São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2006

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Eleições 2006

Alckmin

JOSIAS DE SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A carreira política do homem que hoje disputa a Presidência pelo PSDB nasceu de um lance fortuito. E foi impulsionada por três golpes de sorte. O acaso insinuou-se na biografia de Geraldo Alckmin em 1972. A boa estrela luziu diante dele em 1980, 1994 e 2000.
Há 34 anos, o velho MDB buscava nos bancos universitários jovens candidatos para disputar cadeiras nas Câmaras Municipais do interior de São Paulo. Lideranças do partido foram à Universidade de Taubaté dispostos a seduzir o presidente do diretório acadêmico.
O personagem, cujo nome se perdeu nos desvãos da história, declinou do convite. Indicou um colega de agremiação, Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho, no frescor dos seus 19 anos e no primeiro ano de medicina. Depois de consultar o pai, um veterinário de quem herdou o nome, Geraldinho, como o chamavam, aceitou.
Elegeu-se vereador em Pindamonhangaba, onde nascera, com 1.447 votos graças à benevolência dos alunos de um cursinho pré-universitário onde dava aulas. Ensinava química para custear os estudos.
Nascida assim, do acaso, a carreira de Alckmin deve à ditadura o primeiro golpe de sorte. Da cadeira de vereador, alçara-se, em 1976, à poltrona de prefeito. Tinha 23 anos e um curso de medicina por concluir. Prometera à mulher, Maria Lúcia Ribeiro Alckmin, a Lu, com quem se casaria em 1979, que a prefeitura seria sua derradeira aventura política. Porém, em 1980, que deveria ter sido seu ultimo ano à frente do Executivo municipal, caiu-lhe no colo dois anos a mais de mandato.
"Presente" do regime, que desejava fazer coincidir o calendário das eleições majoritárias. Deu de ombros para o compromisso assumido com Lu. Tomara gosto pela política.
Sem que suspeitasse, a folhinha enleava sua biografia à de outro personagem: Luiz Inácio da Silva, que foi de Garanhuns, sertão pernambucano, para Santos, no litoral paulista, em 1952, ano de nascimento de Geraldinho. E que dera os primeiros passos na carreira sindical em 1972, quando Geraldinho virou vereador. No mesmo 1980 em que Alckmin foi brindado com a prorrogação do mandato, o jovem sindicalista de São Bernardo -a cujo nome já se havia enganchado o apelido Lula- pôs os dois pés na política. Fundou o PT. O prefeito já não o ignorava. Seguia-lhe os passos como o resto do Brasil.
Geraldinho fora um menino casmurro. Adolescente, fechava-se em silêncios impenetráveis. Jovem, passara a ser assediado pela timidez. Conhecera Lu num baile do Clube Literário e Recreativo de Pindamonhangaba. "Passei metade da festa tomando coragem para chamá-la para dançar." Na política, desenvolvera carisma de pedra de gelo. Ou de "picolé de chuchu", apelido que José Simão lhe pespegaria depois.
A despeito do temperamento gélido, Alckmin elegeu-se deputado estadual, em 1982. E fez-se deputado federal quatro anos depois, na fase em que o país vivenciou a efervescência do processo constituinte. Cruzava nos corredores com Lula, que trocara o macacão de metalúrgico pelo terno de deputado.
Congressista apagado, condenado a engrossar as fileiras do baixo clero parlamentar, o deputado chuchu recebeu o segundo sorriso da sorte. Caiu nas graças de uma estrela de primeira grandeza de então. Líder do PMDB no Congresso Constituinte, Mário Covas enxergou na falta de sal de Alckmin um ingrediente valioso para temperar as renhidas disputas que se travavam em torno de cada artigo da nova Constituição. E o fez seu vice-líder.
O zelo com que o auxiliar se desvencilhou das coisas práticas encantou Covas, que, em 1994, acomodou Alckmin como vice na vitoriosa chapa ao governo de São Paulo. A sorte cruzaria novamente seu caminho em 2000. Disfarçada de azar.
Candidato a prefeito de São Paulo, perdeu para Paulo Maluf, por 7.691 votos, o direito de disputar um segundo turno contra a petista Marta Suplicy. Graças ao infortúnio, pôde assumir, no ano seguinte, o posto de governador, vago com a morte de Covas. Freqüentador dos fundões da administração, Alckmin foi à vitrine do principal Estado da federação.
Sua discrição -só chamava Covas de senhor-, seu estilo monástico -até hoje é avesso a festas e badalações- e a fama de administrador aplicado conquistaram São Paulo, que o reelegeu em 2002. Recebeu em âmbito estadual um crédito de confiança que foi sonegado ao PSDB na esfera nacional.

