São Paulo, domingo, 02 de maio de 2010

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1974

Um ano para esquecer

Derrota da Holanda, Valdomiro no trono de Garrincha, repressão no auge e grupos terroristas marcam a época

ESPECIAL PARA A FOLHA

1974 foi um uivo patético e interminável que jamais deveria ter existido. Talvez não fosse assim se eu, adolescente, não tivesse acordado para a política. Com o pé esquerdo.
O mundo não ia tão mal. A Revolução dos Cravos encerrava o salazarismo e abria as portas para a independência das colônias lusas na África. Franco cedia a vez para o príncipe Juan Carlos e iniciava a transição para a democracia na Espanha.
Richard Nixon, que não passava de um escroque assumido, renunciava. Mas seu legado, a abertura do diálogo com a China, lançou as bases de transformações cujos efeitos ainda hoje podemos intuir.
Bicampeão da F-1, Emerson Fittipaldi nos trazia alegria, embora Éder Jofre perdesse o título mundial por não defendê-lo no prazo. Em Kinshasa, depois de muito apanhar, Muhammad Ali nocauteou George Foreman no oitavo assalto.
Embora o contraponto fosse a África do Sul, onde até relações sexuais interraciais levavam à prisão, o orgulho negro se espalhava pelo mundo, impondo uma estética que em pouco tempo comeria o Ocidente pelas beiradas.
O imponderável de 1954 voltou a se repetir na Copa da Alemanha. A Holanda era a Hungria de ontem. Embora encantasse, o carrossel holandês perdeu a final para os anfitriões.
Agora a parte bufa. Substituto de Nixon, Gerald Ford sempre caía de bêbado quando subia no Air Force One. Como contraexemplo, Churchill bebia escandalosamente, mas, no meio do dia que importava, estava sempre sóbrio.
O argentino Perón deu lugar à mulher, Isabelita, uma atriz que se oferecera ao capo justicialista no Panamá em 1955.
Tudo bem, Ronald Reagan também foi um ator medíocre que acabou presidente. A diferença é que, se nos EUA o establishment garante a governabilidade independentemente do gabarola de plantão, os dramalhões não raro acabam em estado de sítio na América Latina.
Meu primeiro problema com 1974 é o terrorismo. Grupos como Baader-Meinhoff e Autonomia Operária não poupavam inocentes por ódio à democracia, às liberdades individuais, ao Estado de Direito e ao que diziam ser "valores burgueses".
Paradoxalmente, os homicidas que as lideravam agiam como apóstolos de valores ocidentais -crença no progresso, no poder do homem de reinventar a história e na fé inabalável no paraíso neste mundo.
O segundo problema era o Brasil. Ernesto Geisel se tornou presidente e logo implantou a censura prévia de rádio e TV.
Embora o MDB fizesse 16 senadores nas eleições legislativas, contra seis da Arena, a repressão atingia o ápice.
Em 1974, eu começava a compreender que o Brasil não é para amadores. Creiam: o impagável Valdomiro, do Inter, foi escalado por Zagallo na ponta direita e ocupou o trono de Garrincha. Eis um resumo da seleção e do país de 1974.
(MANOLO FLORENTINO)

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