, existe desde 1985.
FOLHA - Como são feitos os partos
na Holanda?
ZWART - Somos conhecidos
por não gostarmos de gastar dinheiro com algo que é gratuito.
Dar à luz em casa é o meio mais
econômico de parto, e essa é
nossa primeira escolha quando
a mulher está bem. Na Holanda, 70% dos partos normais são
assistidos exclusivamente por
parteiras. No Brasil, onde ao
menos 77% são acompanhados
por médicos, o índice de mortalidade materna é dez vezes
maior do que o nosso. A mortalidade de bebês é quase quatro
vezes maior.
FOLHA - Quando a mãe tem alguma complicação no parto domiciliar,
há tempo de ir ao hospital?
ZWART - Sempre. Mas é importante dizer que, primeiro, existe uma seleção de risco durante
a gestação. Se a mulher tiver
uma gravidez de risco, vai ter o
filho no hospital.
FOLHA - O que uma parteira pode
fazer por uma grávida?
ZWART - Na Holanda, a parteira tem uma formação de quatro
anos só voltada para a gravidez
e o parto. Os médicos não têm
esse tempo de educação voltado só para a mãe. Eles são educados para curar, e nós, para
cuidar. Um especialista em cura é a pessoa errada para acompanhar a mulher no parto, que
precisa de cuidados -e, só algumas vezes, de cura.
FOLHA - A sra. já trouxe mais de
4.000 bebês ao mundo. Há alguma
posição melhor para ter filhos?
ZWART - Isso depende da mulher. Se não houver contra-indicação médica, ela pode dar à
luz como e onde se sentir melhor. Ela deve ter essa escolha.
FOLHA - No Brasil, as mulheres costumam ter deitadas, na cama.
ZWART - Essa é a pior posição
que existe. Se o bebê for pesado,
a mulher coloca o peso na aorta
abdominal. Isso machuca muito a mãe.
FOLHA - Como a mulher deve se
preparar para o parto?
ZWART - Mesmo quando ela
engravida por escolha, há sempre medo. Um bebê compromete a vida para sempre. É normal ter medo, mas isso não deve ser pesado demais, pois, para
o parto, é fatal. A gestante precisa pensar que é uma mulher
madura, que pode dar à luz, que
poderá fazer as coisas que gosta, mesmo com uma criança.
Esse medo deve ser trabalhado
durante a gravidez.
SERVIÇO
Palestras de Mary Zwart:
Dia 27/2, das 8h30 às 12h, no anfiteatro Rosa Aparecida, da Unifesp
(r. Napoleão de Barros, 754, São
Paulo); entrada franca
Dia 28/2, das 9h30 às 16h30, na Palas Athena (r. Leôncio de Carvalho,
99, São Paulo); R$ 80
Texto Anterior: "Sem gordura trans" Próximo Texto: Dia-a-dia: Compare Índice
|