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Slow food é pra quem pode
VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA
Imagine aquelas cidades
lindas do interior da Itália ou
da França, as Disneylândias
da civilização ocidental. Prédios velhos bonitos, jardins,
vida pacata e rica. Nos arredores, os agricultores são artesãos da terra de onde tiram
produtos frescos da estação
para cardápios de uma culinária burguesa velha ao menos de 150 anos. A classe média ainda tem tempo de almoçar em casa. Isso é slow
food: é para quem pode.
O movimento slow food
surgiu no final dos 1980, em
vilarejos elegantes do norte
da Itália. Terra de trufas,
grandes vinhos e vegetais,
bois e queijos de primeiríssima, massas com ovos etc.
Slow food é uma óbvia ironia para fast food: prega uma
vida sem pressa, a começar
pela mesa. Tornou-se um
grupo internacional de defesa da "educação do gosto",
da pequena agricultura, sua
diversidade de produtos, de
culturas orgânicas e do "comércio justo".
É um movimento antiglobalização, contra hábitos e
comidas padronizados, industrializados, "multidões".
Surge num momento em
que voltam a se reafirmar
identidades locais europeias
e a defesa de patrimônios
"imateriais".
Mas os "jardins da Europa" não são para todo mundo. A agricultura e as pequenas cidades sobrevivem com
subsídios do governo.
A tradição do pequeno
produtor artesão não é "milenar", mas surgiu com reformas agrárias. Dependeu
de uma classe média antiga,
que sabia pagar cozinheiros
para aproveitar os produtos
da terra e exigir seu aperfeiçoamento.
A maior parte do mundo
depende da agroindústria
para ter o que comer,
se come.
Mas até na Europa, dada a
concorrência de "emergentes" e asiáticos, slow food é
privilégio, que mal resiste à
globalização econômica e
cultural. Parisienses e romanos almoçam "paninis" na
rua, como se comem pizzas
ou saladas plastificadas nas
escadas de Wall Street.
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