São Paulo, quinta-feira, 26 de abril de 2007
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Saúde

Além dos tremores

Menos conhecidos, sintomas não motores da doença de Parkinson são alvo de estudos; depressão, insônia e transtornos urinários são algumas dessa manifestações

FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Tremores, rigidez muscular, dificuldades para manter o equilíbrio, lentidão nos movimentos. Os sintomas motores da doença de Parkinson, que já atinge 1% das pessoas com mais de 65 anos no mundo, saltam aos olhos e já são bem conhecidos da população. O que pouca gente sabe é que eles podem vir acompanhados de outros incômodos menos aparentes.
Os chamados sintomas não motores do Parkinson incluem depressão, insônia, prisão de ventre, deficiência no olfato e transtornos urinários, entre outras moléstias. Apesar de receberem menos atenção, podem incomodar muito e, quando identificados e tratados, melhoram a qualidade de vida do paciente.
Longe de serem apenas uma reação ao desconforto dos sintomas motores ou ao uso de remédios para a doença, eles podem se manifestar inclusive antes dos tradicionais tremores. Apesar de já conhecidos pelos médicos, vêm recebendo mais atenção das pesquisas recentemente. "O interesse nessa área é mais atual. Nos últimos anos, temos visto um número crescente de estudos focalizando manifestações não motoras", afirma o neurologista Egberto Reis, professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).
Ele cita duas pesquisas que estão sendo desenvolvidas na USP sobre essa questão. Uma delas, dos departamentos de neurologia e urologia, avaliou a presença de transtornos urinários em mais de 100 pessoas com Parkinson. Os resultados mostram que esses pacientes apresentam mais freqüentemente uma hiperatividade do mecanismo de esvaziamento da bexiga -o que faz com que precisem urinar mais vezes.
Outro estudo em andamento na instituição, realizado em conjunto com a Universidade de Londres, está revelando que mais de 80% dos pacientes têm comprometimento do olfato, o que repercute no paladar e pode causar diminuição do apetite.
Segundo João Carlos Papaterra Limongi, neurologista do Hospital das Clínicas da USP, a deficiência do olfato no Parkinson é um sintoma ainda pouco conhecido, mas cada vez mais identificado. "Poucos pacientes percebem e se queixam disso, mas, ao fazermos uma bateria de testes, o problema aparece. É um sinal que pode ajudar a definir o diagnóstico da doença", afirma. Para o médico, os sintomas não motores não devem ser tratados como simples coadjuvantes. "Eles podem ser até mais aborrecidos do que as manifestações motoras", diz.
De acordo com o neurologista, outras moléstias comuns no Parkinson são obstipação intestinal (prisão de ventre), diminuição da pressão arterial e aumento da sudorese -este último apresentado por cerca de 10% dos pacientes. "Algumas pessoas inclusive deixam de ser hipertensas. Isso acontece porque a doença diminui a enervação dos vasos. Outro efeito é a diminuição da motilidade do trato gastrointestinal. O intestino fica mais lento e daí vem a prisão de ventre", explica Limongi.

