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Neurociência - Suzana Herculano-Houzel
Para acalmar o hipocampo
Escrever a coluna,
corrigir provas, entregar o relatório,
ligar para o pedreiro que não apareceu, responder aos e-mails acumulados,
usar o microscópio, pagar
contas, ir à reunião, buscar as
crianças na hora. A agenda
de um único dia da vida moderna é atribulada, e a lista
precisaria ficar embaixo dos
olhos o tempo todo para assegurar o cumprimento de
todas as tarefas na ordem
certa se não fosse por nossa
própria agenda embutida:
uma parte do cérebro chamada hipocampo.
Tradicionalmente considerado a porta de entrada
das memórias que podemos
expressar em palavras, o hipocampo mostrou, no final
dos anos 1990, que também é
um alvo-chave para os ansiolíticos. O que tem a memória
recente a ver com a ansiedade? Lembre-se de que essa
memória é a base das projeções para o futuro próximo,
some isso aos resultados de
uma década de pesquisas sobre o hipocampo como inusitado controlador das respostas ao estresse e você terá a
resposta. Que, aliás, eu senti
na pele há algumas semanas,
quando uma lista enorme de
coisas por fazer -boas, imagine- me deixou com a cabeça tão acesa que eu não conseguia adormecer, apesar de
precisar tanto dormir que
até os olhos doíam.
Se as agendas eletrônicas
levam sobre as de papel a
vantagem de soar um alarme
quando os prazos se aproximam, a agenda do hipocampo é ainda melhor. Além de
guardar a lista de tarefas do
momento e do futuro próximo e manter o resto do cérebro ciente delas, o hipocampo faz alarmes tocarem diretamente nas estruturas que
nos deixam atentos e alertas,
prontos para a ação -e tensos enquanto o assunto não
for resolvido. Assim, ele garante que as tarefas receberão sua atenção, sobretudo
as mais prementes, que provocarem no cérebro as respostas mais intensas de estresse antecipado -ou seja,
ansiedade.
Cumprir as tarefas, lógico,
é a maneira garantida de desligar os alarmes. Mas, enquanto isso não for possível,
a neurociência oferece alguns jeitos para evitar os
problemas trazidos pela ansiedade -além dos ansiolíticos, claro. Diversões como
um filme envolvente forçam
o hipocampo a mudar de assunto, ao menos por duas horas; exercício físico freqüente, carinho e sono suficiente
fazem o alarme hipocampal
tocar mais baixo.
Juntar tudo é melhor ainda. Ao me encontrar insone e
agitada no sofá, vendo um filme e quase apelando para
um "rivotrilzinho", meu marido, meu melhor ansiolítico,
me botou na cama e me fez
cafuné até eu adormecer.
Dormi 14 horas. Foi tão
bom...
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de
"O Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira &
Lent) e de "O Cérebro em Transformação"
(ed. Objetiva)
suzanahh@folhasp.com.br
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