São Paulo, quinta-feira, 31 de janeiro de 2008
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saúde

Invadiram sua areia

Calor e umidade facilitam a proliferação de microorganismos que causam doenças gastrointestinais e de pele

IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Há algo a mais entre você e o seu lugar ao sol. E não é a fila do pedágio. Além da praga dos congestionamentos nas estradas para o litoral, algumas outras, menos visíveis, podem estar à sua espera no feriadão.
A mistura de calor, umidade e praias lotadas é o terreno perfeito para a proliferação de microorganismos causadores de doenças gastrointestinais e de pele. Segundo levantamento da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, as consultas a dermatologistas em ambulatórios estaduais aumentam cerca de 20% em janeiro e fevereiro, na comparação com o resto do ano. "A maioria das consultas se deve ao aparecimento de micoses e de manchas, que também são causadas por fungos", diz Ricardo Tardelli, diretor estadu-al de Saúde de São Paulo.
A presença, em alimentos, de vírus e bactérias causadores de doenças diarréicas (com náusea e vômitos) também cresce em tempo de muito calor e praias lotadas. "Dependendo da bactéria, os casos de infecção aumentam de 10% a 20% no verão", diz Maria Bernadete de Paula Eduardo, diretora da divisão de doenças de transmissão hídrica e alimentar da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

Micose de praia
E é sempre na praia que a professora de inglês Adriana Campos, 20, tem manifestações de micoses. "Desde pequena, já tive tudo o que se pode imaginar. Na maioria das vezes, tenho uma micose que deixa manchas brancas na pele", conta Adriana.
Trata-se da Ptiríase versicolor, conhecida vulgarmente como "pano branco" ou "micose de praia" -justamente o caso vivido por Adriana. Mas o fungo causador da doença não vem exatamente da praia. Ele habita normalmente a pele. Porém, em condições de calor e umidade, é capaz de se desenvolver mais facilmente. Muitas vezes, a micose só é percebida depois que a pessoa se expõe ao sol, porque a pele não se bronzeia nas áreas afetadas e as pequenas manchas claras são realçadas.
"É importante enxugar freqüentemente a pele e não ficar muito tempo com roupas úmidas", diz Castro. Também é recomendado não compartilhar toalhas de praia e de banho.
O tratamento, com medicamentos tópicos (sabonetes, xampus, loções, cremes) ou, em alguns casos, orais, é fácil e eficaz. Mas é importante consultar um dermatologista. "Nem toda mancha branca é micose, é preciso tentar identificar a causa", avisa Gui-lherme Martins Castro, res-ponsável pelo setor de dermatologia do grupo Fleury Medicina e Saúde.

Cães e outros bichos
Além de tomar esses cuidados, Adriana evita ficar em contato direto com a areia. Na verdade, essa medida é mais eficaz para prevenir outra doença, também bastante comum em praias, o bicho geo-gráfico, ou larva Migrans cutânea. Causada pela penetração na derme da larva de um parasita que existe no intestino de cães e gatos, também é fácil de ser tratada.
Após penetrar na derme, a larva se desloca, formando li-nhas sinuosas e salientes na pele, que lembram o traçado de um mapa e explicam o nome da afecção. A aparência é péssima e, ainda por cima, provoca coceira. O pior é que as larvas causadoras do bicho geográfico permanecem na areia mesmo depois de as fezes do cão serem retiradas.
Ana Beatriz Calicchio, 10, e Gianfranco Calicchio, 6, contam ter um amigo que já teve bicho geográfico. Os irmãos têm um casal de cães, que sempre levam a Camburi, no litoral norte de São Paulo. "Mas eles nunca vêm à praia", esclarece Gianfranco. Ele e a irmã se intitulam "fiscais de cachorro" e patrulham as pessoas que passeiam com animais na areia, pedindo para que não o façam.
Até dá para tentar impedir que os cachorros invadam as areias, mas, quando os problemas são os borrachudos e os pernilongos, a missão é impossível. Como as picadas já estão incluídas no "pacote" de praia, o repelente deve se tornar item obrigatório na bagagem. E, para algumas pessoas, um antialérgico também. É o caso de quem sabe que tem alergia a picadas ou ou-tros tipos de alergia (respiratórias ou de pele) com freqüência. "Essas pessoas são mais propensas a ter uma reação alérgica ao serem picadas por insetos", diz o dermatologista Castro.
O uso profilático de medicamentos antialérgicos, porém, não é indicado. "Mesmo para quem já teve alergia a picadas de insetos em outras situa-ções, não é recomendável o uso preventivo de medicamento. Ele só deve ser utilizado se houver reação", diz Tardelli, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Outra coisa que não faz parte das indicações médicas é tomar vitamina B para não ser picado. "Já ouvi muita gente dizendo que tomou [vi-tamina B] e deu certo, mas não há nenhuma comprovação científica", afirma Castro.
A solução é fazer a profila-xia ambiental. "Para pernilongos, que costumam picar durante o anoitecer e o ama-nhecer, a melhor prevenção é usar telas nas janelas, mos-quiteiros e repelentes ambientais (aparelhos elétricos, velas etc.)", diz Sonia Maria Moura, bióloga da Praxxis Controle de Pragas, de São Paulo. Já os borrachudos, que se proliferam perto de água corrente, como rios e cachoeiras precisam ser afastados com repelentes corporais. O produto deve ser utilizado conforme as instruções do fa-bricante. "O importante é lembrar que é preciso reaplicá-lo após entrar na água ou suar muito", diz Tardelli.

