São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2006

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POR QUE VOTO EM ALCKMIN

Recuperar a lisura no trato da coisa pública

BORIS FAUSTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Voto em Geraldo Alckmin porque ele é o candidato mais comprometido com dois valores que considero fundamentais para a consolidação de uma sociedade democrática: a lisura no trato dos assuntos públicos e a separação entre os interesses de grupos e partidos, e os interesses do Estado e do governo.
Voto também em Geraldo porque é candidato de um conjunto de forças políticas e sociais que tem uma visão mais clara dos caminhos para o desenvolvimento sustentado do Brasil, em bases não predatórias, capaz de proporcionar melhor distribuição de renda.
Quando afirmo que voto em Alckmin, sei que estou em consonância com a voz de milhões de brasileiros que já fizeram essa escolha. Mas procuro contribuir para uma decisão nesse sentido, pelos eleitores indecisos, que estão longe de se identificar com os indiferentes.
Ao contrário de seu principal adversário, Alckmin não se apresenta como um herói-salvador, desses que já fizeram muito mal ao país, mas como um político sério, responsável, honesto -qualidades tão necessárias quanto desprezadas por muitos, nos dias que correm. Ao mesmo tempo -crítico do governo Lula desde a primeira hora-, não embarco em certas ironias preconceituosas lançadas à sua pessoa. Não é aí que a porca torce o rabo, como se dizia em tempos passados.
Por que escolher Alckmin e não deixar tudo como está, por mais quatro anos? Pela simples razão que é inviável aceitar a continuidade de um governo que, se não foi um desastre no manejo da economia, provocou um grande abalo às já não muito sólidas instituições da democracia e da República em nosso país.
É verdade que o governo Lula conseguiu superar um momento difícil da transição, gerada em grande parte pela própria incerteza quanto à sinceridade da adoção de uma política econômica responsável. É verdade também que, depois do espalhafato do Fome Zero, o governo conseguiu montar um programa assistencial voltado para a população mais carente. Se ele atende a necessidades prementes, que não podemos ignorar, não contribui para resolver a questão básica da pobreza.
Tanto mais porque o assistencialismo se ampliou sem a exigência de contrapartida dos assistidos, e se converteu numa rede clientelista de grandes proporções, de onde extraem-se milhões de votos ao candidato-presidente.
O ponto vergonhoso do atual governo e do PT é, no entanto, o descalabro moral e a proliferação da ilegalidade. Impossível detalhar aqui o chorrilho de escândalos que começou com o personagem Valdomiro Diniz, assessor do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e chegou, até o momento, ao caso escabroso da compra do dossiê, que supostamente atingiria os candidatos Alckmin e Serra, com milhões de dólares saídos bem se pode imaginar de onde.
Dentre os muitos males que esses fatos espantosos provocaram, encontra-se o bloqueio intelectual de algumas cabeças outrora pensantes, as quais, tentando fugir às dolorosas evidências, embarcaram no irracionalismo das "teses" da conspiração das elites, do golpismo, da "ilusão midiática".
Pior do que isso é o fato de que a desmoralização do PT dificultou em muito o esforço de diferentes correntes políticas no sentido de se chegar a um consenso básico sobre questões vitais para o futuro do país. Entre elas, a necessidade de se desatar o nó do crescimento medíocre dos últimos quatro anos, apesar das promessas do candidato-presidente de nos proporcionar o "espetáculo do crescimento", ou a necessidade de se enfrentar a criminalidade com iniciativas de conjunto nacionais e estaduais, antes que seja tarde.
Política externa não é um tema rentável na propaganda eleitoral. Boa razão para lembrá-lo aqui. Pelo seu perfil e pelas forças políticas que o apóiam, estou seguro de que Alckmin retificará os descaminhos do atual governo, retomando as melhores tradições do Itamaraty. O Brasil necessita de uma liderança firme, que evite as bazófias do gênero "hegemonia do Brasil na América do Sul", propaladas pelo candidato-presidente nos primeiros tempos de seu governo, e evite ao mesmo tempo as capitulações afrontosas, como se viu no caso da Petrobras na Bolívia.
Afinal, penso que, na conjuntura atual, é muito importante levar a disputa para um segundo turno, seja porque ele forçará o debate, rompendo o cômodo monocórdio de Lula, seja porque aumentará consideravelmente as possibilidades de vitória de Alckmin. Alckmin não fará "milagres", mas será muito melhor para o Brasil do que os atuais detentores do poder.


BORIS FAUSTO é historiador e preside o conselho acadêmico do Gacint (Grupo de Conjuntura Internacional), da USP. É autor, entre outros, de "A Revolução de 1930" (Companhia das Letras)


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