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POR QUE VOTO EM LULA
Democracia é maior que qualquer um de nós
RENATO JANINE RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Eleição não é luta do bem
com o mal. É comparação. Voto
em Lula porque, a meu ver, seu
governo melhorou o Brasil. Ele
recebeu o país com uma agenda
ditada pela direita, que reduzia
quase tudo à política econômica, ou pior, à monetária e à fiscal; um país que, no fim de
2001, não cumpria mais o Orçamento, sem dinheiro nem para
pagar passagens de ministros,
com o dólar a R$ 4 e um risco-Brasil enorme. Ora, o governo
de centro-esquerda foi capaz de
acalmar a economia, de baixar
o risco, de aumentar as exportações, enfim, de cumprir uma
agenda econômica que não era
sua prioridade, nem a dos movimentos populares, e isso sem
privatizar nada, sem desfazer o
patrimônio público.
Mais, ainda: Lula colocou na
política brasileira, de modo definitivo, uma agenda social importante. E com êxito. Segundo
Maria Inês Nassif ("Valor Econômico", 24/8), o maior rigor
em programas como o Bolsa-Família e os do Ministério das
Cidades "desintermediou o voto da população pobre, que antes passava pelo chefe local". Se
isso é certo, não há paternalismo na atual política de promoção social.
Não adianta ficar inventando
que Lula se proclamou "pai dos
pobres". Alguns jornalistas dizem isso, mas nunca informam
quando o presidente teria usado uma linguagem tão contrária a suas crenças para se referir a si próprio. Tudo indica que
há menos paternalismo agora
do que antes.
É engraçado: quando se banhava de dinheiro o grande capital (empréstimos do BNDES
a juros baixos para privatizar
estatais), a opinião dominante
chamava isso de progresso,
mas, quando se dá dinheiro aos
mais pobres, para comerem e
se vestirem melhor, a mesma
opinião dominante entende
que dinheiro nas mãos de pobres não presta.
Discordo disso.
Quero uma sociedade democrática. Isso significa, em primeiro lugar, o fim da miséria, a
redução da desigualdade social.
No horizonte político brasileiro, não vejo força melhor que a
coligação de esquerda para
promover esse salto qualitativo. Ela tem sido capaz de melhorar as condições sociais com
uma temperatura baixa de conflitos, ao contrário do que diziam seus detratores.
O país
não pegou fogo. O saldo do governo é positivo: a questão social está sendo bem orientada.
Agora vamos à questão ética.
No governo atual o procurador-geral não engaveta processos, a Polícia Federal age, CPIs
funcionam. Já seu principal adversário impediu 60 CPIs de
funcionar na Assembléia paulista, deixou uma política de segurança prepotente e ineficaz
(porque acabamos sob o domínio do PCC) e uma política de
educação que não é das melhores. Eleição é comparação. Não
vejo no governo Alckmin superioridade ética sobre o governo
Lula.
Contudo, há satisfações que
o PT deve à sociedade. Os escândalos mostram que ele é um
partido mais "normal" do que
imaginava ser. Humildade não
faz mal. O PT tem seus defeitos. Deve contas ao Brasil. Tem
de fazer uma faxina interna e
punir quem errou. Mas, ainda
assim, consegue governar melhor que os outros. Aliás, seria
bom o país todo fazer um exame de consciência. Com o financiamento privado de eleições, a porta se escancara para
a negociata. Deveríamos priorizar em 2007 a reforma política, com fidelidade partidária,
condições mais equilibradas de
financiamento às candidaturas
e talvez até o voto distrital.
Uma eleição não é uma guerra. Amanhã e sempre, teremos
de conviver, quem votou em
Lula ou nos outros candidatos.
Precisa cessar o terror discursivo, a ameaça ao voto universal. Este é o segundo ponto em
que desejo uma sociedade democrática. Democracia significa respeitar o discurso do outro. Nas eleições, as pessoas se
exaltam, mas é desonesto deformar o que o outro disse.
Muito do que hoje se conta sobre o PT ou sobre quem o
apóia, como eu, é uma enorme
caricatura. Isso amesquinha a
política, que deve ser arena de
adversários, não de inimigos.
Esse clima envenenado não
ajuda o de que mais precisamos, não nós da esquerda, mas
nós brasileiros: construir alianças, trabalho em conjunto, convergências. A sociedade é
maior que a política. O Brasil é
maior que os partidos. A pequena ambição não pode erodir nossas oportunidades.
Podemos enfrentar a miséria, melhorar a educação e a saúde, integrar os excluídos.
Penso que Lula é o mais adequado, hoje, para dirigir o governo neste rumo mas penso
também que este tem de ser
um projeto de sociedade, e não
apenas de governo. Não estamos, hoje, terceirizando a solução de nossos problemas. Estamos elegendo o mais apto a dirigir um esforço que deve ser
maior do que ele e do que qualquer um de nós.
RENATO JANINE RIBEIRO , professor de ética e
filosofia política na USP, é diretor de avaliação
da Capes e autor de, entre outras obras, "A Sociedade Contra o Social - O Alto Custo da Vida
Pública no Brasil" (Companhia das Letras)
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