Tentações contaminadas
Outro grupo de pragas de praia vem escondido nas embalagens mais tentadoras: cervejinha gelada, camarão frito, ostras e até aparentemente inocentes picolés. "Em alimentos crus ou mesmo cozidos que ficam muito tempo fora da geladeira e em frutas que não tenham sido lavadas adequadamente, as condições de calor e umidade permitem que os vírus e as bactérias se proliferem rapidamente", avisa Orlando Ambrogini Jr., gastroenterologista da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Ele recomenda não comprar alimentos de origem desconhecida e levar sua própria garrafa de água mineral à praia, tanto para beber quanto para higienizar alimentos como frutas.
É o que faz a professora de educação física Fabiana Baracco, 31. A precaução é motivada principalmente por seu filho Arthur, que acabou de completar um ano. Ela leva à praia sua própria geladeira de isopor, com comida para ela e o bebê e garrafas de água mine-ral. "Não compro nada na praia." Em compensação, o marido de Fabiana, Bruno Cosenza, 28, não tem medo de arriscar. "Pode ser queijo na brasa, camarão... Compro e como. E nunca tive nenhum problema", conta.

Vômitos e diarréia
A estudante Mariana de Faria, 19, não tem a mesma sorte. Mais de uma vez teve problemas provocados por ali-mentos consumidos na praia. "Uma vez, cheguei ao litoral e entrei de cabeça nas frituras vendidas na praia. Tive de voltar a São Paulo, vomitando durante todo o trajeto", conta. A experiência não serviu de lição e Mariana conta que, no ano seguinte, repetiu a dose -e bingo: teve uma gastroenterite (infecção do aparelho digestivo) de novo. "Neste ano só estou comendo batata frita. Até agora não tive nada", diz ela, que aproveitava as férias escolares de janeiro na praia de Camburi, em São Paulo.
Ambrogini Jr. diz que, dependendo do tipo de vírus ou bactéria, a infecção pode demorar mais ou menos tempo para se manifestar. "Algumas vezes, os sintomas surgem em até seis horas após a ingestão; mas podem aparecer entre 24 e 72 horas depois."
Segundo ele, essas infecções costumam desaparecer em cerca de uma semana. "A prioridade é tomar muito líquido, para manter a hidratação. Mas, em casos de crianças pequenas, idosos, gestantes, pessoas com doenças crônicas ou deficiências imunológicas, o quadro pode ser mais grave e é preciso procurar assistência médica rapidamente", avisa.
Essa população mais sus-cetível também deve ficar atenta ao risco de infecção por Salmonella enteritidis, bactéria que se desenvolve principalmente em ovos crus ou mal cozidos -pode estar, por exemplo, na maionese caseira utilizada no "sanduíche natural", um clássico das praias brasileiras. "A infecção por salmonela costuma causar febre e sintomas mais agudos de vômito e diarréia. Para os grupos de maior risco, o perigo é que a infecção pode se disseminar pela da corrente sangüínea", diz Maria Ber-nadete de Paula Eduardo, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.


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