São Paulo, quinta, 6 de agosto de 1998

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CLONAGEM
Toda vez que um ser é gerado a partir das informações contidas num único indivíduo, por reprodução assexuada, acontece uma clonagem. Na agricultura, o homem clona vegetais há séculos. A viabilidade da produção rotineira de clones animais, e mesmo humanos, além de ainda exigir maior conhecimento científico e novas experimentações, envolve também implicações econômicas e éticas
Produção de clones cria entusiasmo e provoca medo


O êxito repetido da clonagem de animais torna mais próxima a possibilidade de clonar humanos


ÁLVARO MONTENEGRO
free-lance para a Folha

Passado quase um ano e meio desde o anúncio da clonagem de Dolly, a população de mamíferos clonados a partir de células adultas não-reprodutivas é de 1 ovelha britânica, dois bezerros japoneses, 50 ratos norte-americanos, alguns desses últimos, clones de clones. Esses feitos geraram diversas questões sobre aspectos éticos e técnicos, como as seguintes.

O que é um clone?

A palavra clone vem do grego "klón", que significa broto. A clonagem é o processo de produção assexuada, a partir de uma célula-mãe, de uma ou mais células geneticamente idênticas entre si e à original, que são os clones.

A ovelha Dolly foi o primeiro animal clonado?

Não. Em 1962, J. B. Gurdon, no Reino Unido, conseguiu obter clones a partir de células de um sapo adulto, os quais morreram antes de atingir a fase adulta.
Em 1981, Karl Illmense e Peter Hoppe, da Universidade de Genebra (Suíça), anunciaram ter obtido clones de ratos a partir de células embrionárias. Nesse processo, são usadas células fetais para produzir novos embriões, que depois são implantados nas ratas. Os animais obtidos são geneticamente idênticos ao embrião "doador".
Dolly foi o primeiro clone gerado a partir do material genético de células não-reprodutivas de um animal adulto. Segundo Ian Wilmut, coordenador do cientistas do Instituto Roslin (Reino Unido), que a "criaram", ela é geneticamente idêntica a uma ovelha da qual foram colhidas células de glândula mamária (entenda o processo no esquema ao lado).

Por que fazer clonagem?

A clonagem facilita a transmissão e a fixação de características desejáveis. Dessa forma é possível otimizar a criação de rebanhos de animais com alta produtividade de carne e leite, como o bezerro Gene, anunciado em agosto de 97 por cientistas norte-americanos.
Clones transgênicos, isto é, com características genéticas de outras espécies, podem ter, por exemplo, a capacidade de sintetizar substâncias de interesse terapêutico, como proteínas de sangue e do leite humanos. É o caso da ovelha Polly, anunciada em julho de 97 pelos mesmos criadores de Dolly.
Além disso, pesquisas de doenças infecciosas são realizados com base em clones de bactérias e vírus desenvolvidos em laboratório.

Existem clones naturais?

Sim. Bactérias e amebas se reproduzem por clonagem. As plantas que nascem por brotamento podem ser consideradas clones do organismo que as originaram. As fêmeas de algumas espécies de peixe produzem embriões sem necessidade de fertilização dos óvulos pelo esperma de um macho.
Gêmeos univitelinos, isto é, que foram gerados pelo mesmo óvulo, não são resultado de reprodução assexuada, mas, como possuem a mesma composição genética, têm muito em comum com os clones.

É possível clonar humanos?

Teoricamente, sim. Mas o sucesso da clonagem em uma espécie não significa que ela funcionará com outras. É possível que a clonagem de humanos exija procedimentos ainda não desenvolvidos. Até o momento, não foi anunciada nenhuma tentativa de fazê-lo.

É legal clonar humanos?

A Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, aprovada em novembro de 97 pela Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), estabelece que não deve ser permitida a clonagem reprodutiva de seres humanos, mas não tem força de lei. Cerca de 28 países, entre eles Brasil, Alemanha, Dinamarca, Reino Unido e Austrália, possuem leis contra a clonagem de humanos. Em outros, as atividades de clonagem não foram regulamentadas.

