São Paulo, quinta-feira, 25 de abril de 2002
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

drible a neura

Estresse do trânsito invade interior dos táxis

AUGUSTO PINHEIRO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um motorista falastrão, um suposto caminho mais longo, uma conversa sobre política, um cigarro aceso... Principalmente nas grandes cidades, onde o trânsito é capaz de tirar qualquer um do sério, não faltam situações que acabam irritando taxistas e passageiros.
"São Paulo é uma cidade muito grande, muito agressiva, e, no trânsito, qualquer um se sente estressado porque tem de cumprir horários, então isso pode aumentar a tensão", diz Anna Mathilde Pacheco e Chaves, professora do Instituto de Psicologia da USP.
A psicóloga Anette Farina, do mesmo instituto, afirma que o complicado é que, com o trânsito caótico, um trajeto curto pode virar uma longa corrida, e a convivência pode não ser agradável. Geralmente, é o motorista que faz concessões. "Ele é um prestador de serviços, vai procurar agradar ao cliente."
A sensação de que o motorista está "enrolando" para faturar mais é um dos principais motivos de estresse entre os passageiros. "Já aconteceu várias vezes de eu dizer o endereço e o motorista parar no meio no caminho para olhar no guia de ruas com o taxímetro correndo", conta o ator e dançarino Alberes Alves Farias, 23. "Ou dizem que estão fazendo o caminho mais curto, mas dão mil voltas."
Essa desconfiança gera um paradoxo. O taxista André Luis Campagnoli da Silva, 28, diz que às vezes prefere fazer o caminho tradicional, mais longo e demorado, em vez de um alternativo. "Por ser um caminho diferente, mesmo sendo mais curto, o passageiro pode achar que está sendo enganado."
Passageiros atrasados, que ficam pedindo para o motorista "pisar fundo", também são um problema. "O trânsito de São Paulo é terrível. A pessoa deixa para sair de última hora e acha que a gente tem asa", reclama o taxista Luiz Tadeu da Silva Garcia, 43.
Ele conta que já perdeu a paciência. "Sou uma pessoa tranquila, mas o cara, atrasado para chegar ao aeroporto, estava me enchendo. Parei o carro e perguntei se ele não queria dirigir enquanto eu ia atrás, "buzinando" no ouvido dele. Ele ficou calado o resto da viagem."
Os motoristas dizem que, nessas situações, preferem ser prudentes. "Não vou cometer uma infração porque o passageiro está atrasado", afirma Fernando da Silva Santana, 45. Por exigência de um cliente, Santana diz que já chegou a ser multado por parar em fila dupla.
Segundo a psicóloga Anna Mathilde, "falta espírito cívico em São Paulo". "Tudo indica que esta cidade não anda bem. É uma guerra de todos contra todos."
A questão da conversa inoportuna é outra que gera polêmica entre motoristas e passageiros. "Detesto quando o motorista fica puxando conversa e não estou a fim de falar. Alguns fazem perguntas indiscretas", diz a assistente financeira Claudinéia Carvalho, 24.
Outra que não gosta de papo é a assistente administrativa Juliana Ishiguro, 20. "Respondo de forma curta e seca. Às vezes, eles só percebem que não quero conversar quando a corrida está acabando."

Indiscrição
Mas Juliana não gosta mesmo é das perguntas que considera "pessoais". Ela diz que também já foi "cantada" por um motorista. "Eu estava voltando da noitada. No final da corrida, o motorista deixou o telefone e disse que, se eu estivesse sozinha, poderia ligar para ele. Era um senhor!", conta.
Mas há aqueles passageiros que adoram bater papo. A estudante Cristina Gabriel Clemente, 18, não gosta quando o motorista é muito sério. "Gosto de conversar. Acho chato taxista calado." O ator Alberes Farias também prefere bater papo. "Conversar relaxa. Já desabafei com taxista, falei da minha vida pessoal."
Muitas vezes, o taxista acaba assumindo o papel de "terapeuta". "Isso acontece principalmente com as mulheres", conta Fernando Santana. "Elas contam que brigaram com o marido, que estão com problemas em casa. No final, até agradecem pelo desabafo." O taxista Antonio Lombardi, 57, diz que já ficou constrangido com algumas histórias contadas pelas passageiras. "Várias já contaram que flagraram o marido com outro homem."
A psicóloga Anette explica que, por estarem sempre correndo, as pessoas têm poucas oportunidades de trocar informações, sentimentos. "As relações são muito calcadas nos papéis sociais. Como o taxista tem uma característica neutra e, possivelmente, o passageiro não vai mais vê-lo, ele se sente mais à vontade para conversar." Já Anna Mathilde acredita que os desabafos tenham relação com "a solidão da cidade e com a proximidade física em um espaço pequeno".
Outro fator de estresse é o cigarro. Em São Paulo, uma lei municipal proíbe fumar nos táxis, mas, com medo de perder o passageiro, a maioria dos motoristas permite. Não é o caso de Arcelino Estácio da Silva, 27. "Quando a viagem é longa, eu digo que pode, porque sei que a pessoa vai sofrer. Mas, se é curta, peço para não fumar", diz. Mesmo assim, se o passageiro insistir muito, ele acaba liberando.
Entre as quatro portas do automóvel, outro assunto delicado são as cantadas -tanto de mulheres quanto de homens. "Geralmente as mulheres cantam a gente para não pagar a corrida, mas isso não cola", diz Santana. O taxista diz que homens mais ousados já chegaram a alisar a sua perna. "Eu vou na diplomacia, mas, se fizer de novo, parto para a agressão."



Texto Anterior: Técnicas eliminam a dor porque corrigem a postura
Próximo Texto: Manual da boa convivência para passageiros
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.