São Paulo, domingo, 02 de março de 2008

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O abc de uma época

Ronaldo Vainfas lança dicionário com 150 verbetes sobre o período

DA REPORTAGEM LOCAL

Organizador do "Dicionário do Brasil Colonial - 1500-1808" e do "Dicionário do Brasil Imperial - 1822-1889", o historiador Ronaldo Vainfas lança ainda neste semestre o "Dicionário do Brasil Joanino" (editora Objetiva), que vai analisar em cerca de 150 verbetes as instituições, personagens, episódios e processos ligados ao estabelecimento da família real no Rio de Janeiro, em 1808.
Para a tarefa, ele diz que procurou incorporar novas teses e aglutinar o "estado da arte" das pesquisas sobre o período. Para ele, há atualmente uma maior ênfase nas pesquisas que discutem a transferência da família real no contexto europeu em detrimento da importância tradicionalmente atribuída à transmigração como processo desencadeador da independência. Co-organizado pela historiadora Lúcia Bastos Pereira das Neves (que lança este ano uma biografia de dom João 6º), o livro traz como novidades um novo enfoque sobre a questão indígena e sobre a importância dos capitais locais na economia do período. (MARCOS STRECKER)

 

FOLHA - Por que as comemorações dos 200 anos estão despertando tanto interesse?
RONALDO VAINFAS -
Acho que pela razão tradicional. Queira-se ou não, a vinda da família real é um marco da construção do Estado brasileiro. É claro que no meio historiográfico as coisas se ramificam muito. Pelas relações com a África e várias outras questões. Acho que de maneira geral é um momento de inflexão na história do Brasil.

FOLHA - A repercussão está suscitando novas discussões em relação ao período?
VAINFAS -
Sim. Tradicionalmente a transferência da corte é tomada, com razão, como um marco no processo de independência política do Brasil. É claro que a gente contempla essa dimensão da história. A novidade que tenho observado nas pesquisas e artigos é justamente pensar a mudança da corte no contexto europeu, como a fuga de uma família real em meio à crise do Antigo Regime, comparando com outras fugas.

FOLHA - A idéia é contextualizar dentro do processo internacional?
VAINFAS -
Mais ou menos isso. Não diria em vez de, mas, além de focar exclusivamente como marco inaugural de uma história do Brasil independente, pensar nos quadros da expansão napoleônica.

FOLHA - Pode-se encarar a vinda da família real de uma forma regressiva, uma tentativa de consolidação do Antigo Regime num momento em que estava em desintegração?
VAINFAS -
Exato, de salvá-lo. É interessantíssimo porque, embora a fuga de dom João e da família real seja um fato de fuga de príncipes nobres e de reis na iminência de serem invadidos, ela tem uma peculiaridade, atravessa o Atlântico e vai se estabelecer no mundo colonial. E aí, como você diz, para tentar resguardar a estrutura política do Antigo Regime e o sistema colonial. É uma situação absolutamente paradoxal, porque a metrópole vai se instalar na colônia e faz do Rio de Janeiro a capital do império português.
Mais que isso, é uma salvaguarda do Antigo Regime e da capacidade da Coroa portuguesa de cobrar impostos e, assim, manter-se. Mas sob a guarda da Inglaterra, que serve de fiador, que até pressionou por essa ação portuguesa e consegue privilégios econômicos até acima dos privilégios portugueses...

FOLHA - Em que área o dicionário avança em relação às concepções vigentes?
VAINFAS -
Estamos incorporando uma certa tradição historiográfica crítica e o que há de mais novo em termos de pesquisa. O dicionário é uma espécie de aglutinador.

FOLHA - Em relação a novas interpretações, o que foi incorporado que podia ser considerado disperso ou não devidamente valorizado?
VAINFAS -
Talvez a importância dos capitais locais na economia do período joanino. A questão indígena, uma parte que foi feita pela Maria Regina Celestino de Almeida [UFF], a truculência da ação joanina em relação aos índios. Fato, aliás, que de certa maneira iria anunciar o que aconteceria no Império, a ausência de uma legislação indígena até 1845. As questões ligadas à africanidade, ao tráfico.

FOLHA - Que nomes e temas ganharam importância nesse trabalho de reavaliação?
VAINFAS -
Eu diria que os verbetes sobre os grandes personagens: dom João, Carlota Joaquina, alguns ministros como dom Rodrigo de Sousa Coutinho, que era muito anglófilo, e o rival dele, o conde da Barca, que era francófilo e que passou a ter muito poder depois que dom Rodrigo morreu, em 1812.

FOLHA - E em relação aos eventos...
VAINFAS -
Acho que o abastecimento da corte é um aspecto interessante, mostra essa consolidação do grupo mercantil do Rio, que já vinha se destacando. Com a chegada da família real, consolida a sua posição.


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