Por que clonar humanos?

A clonagem reprodutiva de humanos poderá ser uma alternativa para contornar a esterilidade, tanto masculina quanto feminina.
Há pesquisadores que propõem a combinação da clonagem reprodutiva de humanos com técnicas de engenharia genética para gerar indivíduos com características pré-selecionadas, como inteligência, menor propensão a contrair certas doenças e outras. Outra opção é a "clonagem parcial", na qual as técnicas podem ser usadas para reprodução de órgãos (e não de indivíduos), com a finalidade de usá-los em transplantes.

Por que não clonar humanos?

Muitos grupos, como a Igreja Católica, não consideram aceitável o grande número de embriões que seriam perdidos no processo de clonagem. No caso de Dolly, dos 276 embriões manipulados, apenas 29 sobreviveram e foram implantados em ovelhas e só um chegou ao final da gestação.
Outra crítica é que a clonagem, associada à engenharia genética, poderia ser usada para o desenvolvimento de uma nova "raça" de indivíduos com características consideradas superiores.
A clonagem também é atacada por aqueles que vêem na perda de diversidade genética a ameaça à sobrevivência da espécie humana.

É possível uma pessoa ser clonada sem saber?

Teoricamente, sim. O DNA de uma única célula seria suficiente para gerar um clone.
Mesmo supondo um controle rígido sobre os exames de sangue e demais amostras de tecido habitualmente retiradas das pessoas, existem muitas outras fontes.
Células podem ser obtidas em saliva, que ficam em copos e talheres, ou mesmo de fios de cabelos, arrancados com seus bulbos.

Será possível clonar mortos?

Sim, desde que as células colhidas para obter material genético ainda estejam vivas, o que só é possível após algumas horas depois da morte do "doador".

Os clones já nascem com a idade do doador do DNA?

Esse é um assunto controverso. O material genético das células tem um marcador de tempo de vida, o telômero. Ele fica na ponta dos cromossomos, abrigado no núcleo celular. Cada vez que a célula se divide, o telômero fica mais curto. As células se dividem para se multiplicar; assim elas constroem e recompõem o organismo.
Quanto mais elas se dividem, mais o telômero encurta e as células ficam velhas, até o ponto em que elas não se dividem mais e morrem. Pode ser que os clones nasçam com células que vão parar de se reproduzir mais cedo. Como os clones gerados a partir de células adultas são recentes, ainda não se sabe se esse processo ocorre.
Outro problema de usar células de animais adultos é que elas contêm cromossomos deteriorados pelo tempo. Uma célula do intestino pode ter falhas na porção de seus cromossomos que codificam genes responsáveis pelo desenvolvimento dos rins, e esse defeito não afeta o funcionamento da célula. Porém, caso ela seja usada como fonte de material para um clone, é possível que o feto formado apresente deformidades renais.

A clonagem permitiria a manutenção de uma população exclusivamente feminina?

Sim. Até o momento, as técnicas de clonagem fazem uso de óvulos, e precisam dos úteros das fêmeas para o desenvolvimento dos embriões sem a necessidade de participação dos machos.

Os clones são exatamente iguais?

Do ponto de vista genético, sim. Mas o ambiente tem um grande poder de moldar as características de um indivíduo. Gêmeos univitelinos possuem o mesmo genoma, mas apresentam diferenças físicas e de personalidade adquiridas em processos distintos de desenvolvimento individual.

Existem clones de clones?

Sim. Cientistas da Universidade do Havaí (EUA) divulgaram, no mês passado, o desenvolvimento de três gerações de ratos clonados em seus laboratórios.


Clone - Os Caminhos para Dolly, de Gina Kolata (Ed. Campus, 262 págs., R$ 27)



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