São Paulo, quinta-feira, 31 de maio de 2007
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Entrevista

Sem fumaça

Diretora-assistente da Organização Mundial de Saúde fala à Folha sobre campanha de combate ao fumo passivo

AMARÍLIS LAGE
ENVIADA ESPECIAL A GENEBRA

Não basta não fumar. Para se proteger dos efeitos nocivos do cigarro, a única solução é viver em ambientes 100% livres de fumaça. Esse é o principal recado da Organização Mundial de Saúde para o Dia Mundial sem Tabaco, celebrado hoje.
O fumo passivo, de acordo com a entidade, não é um simples incômodo para não-fumantes, mas sim um fator de risco importante para o desenvolvimento de doenças cardíacas, câncer de pulmão e asma, entre outros problemas, e como tal deve ser combatido -a legislação deve ser rígida quanto a isso. Sistemas de ventilação e filtragem de ar não resolvem o problema e políticas baseadas na participação voluntária da sociedade "não são uma resposta aceitável", defende a OMS.
No meio dessa guerra contra o cigarro, o Brasil tem sido um bom exemplo, afirma a economista francesa Catherine Le Galès-Camus, diretora-assistente do departamento de doenças não contagiosas e saúde mental da OMS. Especialmente por mostrar que, apesar do peso da indústria do cigarro, o controle do tabaco pode ser feito sem prejuízos para a economia do país.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida por Le Galès-Camus à Folha durante o simpósio sobre tumores torácicos realizado pela Esmo (European Society for Medical Oncology), em abril.
 
FOLHA - É cada vez mais comum os países adotarem leis que restringem o uso de cigarro. Além disso, as pessoas também contam atualmente com mais informações sobre os danos do tabagismo. O que mais pode ser feito para diminuir a incidência do câncer de pulmão?
CATHERINE LE GALÈS-CAMUS -
Sim, as pessoas sabem que o tabaco é a principal causa de câncer de pulmão, e o controle do tabaco tem sido implementado ou reforçado em muitos locais. Mas eu também mencionaria outras coisas, como a poluição em ambientes fechados, que também causa câncer de pulmão -embora em números menores- e pode ser prevenida. Além disso, os casos de câncer de pulmão ainda são detectados muito tarde, quando a chance de cura é pequena. Nós temos chamado todos os países a ratificar a convenção de controle do tabaco e a ter um programa forte de controle do tabaco. Nós sabemos, por exemplo, que a elevação de preços ajuda a reduzir o consumo dos produtos de tabaco.

FOLHA - Como a poluição em ambientes fechados pode ser evitada?
LE GALÈS-CAMUS -
Quando falamos de tabaco estamos pensando na saúde dos fumantes, mas também na das pessoas que vivem perto desses fumantes. Por isso, advogamos por um ambiente sem tabaco. É preciso destacar a importância de políticas públicas de controle de tabaco. Em segundo lugar, há outros aspectos ambientais ligados ao câncer de pulmão. Essa é uma preocupação social na Ásia, por exemplo, onde as mulheres costumam cozinhar em ambientes fechados, expostas diariamente à fumaça. Poderíamos evitar isso com formas diferentes de cozinhar.

FOLHA - A Ásia e a África são os locais onde se espera o maior aumento de câncer de pulmão. Por quê?
LE GALÈS-CAMUS -
Observamos atualmente na África o aumento do consumo de tabaco, acompanhado de uma política muito agressiva dos fabricantes desses produtos. Essas empresas têm evitado os países com uma legislação forte e onde há uma clara noção de que o tabaco é danoso. É nos países africanos que vemos o aumento do número de fumantes, de mulheres que começam a fumar e da exposição dos jovens ao tabaco. Muitos governos africanos têm encarado isso de forma séria, e estamos trabalhando com eles para dar suporte a intervenções efetivas.

FOLHA - Como a sra. avalia a ação do Brasil nessa questão?
LE GALÈS-CAMUS -
O governo brasileiro tem uma grande vontade política em controlar o tabaco e isso é importante porque é um país onde há produção de tabaco. O exemplo brasileiro é bom para mostrar que o compromisso com a saúde pública e o controle do tabaco podem ser feitos sem efeito adverso na economia do país.

FOLHA - Qual o papel dos médicos nesse trabalho de prevenção?
LE GALÈS-CAMUS -
Como diz o presidente da Esmo [Hakan Mellstedt], há hoje uma preocupação na comunidade médica relacionada a isso: é importante que a prevenção seja parte dos atendimentos clínicos, o que ainda não ocorre em muitos países. Um papel importante desse tipo de simpósio é disseminar novos conhecimentos, mas também treinar comissões de especialistas para que eles se tornem advogados da prevenção em seus locais de trabalho.

FOLHA - Existem no Brasil alguns locais especializados em prevenção de câncer. Qual a sua opinião sobre esse serviço?
LE GALÈS-CAMUS -
Toda ação que possa prover à comunidade ou aos indivíduos informações que sejam baseadas cientificamente e promovam a prevenção são bem-vindas. Falamos muito do câncer de pulmão e do cigarro, mas há muitas outras possibilidades relacionadas à prevenção do câncer: a alimentação, o consumo do álcool, o contato com outras doenças. Dar à população acesso a esses serviços é crucial para que eles sejam bem-sucedidos.

FOLHA - Largar o cigarro não é uma questão de força de vontade. O que a OMS sugere sobre isso?
LE GALÈS-CAMUS -
Em primeiro lugar, é sempre válido parar de fumar. Em segundo lugar, nós sabemos que isso é extremamente difícil, pois a nicotina é uma substância viciante. Não se trata apenas de dizer "eu gostaria de parar de fumar". E os tratamentos têm uma efetividade limitada -reconhecemos isso. Muitos esforços ainda devem ser feitos para termos mais associações de tratamentos bem-sucedidos. Mas também há coisas muito simples que devem ser adotadas, como o médico perguntar ao paciente se ele fuma e, se a pessoa for fumante, perguntar: "você pensa em parar?". Gostaríamos que cada médico desse esse tipo de conselho, que é muito simples, mas realmente importante e ajuda muito os pacientes.

Nos Estados Unidos, o fumo passivo é responsável por aproximadamente 3.000 mortes relacionadas a câncer de pulmão por ano
Fonte: The United States Environmental Protection Agency

43,9% dos jovens entre 13 e 15 são expostos à fumaça de cigarro em casa
Fonte: Global Youth Tobacco Survey, desenvolvido pela OMS em 132 países


A jornalista Amarílis Lage viajou a convite do laboratório Roche.

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