São Paulo, quinta-feira, 30 de dezembro de 1999



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  MAIOR TRAUMA ECONÔMICO DO SÉCULO, A CRISE ARRASOU 11 MIL BANCOS, DESEMPREGOU MAIS DE 10 MILHÕES E FORTALECEU A CRENÇA EM IDEOLOGIAS TOTALITÁRIAS, COMO O NAZISMO

Queda da Bolsa de Nova York arrasa o mundo | Espírito da época

Queda na Bolsa de Nova
York arrasa o mundo


RICARDO GRINBAUM
da Reportagem Local

O ano de 1929 começou com o otimismo da chamada Era do Jazz e terminou como o maior trauma econômico do século 20. Até hoje, o medo da repetição do crash da Bolsa de Nova York e da depressão da década 30 é o grande fantasma da economia mundial.
Antes de 1929, os EUA estavam embriagados por um sentimento quase religioso de fé nas virtudes do capitalismo. Acreditava-se que a difusão de novas tecnologias, como o rádio e a energia elétrica, trariam uma prosperidade prolongada e sem riscos.
Os norte-americanos dançavam ao som do charleston, encantavam-se com as melindrosas (mulheres “modernas” que usavam vestidos acima dos joelhos, fumavam e bebiam) e iam às compras como nunca.
Um em cada seis norte-americanos tinha um carro na garagem (o número de carros triplicou na década de 20), quase metade das casas tinha um aparelho de rádio e 90 milhões de pessoas frequentavam os cinemas a cada semana.
A chamada Nova Era acabou ao meio-dia de 24 de outubro de 1929 (a “quinta-feira negra”), quando a Bolsa de Valores de Nova York começou a quebrar. Quando as ações viraram pó, os EUA entraram na pior recessão de sua história, que durou quase dez anos, arrastou dezenas de outros países e mudou a vida de quase todos os habitantes do planeta.
A conta da especulação financeira desenfreada foi paga por muito tempo. Nos anos 30, a crise social deflagrada pelo crash favoreceu a ascensão e o fortalecimento do nazismo e do fascismo, responsáveis pela Segunda Guerra Mundial, iniciada em 1939.
“O sistema financeiro era muito interligado e até hoje não se repetiu uma crise tão global como a de 1929”, diz o historiador Boris Fausto, da USP.
O que assusta muitos analistas são as semelhanças entre a recente onda de euforia na Bolsa de Nova York e o entusiasmo dos investidores na década de 20.
Assim como ocorre hoje, os EUA atravessavam seu oitavo ano consecutivo de crescimento. Eufóricos com o desempenho das empresas, os norte-americanos apostavam pesado na Bolsa.
De 1925 a 1929, o preço das ações mais do que dobrou. A grande coqueluche eram os papéis da RCA (Radio Corporation of America), que saltaram de US$ 2 para US$ 500 em dois anos.
Nem era preciso ter dinheiro para especular. Com 10% do valor podia se comprar uma ação. Mais de quatro milhões de pessoas participavam da “mania especulativa”, como se falava à época.
Nem todos compactuavam com o clima de euforia. Alguns investidores desconfiavam que a economia mundial estava desacelerando e que a cotação dos papéis não refletia a situação das empresas.
“Se a orgia de especulação irrestrita no mercado de ações não parar, vai trazer uma depressão geral envolvendo todo o país”, advertiu o banqueiro Paul Warburg, poucos meses antes do crash.
Mas vozes discordantes como a de Warburg eram logo desqualificadas, sob o argumento de que não entendiam as mudanças na economia. Assim como se fala hoje em dia num “novo paradigma”, os teóricos acreditavam numa “nova era” econômica, resultado da revolução tecnológica.
Uma semana depois de previsões otimistas _como a do economista Irving Fischer, de que as ações se manteriam em patamares altos_, as cotações começaram a desabar. Na “quinta-feira negra”, foram vendidas 16,41 milhões de ações. Onze investidores se suicidaram. No dia seguinte, ocorreu outra queda, de 11,75%.
Só depois de 25 anos as cotações recuperaram o valor que tinham antes do crash.

Grande depressão
Os anos seguintes ao crash entraram para a história como a Grande Depressão. Para os historiadores, a quebra da Bolsa foi o estopim que faltava para deflagrar a crise, gerada por uma superprodução das empresas.
Cada vez mais produtivas, as empresas trabalhavam com menos funcionários, o que alimentava o desemprego e favorecia a concentração de renda. Quando a bolha especulativa se rompeu, os norte-americanos perceberam que não existia um contingente de consumidores para comprar tudo o que as empresas fabricavam.
Houve uma quebradeira generalizada. Em 1929, haviam 2,2 milhões de empresas nos EUA. Três anos depois, o número havia caído para 1,9 milhão. Dos 25 mil bancos, 11 mil quebraram. O desemprego saltou de 1,5 milhão de pessoas para 12,8 milhões _ou 25% da força de trabalho.
Como não havia rede de proteção social, os desempregados ficaram na miséria. A imagem que marcou época foram as filas da sopa, fornecida por entidades beneficentes. Em 1933, quase um terço da população dos EUA não tinha qualquer fonte de renda.
A quebra da Bolsa deflagrou uma crise mundial, a começar pela Europa. Em meados da década de 20, a Alemanha começava a se recuperar da destruição da Primeira Guerra Mundial, graças aos investimentos norte-americanos.
Depois do crash, os bancos e empresas repatriaram os recursos para enfrentar a recessão nos EUA, esvaziando a recuperação alemã. A crise econômica e social na Alemanha favoreceu a ascensão do partido nazista, em 1933.
O efeito dominó bateu na Inglaterra, grande credora da Alemanha. Com o calote alemão, a Inglaterra foi forçada a desvalorizar em 40% a libra e mergulhou na crise econômica, junto com outros 30 “países satélites”.
A recessão ganhou escala mundial. A crença nas virtudes do liberalismo, que pregava a abertura dos mercados, foi profundamente abalada. Quase todos os países adotaram medidas protecionistas para favorecer a produção local.
No Brasil, não foi diferente. O país enfrentou pesada crise nos anos 30, com a queda no preço do café. “Foram os efeitos da recessão internacional que levaram o Brasil a promover uma política de substituição de importações, o primeiro grande ciclo de industrialização do país”, diz Fausto.
Os EUA lutaram por uma década para sair da crise. Mas, embora a economia tenha começado a reagir a partir de 1935, foi só a corrida armamentista provocada pela Segunda Guerra Mundial que trouxe o otimismo de volta.

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