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O abc de uma época
Ronaldo Vainfas lança dicionário com 150 verbetes sobre o período
DA REPORTAGEM LOCAL
Organizador do "Dicionário
do Brasil Colonial - 1500-1808"
e do "Dicionário do Brasil Imperial - 1822-1889", o historiador Ronaldo Vainfas lança ainda neste semestre o "Dicionário do Brasil Joanino" (editora
Objetiva), que vai analisar em
cerca de 150 verbetes as instituições, personagens, episódios
e processos ligados ao estabelecimento da família real no Rio
de Janeiro, em 1808.
Para a tarefa, ele diz que procurou incorporar novas teses e
aglutinar o "estado da arte" das
pesquisas sobre o período. Para
ele, há atualmente uma maior
ênfase nas pesquisas que discutem a transferência da família
real no contexto europeu em
detrimento da importância tradicionalmente atribuída à
transmigração como processo
desencadeador da independência. Co-organizado pela historiadora Lúcia Bastos Pereira
das Neves (que lança este ano
uma biografia de dom João 6º),
o livro traz como novidades um
novo enfoque sobre a questão
indígena e sobre a importância
dos capitais locais na economia
do período.
(MARCOS STRECKER)
FOLHA - Por que as comemorações
dos 200 anos estão despertando
tanto interesse?
RONALDO VAINFAS - Acho que pela razão tradicional. Queira-se
ou não, a vinda da família real é
um marco da construção do Estado brasileiro. É claro que no
meio historiográfico as coisas
se ramificam muito. Pelas relações com a África e várias outras questões. Acho que de maneira geral é um momento de
inflexão na história do Brasil.
FOLHA - A repercussão está suscitando novas discussões em relação
ao período?
VAINFAS - Sim. Tradicionalmente a transferência da corte
é tomada, com razão, como um
marco no processo de independência política do Brasil. É claro que a gente contempla essa
dimensão da história. A novidade que tenho observado nas
pesquisas e artigos é justamente pensar a mudança da corte
no contexto europeu, como a
fuga de uma família real em
meio à crise do Antigo Regime,
comparando com outras fugas.
FOLHA - A idéia é contextualizar
dentro do processo internacional?
VAINFAS - Mais ou menos isso.
Não diria em vez de, mas, além
de focar exclusivamente como
marco inaugural de uma história do Brasil independente,
pensar nos quadros da expansão napoleônica.
FOLHA - Pode-se encarar a vinda da
família real de uma forma regressiva, uma tentativa de consolidação
do Antigo Regime num momento
em que estava em desintegração?
VAINFAS - Exato, de salvá-lo. É
interessantíssimo porque, embora a fuga de dom João e da família real seja um fato de fuga
de príncipes nobres e de reis na
iminência de serem invadidos,
ela tem uma peculiaridade,
atravessa o Atlântico e vai se estabelecer no mundo colonial. E
aí, como você diz, para tentar
resguardar a estrutura política
do Antigo Regime e o sistema
colonial. É uma situação absolutamente paradoxal, porque a
metrópole vai se instalar na colônia e faz do Rio de Janeiro a
capital do império português.
Mais que isso, é uma salvaguarda do Antigo Regime e da
capacidade da Coroa portuguesa de cobrar impostos e, assim,
manter-se.
Mas sob a guarda da Inglaterra, que serve de fiador, que até
pressionou por essa ação portuguesa e consegue privilégios
econômicos até acima dos privilégios portugueses...
FOLHA - Em que área o dicionário
avança em relação às concepções vigentes?
VAINFAS - Estamos incorporando uma certa tradição historiográfica crítica e o que há de
mais novo em termos de pesquisa. O dicionário é uma espécie de aglutinador.
FOLHA - Em relação a novas interpretações, o que foi incorporado que
podia ser considerado disperso ou
não devidamente valorizado?
VAINFAS - Talvez a importância
dos capitais locais na economia
do período joanino. A questão
indígena, uma parte que foi feita pela Maria Regina Celestino
de Almeida [UFF], a truculência da ação joanina em relação
aos índios. Fato, aliás, que de
certa maneira iria anunciar o
que aconteceria no Império, a
ausência de uma legislação indígena até 1845. As questões ligadas à africanidade, ao tráfico.
FOLHA - Que nomes e temas ganharam importância nesse trabalho
de reavaliação?
VAINFAS - Eu diria que os verbetes sobre os grandes personagens: dom João, Carlota Joaquina, alguns ministros como
dom Rodrigo de Sousa Coutinho, que era muito anglófilo, e
o rival dele, o conde da Barca,
que era francófilo e que passou
a ter muito poder depois que
dom Rodrigo morreu, em 1812.
FOLHA - E em relação aos eventos...
VAINFAS - Acho que o abastecimento da corte é um aspecto
interessante, mostra essa consolidação do grupo mercantil
do Rio, que já vinha se destacando. Com a chegada da família real, consolida a sua posição.
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