Depressão
Entre os sintomas não motores, a depressão é considerada pelos especialistas o mais significativo. Um estudo divulgado há dois meses na Alemanha, por exemplo, mostrou que ela afeta 27% dos pacientes. Realizado pela farmacêutica Boehringer Ingelheim, o levantamento acompanhou 1.023 europeus portadores da doença.
"Ao contrário do que muita gente pensa, não se trata apenas de uma reação à descoberta de ter Parkinson. São os próprios mecanismos que causam a doença que interferem nessa área. É um processo bioquímico", disse à Folha o psiquiatra Matthias Lemke, professor da Universidade de Kiel, na Alemanha, que participou do estudo.
Segundo ele, um sinal que comprova esse fato é que o índice de depressão em pacientes com Parkinson é maior do que em pessoas com outras doenças -como esclerose múltipla, artrite reumatóide, acidentes vasculares graves e câncer. Além disso, muitas vezes a depressão é o primeiro sintoma do Parkinson, chegando antes dos tremores e da rigidez muscular.
Segundo Egberto Reis, um estudo realizado na USP mostrou que a depressão desses pacientes é diferente da depressão primária -que não decorre de outra doença. "Eles têm menos sentimento de culpa e menos tendência ao suicídio. Mas apresentam apatia, tristeza, perda da iniciativa e falta de motivação", descreve. O médico diz que algumas pesquisas revelam uma prevalência de quase 40% de depressão em pessoas com Parkinson.
Outra queixa muito comum dos parkinsonianos é de distúrbios do sono. Insônia, agitação noturna -com movimento de braços e pernas na cama- e, em fases mais avançadas da doença, sonhos vívidos (nos quais a pessoa não diferencia o sonho da realidade) são problemas freqüentes. Em alguns casos, o culpado é o próprio medicamento utilizado para a doença. Mas, assim como acontece com a depressão, esses sintomas podem ser primários, ou seja, uma manifestação do Parkinson.
"O sono fica fragmentado, a pessoa dorme e acorda o tempo todo. A má qualidade de sono durante a noite faz com ela compense com cochilos de dia. Aí, a tendência é que haja uma troca do dia pela noite, o que só agrava o problema", afirma João Carlos Limongi.
Alguns remédios antiparkinsonianos também podem causar outra reação incômoda: alucinações visuais. "Alguns pacientes começam a enxergar bichos ou mesmo pessoas. Isso pode acontecer devido ao uso de alguns medicamentos", explica Cláudio Fernandes Corrêa, coordenador do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho, em São Paulo. Nesse caso, a solução é trocar de remédio.

Tratamento
Apesar de fazerem parte do quadro de Parkinson, alguns sintomas não motores exigem tratamento específico, além dos remédios antiparkinsonianos. Em certos casos, ajustes nos hábitos de vida -como uma dieta rica em fibras para quem está com prisão de ventre- podem resolver. Em outros, podem ser necessários medicamentos.
No caso da depressão, alguns estudos sugerem que certos remédios antiparkinsonianos, pertencentes à classe dos chamados agonistas dopaminérgicos, teriam efeito também sobre o problema. Mas o procedimento mais comum ainda é o uso de antidepressivos.
Nesse caso, o médico tem de ser cuidadoso na hora de escolher o remédio, pois alguns antidepressivos podem piorar os sintomas do Parkinson. Outra cautela que o especialista deve ter é em relação a interações medicamentosas. "Geralmente, o parkinsoniano está na faixa geriatrica. Muitos já tomam remédios para o coração ou para diabetes. Tem que ficar atento a essas interações", alerta Reis.
Em relação ao tratamento geral do Parkinson, não há nenhuma grande novidade recente. A substância levodopa continua sendo o recurso mais eficaz, apesar de ter limitações -a longo prazo, pode causar movimentos involuntários, por exemplo. Outros medicamentos lançados nos últimos anos complementam a ação da levodopa. Segundo os médicos, a opção mais eficaz é associar mais de um remédio.
"O tratamento do Parkinson é muito dinâmico. Tem que monitorar a ação dos remédios constantemente e ver qual deles é melhor para o paciente naquele momento. E tem que ser multiprofissional. Além do neurologista, é muito importante o acompanhamento de um fonoaudiólogo e de um fisioterapeuta", afirma Cláudio Corrêa.
Segundo ele, existem duas cirurgias -indicadas para aqueles pacientes que não respondem aos remédios- que trazem muito alívio em relação à rigidez e aos tremores. "Uma delas consiste na implantação de eletrodos que estimulam áreas do cérebro. No outro tipo, é feita uma lesão em algumas estruturas. São técnicas consolidadas, com ótimos resultados e poucos riscos, oferecidas em vários centros pelo plano de saúde e mesmo pelo SUS. Mas pouca gente conhece essa possibilidade."


A jornalista Flávia Mantovani viajou à Alemanha a convite da Boehringer Ingelheim


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