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CRIANÇA
Não é brinquedo, não
Atividades terapêuticas ajudam crianças internadas a aderir melhor ao tratamento, sentir menos dor e reduzir ansiedade
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Samuel Mateus de Oliveira Silva, 4, está internado há seis dias para tratar um tumor na
cabeça. Sente dor frequentemente por causa de uma cirurgia para drenar líquidos -mas
não na hora de brincar com os
terapeutas ocupacionais. Depois de participar do chamado
brinquedo terapêutico, sente-se mais animado e não reclama
do incômodo.
"As brincadeiras ajudam
muito. Ele fica mais esperto,
não quer ficar deitado no quarto, não fica mais retraído, porque deseja se divertir", conta a
mãe, a ajudante-geral Vaneza
de Oliveira Silva, 26.
É fácil constatar que as brincadeiras dentro do hospital ajudam os pequenos pacientes a se
sentirem melhor durante o tratamento. Alguns especialistas
também observam que o uso de
brinquedos com finalidade terapêutica tem efeito positivo
na sensação de dor, na adesão
ao tratamento e na abordagem
do profissional de saúde.
Um estudo realizado com 34
crianças em idade pré-escolar
no Hospital Infantil Darcy Vargas, em São Paulo, e publicado
na última edição da revista "Acta Paulista de Enfermagem"
avaliou o comportamento dos
pacientes ao receber um curativo com e sem a brincadeira.
Os voluntários haviam passado por cirurgias e, antes de se
submeterem ao curativo, brincaram com uma boneca que
portava acessórios médicos. A
criança era convidada a fazer
curativos no brinquedo.
Após a brincadeira, a pontuação de dor, medida por meio de
figuras apontadas pela criança,
foi reduzida. A adesão ao procedimento também foi bem melhor com o auxílio da boneca.
"Atribuímos a melhora à diminuição do estresse, do medo
do desconhecido. Observamos
a tensão muscular e a expressão de medo que a criança apresentava. Depois do brinquedo,
o comportamento foi diferente", afirma a enfermeira Mariana Kiche, do Hospital Israelita
Albert Einstein.
Outros dois trabalhos, ainda
não publicados, foram realizados no mesmo hospital com
cerca de 30 crianças e apontam
resultados semelhantes. Um
deles avaliou o papel do brinquedo terapêutico durante a
quimioterapia e o outro, na
preparação dos pacientes para
cirurgia. Em ambos os casos, as
crianças se mostraram mais
tranquilas e confiantes durante
os procedimentos.
"É uma área de grande produção de pesquisa. Todos os estudos apontam benefícios do
brinquedo, porque a colaboração da criança para o procedimento é significativa", explica a
enfermeira Fabiane de Amorim Almeida, pesquisadora do
Grupo de Estudos do Brinquedo da Unifesp (Universidade
Federal de São Paulo).
Brincadeira diferenciada
Apesar de ser muito saudável, a brincadeira dentro do
hospital sem orientação não é
considerada terapêutica. Para
ser chamado de brinquedo terapêutico, é preciso que haja
acompanhamento profissional,
com o objetivo de ajudar a
criança a superar as dificuldades e a aliviar a ansiedade.
"O brincar por si só é prazeroso, recreativo e ensina indiretamente, mas só vai ser terapêutico quando tem enfoque
específico. No hospital, quero
auxiliar a criança a entender a
cirurgia que vai fazer, por
exemplo", argumenta Aide Mitie Kudo, terapeuta ocupacional do Instituto da Criança do
Hospital das Clínicas da USP
(Universidade de São Paulo).
Geralmente, as sessões de
brincadeira duram de 15 minutos a uma hora. Elas têm vários
objetivos. O profissional pode
oferecer o material à criança e
deixá-la brincar livremente para entender como ela se sente
com uma situação.
Em outro caso, o especialista
prepara o paciente para o procedimento (uma cirurgia, por
exemplo), explicando-lhe o que
vai acontecer. E, na terceira
aplicação, o objetivo é fazer
com que a criança colabore
com uma atividade em sua recuperação, como exercícios
respiratórios.
"Tentamos minimizar o sofrimento inerente ao processo.
A brincadeira ajuda a elaborar
experiências desconhecidas, a
criança pode representar e dramatizar o que vai acontecer,
pode antecipar sentimentos.
Isso diminui a angústia, o medo, a criança entende melhor,
aceita melhor. E isso melhora o
prognóstico", diz Daniela Carla
Prestes, chefe do Serviço de
Psicologia do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR).
Colaborou GABRIELA CUPANI ,
da Reportagem Local
PARA BRINCAR
>> Bonecos que representam familiares, profissionais de saúde e bichos de estimação
>> Panelinhas, carrinhos, mamadeira, telefone (para dramatizar momentos do dia a dia)
>> Itens relacionados ao hospital, como seringas, agulhas, termômetro, pinças, esparadrapos, estetoscópio
Fonte: FABIANE ALMEIDA, pesquisadora do Grupo de Estudos do Brinquedo da Unifesp
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