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ALIMENTAÇÃO
Os sentidos na cozinha
Pequenas mudanças ajudam deficientes visuais a cozinhar com segurança; conheça alguns cursos de culinária adaptados
JULIANA CALDERARI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O som das borbulhas
aponta que o líquido
está fervendo. O barulho do creme ao
ser mexido com a colher indica
que a mistura está no ponto
certo. A professora fala alto e há
livros de receitas em versão
ampliada ou braile. É assim,
com pequenas adaptações, que
a nutricionista Camilla Martins ensina seus alunos, deficientes visuais, a cozinhar.
O curso faz parte do programa "Alimente-se Bem", do Sesi
(Serviço Social da Indústria), e
é um dos poucos a aceitar deficientes em suas classes regulares. Os alunos, cegos ou com visão subnormal, aprendem a fazer diversos pratos tradicionais
na mesa dos brasileiros.
A preparação de sucos, entradas, sopas e pratos principais
faz parte do conteúdo das aulas.
Também não faltam receitas de
bolos e sobremesas.
De acordo com estimativas
da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, existe cerca de 1 milhão de cegos no Brasil.
Além da falta de cursos na
área, outro obstáculo que eles
precisam enfrentar é a crença
de familiares de que facas e fogão não combinam com deficiência visual.
"As famílias muitas vezes não
deixam as pessoas cozinharem
em casa e por isso elas não conhecem coisas básicas como liquidificadores e panelas de
pressão", conta Yacopina Valdenini Resende, professora do
curso de culinária oferecido pela Adeva (Associação de Deficientes Visuais e Amigos).
O curso, gratuito, foi criado
em 2002 e inclui o ensinamento de outras tarefas que envolvem o ato de cozinhar. "Além
de produzir a comida, eles
aprendem a lavar a louça, a varrer o chão e a limpar tudo depois", afirma Resende, que usa
sua experiência como deficiente para ensinar a seus alunos.
As aulas são compostas por
uma parte teórica e outra prática. Nesta última, é feito um sistema de rodízio que possibilita
que os participantes passem
por todas as etapas da elaboração de um prato. No momento,
a Adeva procura recursos para
abrir novas turmas.
Rosana da Silva Alcântara
Leandro, 34, foi uma das alunas
de Resende. Antes do curso, a
agente de políticas públicas havia conseguido aprender o essencial com a ajuda de uma
amiga e de uma vizinha da adolescência. "Fui aprendendo pela necessidade. Às vezes não tinha ninguém em casa para fazer as coisas", lembra.
Ela conta que os pais ficavam
receosos de vê-la cozinhar.
"Eles tinham medo de que eu
pegasse na faca ou queimasse o
cabelo", diz.
Segurança
Durante as aulas, Rosana
ampliou o cardápio e aprendeu
novas dicas de segurança: retirar as panelas do fogo e levá-las
à pia para adicionar temperos é
uma delas. Isso evita que o deficiente esbarre a mão na panela
quente e a derrube.
Manter seus cabos virados
para o lado de dentro do fogão é
outra. Atualmente, Rosana cozinha para seu marido, Samuel
Alesse Leandro, 31. Um dos
pratos preferidos do casal é o
"macarrão na panela de pressão com creme de leite".
Os equipamentos usados na
cozinha dos deficientes tampouco são especiais. "Não existem equipamentos adaptados,
nós é que temos que nos adaptar", diz a professora Yacopina
Rezende. Por isso, os deficientes visuais têm que optar por
aparelhos com teclas e informações em alto relevo. Os modelos digitais, por exemplo, não
são adequados, pois não permitem que sejam "lidos" pelas
mãos. "Não nos preocupamos
com o preço nem com o modelo. Vemos se dá ou não para ser
operado", conta.
Opções
Apesar da prática, Rosana lamenta não haver mais opções
de aulas ou livros especializados. "Conheço quem procurou
cursos e não achou. Tem muita
gente que não sabe se virar e vai
precisar um dia porque não terá quem cuide de si para sempre. Eu aprendi sem ajuda porque eu era mais atirada", diz.
A pedido de algumas empresas, o chef João Belezia, que
oferece aulas personalizadas de
culinária na cozinha de sua casa, fez algumas adaptações para
atender aos deficientes.
Belezia explora sentidos como o tato e o olfato. "Trabalho
bastante com as sensações e
com texturas antes de ir para as
receitas. A culinária não é só visual", afirma.
Em forma de encontros, as
aulas duram cerca de uma hora
e meia e os alunos preparam o
cardápio, geralmente opções
sofisticadas para ocasiões especiais, sob a orientação do chef.
Para encerrar, todos se sentam
à mesa e saboreiam o resultado
do trabalho coletivo.
Onde encontrar
Sesi
tel. 0/xx/11/ 3528-2000 (cidade de São Paulo);
0800-55-1000 (Estado de São Paulo, com exceção da capital)
Grátis
www.sesi.org.br
João Belezia
tel. 0/xx/11/5183-7159
A partir de R$ 150
www.joaobelezia.com.br
Adeva
tel. 0/xx/11/3824-0560
Grátis (não há cursos programados)
www.adeva.org.br
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