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Eleições 2006
Alckmin
JOSIAS DE SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A carreira política do homem
que hoje disputa a Presidência
pelo PSDB nasceu de um lance
fortuito. E foi impulsionada
por três golpes de sorte. O acaso
insinuou-se na biografia de Geraldo Alckmin em 1972. A boa
estrela luziu diante dele em
1980, 1994 e 2000.
Há 34 anos, o velho MDB
buscava nos bancos universitários jovens candidatos para disputar cadeiras nas Câmaras
Municipais do interior de São
Paulo. Lideranças do partido
foram à Universidade de Taubaté dispostos a seduzir o presidente do diretório acadêmico.
O personagem, cujo nome se
perdeu nos desvãos da história,
declinou do convite. Indicou
um colega de agremiação, Geraldo José Rodrigues Alckmin
Filho, no frescor dos seus 19
anos e no primeiro ano de medicina. Depois de consultar o
pai, um veterinário de quem
herdou o nome, Geraldinho,
como o chamavam, aceitou.
Elegeu-se vereador em Pindamonhangaba, onde nascera,
com 1.447 votos graças à benevolência dos alunos de um cursinho pré-universitário onde
dava aulas. Ensinava química
para custear os estudos.
Nascida assim, do acaso, a
carreira de Alckmin deve à ditadura o primeiro golpe de sorte. Da cadeira de vereador, alçara-se, em 1976, à poltrona de
prefeito. Tinha 23 anos e um
curso de medicina por concluir.
Prometera à mulher, Maria Lúcia Ribeiro Alckmin, a Lu, com
quem se casaria em 1979, que a
prefeitura seria sua derradeira
aventura política. Porém, em
1980, que deveria ter sido seu
ultimo ano à frente do Executivo municipal, caiu-lhe no colo
dois anos a mais de mandato.
"Presente" do regime, que
desejava fazer coincidir o calendário das eleições majoritárias. Deu de ombros para o
compromisso assumido com
Lu. Tomara gosto pela política.
Sem que suspeitasse, a folhinha enleava sua biografia à de
outro personagem: Luiz Inácio
da Silva, que foi de Garanhuns,
sertão pernambucano, para
Santos, no litoral paulista, em
1952, ano de nascimento de Geraldinho. E que dera os primeiros passos na carreira sindical
em 1972, quando Geraldinho
virou vereador. No mesmo
1980 em que Alckmin foi brindado com a prorrogação do
mandato, o jovem sindicalista
de São Bernardo -a cujo nome
já se havia enganchado o apelido Lula- pôs os dois pés na política. Fundou o PT. O prefeito
já não o ignorava. Seguia-lhe os
passos como o resto do Brasil.
Geraldinho fora um menino
casmurro. Adolescente, fechava-se em silêncios impenetráveis. Jovem, passara a ser assediado pela timidez. Conhecera
Lu num baile do Clube Literário e Recreativo de Pindamonhangaba. "Passei metade da
festa tomando coragem para
chamá-la para dançar." Na política, desenvolvera carisma de
pedra de gelo. Ou de "picolé de
chuchu", apelido que José Simão lhe pespegaria depois.
A despeito do temperamento
gélido, Alckmin elegeu-se deputado estadual, em 1982. E
fez-se deputado federal quatro
anos depois, na fase em que o
país vivenciou a efervescência
do processo constituinte. Cruzava nos corredores com Lula,
que trocara o macacão de metalúrgico pelo terno de deputado.
Congressista apagado, condenado a engrossar as fileiras
do baixo clero parlamentar, o
deputado chuchu recebeu o segundo sorriso da sorte. Caiu
nas graças de uma estrela de
primeira grandeza de então. Líder do PMDB no Congresso
Constituinte, Mário Covas enxergou na falta de sal de Alckmin um ingrediente valioso para temperar as renhidas disputas que se travavam em torno
de cada artigo da nova Constituição. E o fez seu vice-líder.
O zelo com que o auxiliar se
desvencilhou das coisas práticas encantou Covas, que, em
1994, acomodou Alckmin como
vice na vitoriosa chapa ao governo de São Paulo. A sorte cruzaria novamente seu caminho
em 2000. Disfarçada de azar.
Candidato a prefeito de São
Paulo, perdeu para Paulo Maluf, por 7.691 votos, o direito de
disputar um segundo turno
contra a petista Marta Suplicy.
Graças ao infortúnio, pôde assumir, no ano seguinte, o posto
de governador, vago com a
morte de Covas. Freqüentador
dos fundões da administração,
Alckmin foi à vitrine do principal Estado da federação.
Sua discrição -só chamava
Covas de senhor-, seu estilo
monástico -até hoje é avesso a
festas e badalações- e a fama
de administrador aplicado conquistaram São Paulo, que o reelegeu em 2002. Recebeu em
âmbito estadual um crédito de
confiança que foi sonegado ao
PSDB na esfera nacional.
Estreitando inimizades
O tucano José Serra, que deixara o ministério do amigo Fernando Henrique Cardoso para
concorrer ao Planalto, amargou uma derrota para Lula,
eleito presidente depois de três
eleições frustradas. Alckmin
agora já não tinha dúvidas. Ruminava o projeto de chegar à
Presidência. E intuía que o pernambucano que desembarcara
em Santos no ano de seu nascimento seria o adversário.
