São Paulo, quinta-feira, 28 de maio de 2009
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NEUROCIÊNCIA

Suzana Herculano-Houzel

Sarna para se coçar


[...] A maior parte dos estresses da vida são pequenos e, sobretudo, voluntários; como gostamos de arranjar pequenos problemas para resolver!


A palavra estresse virou uma grande vilã dos tempos modernos. Injustamente, eu diria -porque o estresse não é uma coisa só. Para começar, há que separar o estresse (um problema a resolver) da resposta ao estresse (as mudanças que o cérebro orquestra no corpo, e nele mesmo, para resolver o problema). E como gostamos de um problema! A resposta aguda, imediata, ao estresse -a atenção aumentada, a maior disposição, a mobilização de reservas de energia e a sensação de força que vem com ela- tem tudo para ser uma grande aliada, pois aumenta nossas chances de resolver o problema da vez.
Até a resposta dada agora ao problema de amanhã (o relatório a entregar, a conta por pagar), mais conhecida pelo nome de "ansiedade", tem lá suas vantagens: começando a se preocupar agora, você tem mais chances de lembrar do problema a resolver e ainda ganha um tempo para pensar em estratégias e alternativas.
O lado ruim do estresse surge quando, apesar de toda a preparação de cérebro e corpo para resolver o assunto, o problema não some. Assim, o estresse torna-se crônico: abusos físicos ou verbais, a falta de dinheiro que não se resolve, a doença que não cede, a solidão. Nesses casos em que suas tentativas iniciais falharam, o cérebro, sem controle da situação, muda de estratégia e, ao invés de usar as reservas disponíveis, passa a armazená-las. Aqui, sim, a resposta crônica ao estresse torna-se nociva, com acúmulo de gordura, hipertensão, desgaste mental e risco aumentado de transtornos de humor e de ansiedade.
Mas a maior parte dos estresses da vida são pequenos e, sobretudo, voluntários. E como gostamos de arranjar pequenos problemas para resolver! Ao nosso alcance, nem fáceis demais nem difíceis demais, os problemas que nós mesmos nos colocamos nos deixam no controle da situação -algo que o cérebro adora. O cingulado anterior registra a chance de erro e aciona o locus coeruleus, que nos deixa acordados e atentos; o pré-frontal analisa a situação e traça estratégias; o sistema de recompensa é ativado, e nos deixa não só motivados como ainda gostando da empreitada.
Não é surpresa que seja tão difícil ficar à toa. Por que mais compraríamos palavras cruzadas ou revistinhas de lógica para resolver no ônibus ou no avião, ou montaríamos quebra-cabeças, se não pelo prazer de ter um problema para resolver? O cérebro, pelo visto, adoooora arranjar sarna para se coçar...


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do blog "A Neurocientista de Plantão" ( www.suzanaherculanohouzel.com )

suzanahh@gmail.com




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