São Paulo, quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007
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entrevista

Campanha pelo natural

A parteira holandesa Mary Zwart diz que o parto só deve ser feito por médicos em caso de gestação de risco

FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL


[...]
"Os médicos são educados para curar, e nós, parteiras, para cuidar"



Com as maternidades cada vez mais equipadas e as tecnologias voltadas para o parto em constante modernização, ter um filho sem um médico por perto pode parecer um retrocesso. Não é o que pensa a maioria das gestantes holandesas. No país que tem um dos menores índices de mortalidade no parto do mundo, 85% das grávidas são acompanhadas por parteiras -que recebem uma formação de quatro anos voltada para o parto normal, método pelo qual nascem quase todos os bebês por lá. Muitas delas escolhem ter seus filhos em casa.
Ícone da defesa da humanização dos nascimentos, a parteira holandesa Mary Zwart, 60, já trouxe mais de 4.000 bebês ao mundo. Na atividade há 30 anos, ela participa, desde 2000, do movimento pró-parto humanizado no Brasil. Na próxima semana, fará palestras sobre o tema na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e na Associação Palas Athena, em São Paulo. Em entrevista à Folha, por telefone, ela defendeu que o parto é um acontecimento natural, que só deve ser realizado por médicos no caso de uma gestação de risco.

 

FOLHA - Medicamentar o parto é ruim para mulheres e bebês?
MARY ZWART
- Acho que a intervenção médica só deve ocorrer quando for necessária. A gravidez e o parto são um sinal de saúde das mulheres. Não são procedimentos médicos, mas uma parte da vida. Não podemos transformar algo natural em um evento médico.

FOLHA - Ter um filho em casa deveria ser a primeira opção? É seguro?
ZWART
- Para os mamíferos, o natural é permanecer no ninho durante o parto -e não sair dele. Mas o ninho deve ser seguro. É preciso ter uma infra-estrutura que torne isso possível: água totalmente limpa, comida adequada, o suporte de uma parteira, do médico de família ou de uma enfermeira com formação voltada para o parto. Se a mulher se sentir segura em casa, ela deve poder aproveitar essa oportunidade.

FOLHA - No Brasil, cesarianas são muito comuns. Esse método é pior do que o parto normal?
ZWART
- As pesquisas dizem que as cesarianas não salvam mais as mulheres, elas as matam. Na Espanha, as mortes de mães acontecem em primeiro lugar por causa das cesarianas. Estudos da Organização Mundial da Saúde mostram que, com as cesarianas, sete vezes mais mulheres morrem do que com o parto normal. Os profissionais que lidam com os partos devem considerar que cortar mulheres desnecessariamente traz prejuízos econômicos para um país. Isso sem contar as mortes de mulheres.

FOLHA - A sra. participa do movimento de humanização do parto brasileiro desde 2000. Acha que tem conseguido bons resultados?
ZWART
- Estou encantada com o que foi feito em sete anos. Médicos e parteiras estão envolvidos. Se compararmos com Portugal, por exemplo, o movimento brasileiro é muito mais antigo. Em Portugal, o movimento pelo parto humanizado começou no ano passado. No Brasil, existe desde 1985.

FOLHA - Como são feitos os partos na Holanda?
ZWART
- Somos conhecidos por não gostarmos de gastar dinheiro com algo que é gratuito. Dar à luz em casa é o meio mais econômico de parto, e essa é nossa primeira escolha quando a mulher está bem. Na Holanda, 70% dos partos normais são assistidos exclusivamente por parteiras. No Brasil, onde ao menos 77% são acompanhados por médicos, o índice de mortalidade materna é dez vezes maior do que o nosso. A mortalidade de bebês é quase quatro vezes maior.

FOLHA - Quando a mãe tem alguma complicação no parto domiciliar, há tempo de ir ao hospital?
ZWART
- Sempre. Mas é importante dizer que, primeiro, existe uma seleção de risco durante a gestação. Se a mulher tiver uma gravidez de risco, vai ter o filho no hospital.

FOLHA - O que uma parteira pode fazer por uma grávida?
ZWART
- Na Holanda, a parteira tem uma formação de quatro anos só voltada para a gravidez e o parto. Os médicos não têm esse tempo de educação voltado só para a mãe. Eles são educados para curar, e nós, para cuidar. Um especialista em cura é a pessoa errada para acompanhar a mulher no parto, que precisa de cuidados -e, só algumas vezes, de cura.

FOLHA - A sra. já trouxe mais de 4.000 bebês ao mundo. Há alguma posição melhor para ter filhos?
ZWART
- Isso depende da mulher. Se não houver contra-indicação médica, ela pode dar à luz como e onde se sentir melhor. Ela deve ter essa escolha.

FOLHA - No Brasil, as mulheres costumam ter deitadas, na cama.
ZWART
- Essa é a pior posição que existe. Se o bebê for pesado, a mulher coloca o peso na aorta abdominal. Isso machuca muito a mãe.

FOLHA - Como a mulher deve se preparar para o parto?
ZWART
- Mesmo quando ela engravida por escolha, há sempre medo. Um bebê compromete a vida para sempre. É normal ter medo, mas isso não deve ser pesado demais, pois, para o parto, é fatal. A gestante precisa pensar que é uma mulher madura, que pode dar à luz, que poderá fazer as coisas que gosta, mesmo com uma criança. Esse medo deve ser trabalhado durante a gravidez.


SERVIÇO
Palestras de Mary Zwart: Dia 27/2, das 8h30 às 12h, no anfiteatro Rosa Aparecida, da Unifesp (r. Napoleão de Barros, 754, São Paulo); entrada franca
Dia 28/2, das 9h30 às 16h30, na Palas Athena (r. Leôncio de Carvalho, 99, São Paulo); R$ 80



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