Antes de chegar a ele, porém,
Alckmin tinha antagonistas
mais próximos e urgentes. O
primeiro, a máquina estatal
paulista. Livre da sombra de
Covas, teria de provar-se mais
do que pupilo leal. Depois, precisaria tomar a iniciativa que
não condizia com seu estilo: fazer política com os cotovelos.
Outros dois tucanos sonhavam com Brasília: o prefeito
paulistano Serra e o governador mineiro Aécio Neves. A cúpula do PSDB, em especial
FHC, não morria de amores pelo governador paulista. No início de 2003, Alckmin promoveu no Palácio dos Bandeirantes três jantares com Serra e
Aécio, testemunhados por
FHC. Armistício declarado.
No final de 2005, o ninho tucano já estava alvoroçado. Serra já não fazia segredo. Começou a trabalhar ostensivamente
pela vaga de candidato do
PSDB. Era incensado por FHC.
Sentindo o cheiro de queimado,
Alckmin começou a viajar. Pôs-se a visitar governadores tucanos. Buscava na base o suporte
que lhe faltava na cúpula.
Estreitou relações com outras legendas. Recebeu, em setembro de 2005, o ex-governador Anthony Garotinho, à época pré-candidato à Presidência
pelo PMDB. Antes, jantara e almoçara várias vezes com Antônio Carlos Magalhães, o morubixaba do PFL baiano. Aproximara-se de Jorge Bornhausen,
presidente do PFL, e Michel
Temer, presidente do PMDB.
Simultaneamente, Alckmin
passou a encontrar-se amiúde
com grupos de empresários.
Fazia a propaganda de sua gestão. Gabava-se de ter proporcionado ao PIB de São Paulo
um crescimento mais viçoso
que o do Brasil. Em 2004, dizia
ele, a economia do Estado crescera 7,6%. Covas deixara contas
equilibradas e um caixa cheio.
À medida que as pretensões
presidenciais do governador
iam sendo explicitadas, sua
gestão passou a ser examinada
com lupa. Construíra fama de
eficiente. Julgava ter uma obra
a exibir. Mencionava a retomada da expansão do metrô e a
contenção de enchentes do
Tietê, a poda da carga tributária, o aumento nas exportações.
Queria mostrar o tórax. Mas foi
o calcanhar quem ganhou a cena. Um calcanhar-de-aquiles
chamado segurança pública.
Para provar que foi implacável com criminosos, Alckmin
gosta de dizer que seu governo
limpou as ruas, aumentou o número de detenções. Ao encher
as cadeias, porém, longe de eliminar o problema, o governo
agigantou-o. Era atrás das grades que hibernava a face mais
assustadora da encrenca.
Alckmin fora apresentado à
jibóia cevada há anos nos presídios numa época em que ainda
era vice-governador. Deu-se
em 18 de fevereiro de 2001. Covas, já muito doente, licenciara-se do cargo. E ele assumira como interino. Diante de mega-rebelião, ordenou à Polícia Militar que invadisse 25 penitenciárias e quatro cadeias sublevadas. Era domingo, dia de visitas. Em meio aos presos, mulheres, velhos, crianças.
Insônia
Embora bem-sucedida, a
operação minou o sono de
Alckmin. Recolheu-se à ala residencial tarde da noite. Insone, foi à biblioteca. Puxou da estante um livro escolhido a esmo: "Ilha Anchieta". Pensou
tratar-se de uma obra leve, com
descrições de paisagens. Era o
relato de uma grande rebelião
ocorrida em 1952, época em
que na ilha funcionava um presídio. Mergulhou no texto.
Quando deu por si, amanhecia.
Rebeliões em presídios e em
unidades da Febem voltariam a
tirar o sono de Alckmin muitas
vezes. E o fantasma das noites
do governador veio assombrar
as madrugadas do candidato
em 2006. Em três ondas de ataques, comandadas desde os
presídios, o PCC (Primeiro Comando da Capital) levou pânico às ruas. E à campanha.
Alckmin prevalecera sobre
Aécio, convencido a adiar suas
pretensões para 2010, e sobre
Serra, tirado do caminho a cotoveladas. E, quando se imaginava que poderia concentrar-se em Lula, irrompeu em cena
um contendor tão inesperado
quanto devastador: Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola. O tucanato atribui à ação
do PCC, facção criminosa liderada por Marcola, boa parcela
de responsabilidade pela inanição de Alckmin nas pesquisas.
Pesquisas vêm se constituindo num problema desde o início. Alckmin ganhou a indicação do partido para disputar
com Lula tendo contra si as
sondagens eleitorais, que atribuíam a José Serra índices
mais vistosos. Foi premiado pela hesitação de Serra, que queria ser ungido candidato, e pela
própria tenacidade. Fugindo ao
estilo manso, exigiu prévias. Os
votos que escasseavam nas ruas
sobravam no partido. As viagens aos Estados foram intensificadas três meses antes da
definição da legenda. Numa peregrinação silenciosa, percorreu 22 Estados. Se a escolha
fosse a voto, Serra se arriscaria
a arrostar uma derrota.
Só uma pessoa festejou mais
o lançamento da candidatura
Alckmin do que o próprio candidato: sua mulher. Lu confidenciou a pelo menos uma amiga que não vê a hora de Gegê,
como o chama na intimidade,
chegar ao poder. O que mais a
encanta é a possibilidade de
tornar-se a "primeira-dama do
Brasil". Não esconde o "prazer"
que o "cargo" lhe proporcionou
em São Paulo -dos 400 vestidos aos 400 municípios visitados com fotógrafa a tiracolo.
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