São Paulo, domingo, 06 de julho de 2008

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palanque

China usa Jogos como vitrine de poder

NO PAÍS EM QUE ATLETAS DE SUCESSO TÊM CADEIRAS DE DEPUTADOS, GOVERNANTES USAM OBRAS COMO PROPAGANDA E ESPORTE VIRA FERRAMENTA POLÍTICA

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

A superlativa tribuna VIP do Estádio Nacional de Pequim não deixa dúvidas. Com 11 mil lugares, as autoridades estrangeiras nos Jogos serão minoria entre a multidão do quem é quem do Partido Comunista Chinês.
Não passa uma semana sem que um figurão do partido visite obras olímpicas e aproveite o palanque. Para os políticos chineses, a Olimpíada é poderosa vitrine interna e externa.
Logo após despontar no Partido Comunista como favorito para ser o novo presidente da China, Xi Jinping foi nomeado "coordenador" dos Jogos Olímpicos há seis meses.
Para um evento que está sendo minuciosamente organizado há sete anos, é difícil imaginar o que Xi tenha para fazer agora, mas sua nomeação é prova do status dos Jogos.
Com orçamento de cerca de US$ 40 bilhões, dividido entre organização e construção de infra-estrutura urbana para a capital, o governo chinês não poupa na verba nem no poder dados ao comitê organizador.

Fim do isolamento
A Olimpíada de Pequim não é só o primeiro grande evento internacional em 5.000 anos de história da China. É a celebração do sucesso econômico dos 30 anos de abertura, determinada pelo então líder comunista Deng Xiaoping.
Com a derrocada do comunismo, inflação e desigualdade crescentes, o regime apela ao nacionalismo para manter seu poder e o país unido. São os "Jogos da China e para a China", como descreveu um professor chinês que pediu anonimato com medo de represália.
Depois de séculos de isolamento e de praticamente ignorar o Ocidente, apenas ocupando ou dominando sua vizinhança imediata, a China viveu 150 anos trágicos até se abrir. Sofreu com as invasões européias, criação de colônias e protetorados, guerra e ocupação do Japão e uma revolução comunista, que levou o país à penúria e que matou de fome estimadas 30 milhões de pessoas.
Durante dez anos, a chamada Revolução Cultural (1966-1976) tentou extirpar qualquer herança capitalista do país. Universidades foram fechadas, estudantes enviados ao campo para pegar na enxada, intelectuais "reeducados" ou assassinados, e o clima de delação se espalhou por todo o país.
"Jogos de basquete não tinham árbitro ou placar. A Revolução Cultural dizia que o esporte deveria ser jogado pelo prazer, sem se preocupar com vitória", diz a professora Huang Yaling, da Universidade dos Esportes de Pequim.
Durante esse período, a China ficou fora de Olimpíadas. Boa parte dos dirigentes esportivos pertencia ao governo nacionalista da China, derrotado pelos comunistas em 1949 e exilado em Taiwan.
Por não admitir sua independência, a China se retirou de todas as federações onde Taiwan era reconhecido como país. Para evitar a existência de "duas Chinas", o país também deixou o Comitê Olímpico Internacional (ao qual só retornou em 1979). Depois de Helsinque, em 1952, a China só voltou a competir em 1984, nos Jogos de Los Angeles.
E foi com o pingue-pongue que o país começou a estabelecer relações com os EUA, nos anos 70, movimento que levaria à sua abertura.
Hoje, o status dos esportes olímpicos cresceu muito. Atletas das seleções de tiro, badminton e tênis de mesa, esportes com farto número de medalhas, fazem parte do Congresso -os deputados são escolhidos e nomeados pelo partido. O atleta mais popular da China, Liu Xiang, 24, ouro em Atenas nos 110 m com barreiras, também é deputado.

Repressão continua
Em 93, Pequim concorreu para sediar os Jogos de 2000. Quatro anos antes, centenas de estudantes tinham sido mortos pelo Exército ao protestarem pela democratização do país, no que ficou conhecido como o Massacre da praça da Paz Celestial. Pequim perdeu para Sydney. A propaganda comunista culpou um complô de potências ocidentais.
Ao vencer a disputa para sediar a Olimpíada de 2008, o governo chinês prometeu mais abertura do regime, maior liberdade de imprensa e maior respeito aos direitos humanos.
Poucas promessas foram cumpridas. Só no ano passado, mais de 700 ativistas pró-direitos humanos foram presos na China. O mais famoso deles, o blogueiro Hu Jia, 34, que defende soropositivos da discriminação generalizada que sofrem, foi condenado a três anos e quatro meses de prisão por conceder entrevistas críticas à mídia estrangeira.
Jornalistas estrangeiros são proibidos de ir à Província separatista do Tibete, ocupada desde 1950. Violentos protestos em março foram reprimidos da mesma forma pelo Exército. Em junho, autoridade local disse que "esmagará" movimentos separatistas tibetanos e que os monges budistas só teriam liberdade depois de serem reeducados e aceitarem que o Tibete faz parte da China.
Televisões e jornais chineses estatais começaram campanha acusando a "mídia ocidental" de interferir em assuntos internos do país. Campanha xenofóbica se seguiu, com ameaças a correspondentes e boicotes contra marcas francesas.
Pelo mundo, a tocha olímpica foi alvo de protestos por respeito aos direitos humanos.
O governo também lançou manual com proibições a turistas. Estrangeiros com camiseta com dizeres como "Tibete Livre" ou que protestem por direitos humanos serão presos.


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