São Paulo, terça-feira, 22 de junho de 2010 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
COISAS LOUCAS MARION MINERBO marion.minerbo@terra.com.br O álbum e as trocas
A FEBRE DO ÁLBUM da Copa dá em gente de todas as idades e camadas sociais. É uma brincadeira séria, cujo objetivo mais imediato é completar todas as páginas. Mas a atividade frenética de trocar figurinhas, à primeira vista estranha quando praticada por adultos, traz ganhos mais importantes do que um álbum completo. Essa instituição da troca cria uma sociabilidade democrática e solidária. Pode ser praticada por qualquer um, em qualquer lugar. Ninguém pode comprar todas as figurinhas. E comprá-las não exige muito dinheiro. Todos podem entrar na festa, há para todos. Não é uma competição em que apenas um vence. Todos podem completar o seu álbum: é questão de cooperação. Todo mundo é importante, porque um tem a figurinha que o outro não tem. Todos são iguais perante a sorte. A figura que falta pode não estar no seu pacotinho. A troca se institucionaliza quando percebemos que não dá para depender só da sorte: estamos todos no mesmo barco e um pode ajudar o outro. Começamos a trocar por interesse, mas logo vemos que é gostoso encontrar pessoas com quem temos coisas em comum: álbum, futebol, mas, principalmente, o fato de sermos todos brasileiros. Nada nos obriga a ajudar o outro; descobrimos o prazer de criar uma rede de colaboração baseada na empatia. Nesta época, abordamos estranhos sem constrangimentos. No espaço/tempo determinado pela instituição podemos convidar qualquer um para brincar. A desconfiança que permeia as relações na cidade dá espaço a uma trégua. A figurinha é nossa bandeira branca. Criam-se vínculos sem compromisso, como as amizades que fazemos durante uma viagem. Você pode ajudar e ser ajudado por alguém que nunca viu antes e provavelmente não verá depois. Trocando figurinhas, redescobrimos a reciprocidade. Ninguém está na posição de ter quase tudo e estender a mão a quem não tem quase nada: todos têm e todos precisam. A lógica da acumulação cede lugar à da troca. Saber que o outro valoriza algo que possuímos é fundamental para nossa autoestima. O mundo se torna mais acolhedor quando o outro pode nos oferecer justamente aquela figurinha que falta. Quando a Copa termina, continuamos "trocando figurinhas" quando lembramos que a troca, seja lá do que for, é boa para todos e todos saem ganhando. MARION MINERBO, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, autora de "Neurose e Não-Neurose" Texto Anterior: Limitação causou criação da técnica Próximo Texto: Empório: Nutrição, receitas, escolhas saudáveis Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |