São Paulo, domingo, 02 de maio de 2010

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1968

Uma dose de esperança

Social-democracia cresce na Europa, e a libertação da África avança; no Brasil, não há tantas razões para sorrir

ESPECIAL PARA A FOLHA

Em uma longa conversa sobre futebol com um amigo sessentão, perguntei do que ele se lembrava do Mundial de 1978, na Argentina. Respondeu-me que jamais se esqueceria daquela Copa do Mundo porque seu pai morreu de um ataque fulminante logo depois do jogo entre a Argentina e o Peru.
Ele tinha 28 anos. O pai estava com 45 quando meu amigo nasceu. Na juventude, seu velho era integralista militante e anticomunista convicto.
Quando universitário, o filho se envolveu no movimento estudantil e sempre chamava o pai de fascista. "Você sabe como as coisas eram nos anos 70. Foi a década brasileira do conflito de gerações", completou.
Apesar de suas convicções, o pai nunca o abandonou nos anos de chumbo. Quando foi preso pela primeira vez, após o Congresso de Ibiúna, o velho enfrentou o diretor do Dops aos berros e só saiu de lá com o filho. Anos mais tarde, voltou a ser detido por política. E mais uma vez o coroa o resgatou.
Em 1978, o radicalismo já se amornara nele, e as diferenças políticas entre pai e filho eram quase nulas. Na verdade, seu velho aos poucos virou socialista, mas jamais deixou de gostar de Plínio Salgado, Miguel Reale e figuras assim. Também acompanhava os eventos mundiais com certa esperança.
A Guerra do Vietnã chegava ao fim. Franco e Mao finalmente bateram as botas. Jimmy Carter era presidente dos EUA.
A libertação da África se consolidava, e a luta contra o apartheid na África do Sul ganhava o mundo. "Você se lembra que, na Olimpíada de 1976, alguns países boicotaram o evento, e a África do Sul foi banida da competição?", indagou certa hora.
A social-democracia se fortalecia na Europa ocidental, apesar de terroristas como os que, no início de 1978, sequestraram e mataram o primeiro-ministro italiano Aldo Moro.
O pai foi menos afetado do que o filho pelas mortes de JK e Jango -não gostava de nenhum deles-, mas também não ficou entusiasmado com Ernesto Geisel. Desconfiou do Proálcool e do acordo nuclear com a Alemanha. Indignou-se com a Lei Falcão, com a morte do Vladimir Herzog no DOI-Codi e com o Pacote de Abril. Criticou o fechamento do Congresso Nacional em 1977 e vibrou com o manifesto dos jornalistas contra a censura. Mas nunca deixou de admirar o nacionalismo integralista.
Meu amigo encerrou assim nosso longo papo: "O coração de papai não parou devido às minhas estripulias juvenis, e o infarto não foi provocado pela decepção de não ver o Brasil na final da Copa. O que o feriu de morte foi o seu ideário nacionalista, pois considerou os 6 a 0 aplicados pela Argentina no Peru uma traição dos peruanos ao seu próprio país e uma vergonha para os argentinos".
(MANOLO FLORENTINO)

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