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1968
Uma dose de esperança
Social-democracia cresce na Europa, e a libertação da África avança; no Brasil, não há tantas razões para sorrir
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em uma longa conversa sobre futebol com um amigo sessentão, perguntei do que ele se
lembrava do Mundial de 1978,
na Argentina. Respondeu-me
que jamais se esqueceria daquela Copa do Mundo porque
seu pai morreu de um ataque
fulminante logo depois do jogo
entre a Argentina e o Peru.
Ele tinha 28 anos. O pai estava com 45 quando meu amigo
nasceu. Na juventude, seu velho era integralista militante e
anticomunista convicto.
Quando universitário, o filho
se envolveu no movimento estudantil e sempre chamava o
pai de fascista. "Você sabe como as coisas eram nos anos 70.
Foi a década brasileira do conflito de gerações", completou.
Apesar de suas convicções, o
pai nunca o abandonou nos
anos de chumbo. Quando foi
preso pela primeira vez, após o
Congresso de Ibiúna, o velho
enfrentou o diretor do Dops
aos berros e só saiu de lá com o
filho. Anos mais tarde, voltou a
ser detido por política. E mais
uma vez o coroa o resgatou.
Em 1978, o radicalismo já se
amornara nele, e as diferenças
políticas entre pai e filho eram
quase nulas. Na verdade, seu
velho aos poucos virou socialista, mas jamais deixou de gostar
de Plínio Salgado, Miguel Reale
e figuras assim. Também acompanhava os eventos mundiais
com certa esperança.
A Guerra do Vietnã chegava
ao fim. Franco e Mao finalmente bateram as botas. Jimmy
Carter era presidente dos EUA.
A libertação da África se consolidava, e a luta contra o apartheid na África do Sul ganhava
o mundo. "Você se lembra que,
na Olimpíada de 1976, alguns
países boicotaram o evento, e a
África do Sul foi banida da competição?", indagou certa hora.
A social-democracia se fortalecia na Europa ocidental, apesar de terroristas como os que,
no início de 1978, sequestraram
e mataram o primeiro-ministro
italiano Aldo Moro.
O pai foi menos afetado do
que o filho pelas mortes de JK e
Jango -não gostava de nenhum deles-, mas também
não ficou entusiasmado com
Ernesto Geisel. Desconfiou do
Proálcool e do acordo nuclear
com a Alemanha. Indignou-se
com a Lei Falcão, com a morte
do Vladimir Herzog no DOI-Codi e com o Pacote de Abril.
Criticou o fechamento do Congresso Nacional em 1977 e vibrou com o manifesto dos jornalistas contra a censura. Mas
nunca deixou de admirar o nacionalismo integralista.
Meu amigo encerrou assim
nosso longo papo: "O coração
de papai não parou devido às
minhas estripulias juvenis, e o
infarto não foi provocado pela
decepção de não ver o Brasil na
final da Copa. O que o feriu de
morte foi o seu ideário nacionalista, pois considerou os 6 a 0
aplicados pela Argentina no Peru uma traição dos peruanos ao
seu próprio país e uma vergonha para os argentinos".
(MANOLO FLORENTINO)
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