São Paulo, quinta-feira, 31 de janeiro de 2008
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beleza

À base de quê?

Proibidos no Brasil, cosméticos feitos com placenta não têm efeito comprovado

AMARÍLIS LAGE
da reportagem local

Babosa, mel, pepino, cupuaçu, andiroba, maracujá... A indústria cosmética conta com uma longa lista de ingredientes com efeito hidratante, esfoliante, calmante, refrescante e assim por diante. Mas parece que há sempre espaço para uma surpresa, e a mais recente veio do ex-ministro petista José Dirceu: ele usa um creme feito de placenta.
O produto inusitado foi citado por Dirceu depois que uma mulher perguntou se ele estava usando botox. Não, é um creme feito de placenta, disse, segundo a revista "Piauí".
No Brasil, a comercialização de cosméticos com matéria-prima humana ou animal é proibida pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Mas é fácil encontrar esse tipo de cosmético à venda em sites como o da Amazon (www.amazon.com). Entre os benefícios apregoados, está a presença de "fatores de crescimento" na placenta, que proporcionariam o rejuvenescimento da pele ao estimular a renovação celular. Muitos desses produtos são fabricados na Ásia e na Oceania.
No caso de José Dirceu, a origem do creme remete à política: ele utiliza cosméticos fabricados em Cuba, país no qual viveu exilado durante o governo militar. O produto citado por ele pertence à linha de cosméticos Alicia Alonso (a mais famosa bailarina do país), uma das linhas mais bem-sucedidas da Suchel Fragancia, um dos braços da Unión Suchel, um conglomerado de empresas -algumas totalmente nacionais e outras com capital estrangeiro, como a Suchel Lever, uma associação com a Unilever.

Vitiligo
A presença da placenta em produtos cubanos não é nova. Na década de 1970, pesquisadores do Centro de Histoterapia Placentaria, em Cuba, divulgaram um estudo mostrando que uma substância extraída da placenta humana -a melagenina- era eficaz na recuperação de pessoas com vitiligo -doença auto-imune que leva à despigmentação da pele.
Mas, segundo o dermatologista Jayme de Oliveira Filho, professor da Universidade Santo Amaro, em São Paulo, quando outros países tentaram reproduzir o estudo, não alcançaram o mesmo resultado e seu uso não foi comprovado.
"Já recebi muitos pacientes que vêm desesperados para tratar o vitiligo e querem usar melagenina", conta Meire Parada, professora de dermatologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). "Falo para eles que foram feitos estudos que não mostraram a eficácia dessa substância. Conheço algumas pessoas que foram a Cuba para se submeter a esse tratamento e, inicialmente, melhoraram -mas principalmente devido ao aspecto psicológico, por acharem que estavam usando algo que vem de fora, que era novo." Fatores emocionais, diz, estão ligados ao desenvolvimento da doença. "Depois, esses pacientes pioravam de novo."

Riscos
Atualmente, o Centro de Histoterapia Placentaria divulga em seu site (www.histoterapia-placentaria.cu) a "amnioterapia cosmética", definida como um método para revitalizar o corpo por meio da aplicação, na pele, de substâncias extraídas da placenta humana. Entre os produtos desenvolvidos, há xampu, gel fotoprotetor e loção pós-barba .
No Brasil, a Anvisa proíbe a comercialização de produtos com placenta humana ou animal devido a aspectos éticos e à preocupação com os riscos de contaminação, afirma a dermatologista Denise Steiner, consultora da agência e responsável pelo departamento de cosmiatria da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia).
"Há doenças virais, bacterianas e fúngicas que poderiam estar impregnadas na matriz celular e serem transmitidas pela placenta", afirma.
Segundo ela, os fatores de crescimento presentes na placenta realmente ajudam na renovação celular -eles estão envolvidos no aparecimento de pintas, no aumento de cabelo e no desenvolvimento de glândulas sebáceas no feto, por exemplo. Mas há cosméticos que usam fatores de crescimento sintéticos, mais seguros.
Outra característica da placenta é que ela é extremamente rica em hormônios. Mas Meire Parada não acha que isso justifique seu uso cosmético. "Ela contém muitos hormônios, sim. Mas, quando alguém passa placenta na pele, como saber se aquilo vai ter efeito? Sinceramente, não acho que traga benefícios." Segundo Steiner, as grandes empresas de cosméticos não usam a placenta na composição de seus produtos. "São mais empresas pequenas, que não têm tanta evidência."
Para quem quiser seguir o segredo de beleza de José Dirceu, a recomendação dos especialistas é: desista. "É perder tempo e dinheiro", diz Parada. "É extremamente arriscado. Ou o consumidor compra uma mentira, com uma concentração baixa e depurada dos aspectos que interessam, ou compra algo que é muito arriscado. Não vale a pena", avalia Steiner.


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