Estreitando inimizades
O tucano José Serra, que deixara o ministério do amigo Fernando Henrique Cardoso para concorrer ao Planalto, amargou uma derrota para Lula, eleito presidente depois de três eleições frustradas. Alckmin agora já não tinha dúvidas. Ruminava o projeto de chegar à Presidência. E intuía que o pernambucano que desembarcara em Santos no ano de seu nascimento seria o adversário.
Antes de chegar a ele, porém, Alckmin tinha antagonistas mais próximos e urgentes. O primeiro, a máquina estatal paulista. Livre da sombra de Covas, teria de provar-se mais do que pupilo leal. Depois, precisaria tomar a iniciativa que não condizia com seu estilo: fazer política com os cotovelos.
Outros dois tucanos sonhavam com Brasília: o prefeito paulistano Serra e o governador mineiro Aécio Neves. A cúpula do PSDB, em especial FHC, não morria de amores pelo governador paulista. No início de 2003, Alckmin promoveu no Palácio dos Bandeirantes três jantares com Serra e Aécio, testemunhados por FHC. Armistício declarado.
No final de 2005, o ninho tucano já estava alvoroçado. Serra já não fazia segredo. Começou a trabalhar ostensivamente pela vaga de candidato do PSDB. Era incensado por FHC. Sentindo o cheiro de queimado, Alckmin começou a viajar. Pôs-se a visitar governadores tucanos. Buscava na base o suporte que lhe faltava na cúpula.
Estreitou relações com outras legendas. Recebeu, em setembro de 2005, o ex-governador Anthony Garotinho, à época pré-candidato à Presidência pelo PMDB. Antes, jantara e almoçara várias vezes com Antônio Carlos Magalhães, o morubixaba do PFL baiano. Aproximara-se de Jorge Bornhausen, presidente do PFL, e Michel Temer, presidente do PMDB.
Simultaneamente, Alckmin passou a encontrar-se amiúde com grupos de empresários. Fazia a propaganda de sua gestão. Gabava-se de ter proporcionado ao PIB de São Paulo um crescimento mais viçoso que o do Brasil. Em 2004, dizia ele, a economia do Estado crescera 7,6%. Covas deixara contas equilibradas e um caixa cheio.
À medida que as pretensões presidenciais do governador iam sendo explicitadas, sua gestão passou a ser examinada com lupa. Construíra fama de eficiente. Julgava ter uma obra a exibir. Mencionava a retomada da expansão do metrô e a contenção de enchentes do Tietê, a poda da carga tributária, o aumento nas exportações. Queria mostrar o tórax. Mas foi o calcanhar quem ganhou a cena. Um calcanhar-de-aquiles chamado segurança pública.
Para provar que foi implacável com criminosos, Alckmin gosta de dizer que seu governo limpou as ruas, aumentou o número de detenções. Ao encher as cadeias, porém, longe de eliminar o problema, o governo agigantou-o. Era atrás das grades que hibernava a face mais assustadora da encrenca.
Alckmin fora apresentado à jibóia cevada há anos nos presídios numa época em que ainda era vice-governador. Deu-se em 18 de fevereiro de 2001. Covas, já muito doente, licenciara-se do cargo. E ele assumira como interino. Diante de mega-rebelião, ordenou à Polícia Militar que invadisse 25 penitenciárias e quatro cadeias sublevadas. Era domingo, dia de visitas. Em meio aos presos, mulheres, velhos, crianças.

Insônia
Embora bem-sucedida, a operação minou o sono de Alckmin. Recolheu-se à ala residencial tarde da noite. Insone, foi à biblioteca. Puxou da estante um livro escolhido a esmo: "Ilha Anchieta". Pensou tratar-se de uma obra leve, com descrições de paisagens. Era o relato de uma grande rebelião ocorrida em 1952, época em que na ilha funcionava um presídio. Mergulhou no texto. Quando deu por si, amanhecia.
Rebeliões em presídios e em unidades da Febem voltariam a tirar o sono de Alckmin muitas vezes. E o fantasma das noites do governador veio assombrar as madrugadas do candidato em 2006. Em três ondas de ataques, comandadas desde os presídios, o PCC (Primeiro Comando da Capital) levou pânico às ruas. E à campanha.
Alckmin prevalecera sobre Aécio, convencido a adiar suas pretensões para 2010, e sobre Serra, tirado do caminho a cotoveladas. E, quando se imaginava que poderia concentrar-se em Lula, irrompeu em cena um contendor tão inesperado quanto devastador: Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola. O tucanato atribui à ação do PCC, facção criminosa liderada por Marcola, boa parcela de responsabilidade pela inanição de Alckmin nas pesquisas.
Pesquisas vêm se constituindo num problema desde o início. Alckmin ganhou a indicação do partido para disputar com Lula tendo contra si as sondagens eleitorais, que atribuíam a José Serra índices mais vistosos. Foi premiado pela hesitação de Serra, que queria ser ungido candidato, e pela própria tenacidade. Fugindo ao estilo manso, exigiu prévias. Os votos que escasseavam nas ruas sobravam no partido. As viagens aos Estados foram intensificadas três meses antes da definição da legenda. Numa peregrinação silenciosa, percorreu 22 Estados. Se a escolha fosse a voto, Serra se arriscaria a arrostar uma derrota.
Só uma pessoa festejou mais o lançamento da candidatura Alckmin do que o próprio candidato: sua mulher. Lu confidenciou a pelo menos uma amiga que não vê a hora de Gegê, como o chama na intimidade, chegar ao poder. O que mais a encanta é a possibilidade de tornar-se a "primeira-dama do Brasil". Não esconde o "prazer" que o "cargo" lhe proporcionou em São Paulo -dos 400 vestidos aos 400 municípios visitados com fotógrafa a tiracolo.


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