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ENTREVISTA
CONNIE HEDEGAARD
'Ninguém pode pagar o preço de um fracasso em Copenhague'
Presidente da COP-15 diz que sucesso da conferência só será definido na mesa de negociação e que o Brasil "mostra o caminho" ao resto do mundo ao adotar meta de corte de carbono
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
O Brasil deu uma sinalização
política importante ao anunciar suas metas de redução de
emissões, no mês passado, e está "mostrando o caminho" para
os outros países. Quem diz é
Connie Hedegaard, a dinamarquesa que nas próximas duas
semanas será uma espécie de
imperatriz do clima mundial.
Hedegaard é a presidente da
COP-15. Recém-saída do Ministério do Clima e Energia da
Dinamarca, essa ex-jornalista
de 49 anos terá diante de si a
partir de amanhã a tarefa de
encontrar consenso entre 193
governos, e justo na negociação
mais complexa da história das
relações internacionais.
Criticada por ter contribuído
para manter a expectativa sobre o encontro alta demais na
opinião pública, a anfitriã da
COP-15 reconhece que não será
possível obter agora um acordo
climático com força de lei.
No entanto, diz que a cúpula
ainda pode produzir resultados
nos quatro pontos fundamentais: as metas de corte de emissão dos países ricos, o financiamento à mitigação nos países
pobres, a adaptação à mudança
climática e a transferência de
tecnologia. "Os resultados virão, porque o preço político de
não produzi-los é tão alto que
nenhum país poderá pagá-lo",
afirmou a ex-ministra e futura
comissária europeia do Ambiente à Folha, numa entrevista concedida por e-mail no último dia 26. Leia a seguir.
FOLHA - Nas últimas semanas, alguns líderes reconheceram que não
será possível ter um acordo completo em Copenhague. Quando isso ficou claro para a sra.?
CONNIE HEDEGAARD - Ainda não
ficou, na verdade, já que eu espero que nós consigamos obter
um acordo completo em Copenhague. Duas semanas atrás
[três semanas], 40 ministros se
juntaram em Copenhague para
discutir o resultado da conferência. Todo mundo concorda
que ainda podemos chegar a
um acordo em todos os elementos-chave necessários a
uma resposta ambiciosa global
à ameaça da mudança climática
-como cortes de emissões de
gases-estufa pelos países desenvolvidos e novos fundos para ajudar nações em desenvolvimento a se adaptarem às mudanças climáticas e escolherem
um caminho de desenvolvimento verde. Além disso, houve forte entendimento de que a
cúpula de dezembro deveria estabelecer um prazo claro para o
texto legal completo.
FOLHA - O embaixador argentino
Raúl Estrada, "pai" do Protocolo de
Kyoto, disse que o problema de Copenhague é que houve um excesso
de expectativas e que a negociação
não avança no ritmo das ilusões,
mas sim no da política real. A sra.
concorda com a crítica?
HEDEGAARD - Quando lidamos
com um desafio como o da mudança climática, eu não acho
que nenhuma ambição seja alta
demais. A dimensão completa
da política real e da vontade de
agir será expressa na mesa de
negociações em Copenhague,
não antes. Nossa real ambição
política coletiva só poderá ser
avaliada depois de Copenhague. E, sim, teremos de ser realistas, mas eu acho que o papel
da presidência [da COP-15] é
buscar o melhor resultado possível, e isso só poderá ser obtido
se nós nos esforçarmos muito e
pressionarmos as partes a chegarem a um acordo ambicioso.
Seria muito fácil diluir as ambições. Mas eu acredito firmemente que os resultados virão
porque o preço político de não
produzi-los é tão alto que nenhum país poderá pagá-lo.
FOLHA - Quão fundamental é chegar a um acordo completo em Copenhague? E se não chegarmos?
HEDEGAARD - A hora é agora.
Houve um acúmulo de impulso
político nos últimos anos e as
mudanças climáticas receberam uma atenção de alto nível
[nos governos] que nunca tiveram antes. Há uma necessidade
urgente de gravar essa vontade
política num acordo em Copenhague de modo a garantir ação
imediata. Nossa leitura, feita a
partir das negociações e de
muitos encontros bilaterais
nos últimos meses, é que existe
um sentimento geral de que será muito difícil produzir um
instrumento legal completo já
em Copenhague -muitos detalhes ainda precisam ser resolvidos-, mas não podemos sair de
Copenhague sem um mandato
claro para finalizar um instrumento legal num prazo curto.
FOLHA - Por quanto tempo a sra.
acha que é possível esperar? O Protocolo de Kyoto levou oito anos para
ser implementado. O novo acordo
também deve demorar tanto assim,
deixando-nos com um buraco na
proteção ao clima após 2012?
HEDEGAARD - Nós não vamos esperar. Nós decidiremos pela
ação imediata e uma decisão
sobre um instrumento legal deve ser tomada assim que possível após Copenhague.
FOLHA - A sra. disse no final da reunião preparatória para a COP-15 que
houve um "mal-entendido" de que
vocês queriam um acordo parcial.
Mas a decisão anunciada em novembro de um acordo político não é
isso, um acordo parcial?
HEDEGAARD - Meio acordo não é
acordo. O que esperamos concluir em Copenhague é um
acordo que tenha resultados
em todos os pontos fundamentais. E, além disso, precisamos
de um prazo para que o acordo
se torne legalmente vinculante.
FOLHA - O presidente Lula criticou
recentemente os EUA e a China por
tentarem um acordo bilateral no
âmbito do G2. A sra. concorda que
isso está acontecendo? E é algo necessariamente ruim?
HEDEGAARD - Os EUA e a China
são dois jogadores fundamentais, e é um sinal positivo que
eles estejam levando isso a sério. Porém, eu não acredito que
eles produzirão um acordo bilateral. O mundo precisa combater esse problema em uníssono, e minha crença é que os dois
países reconhecem esse fato.
FOLHA - Os Estados Unidos vêm
sendo muito criticados por serem o
principal atravancador de Copenhague. Mas todo o problema se resume à política americana?
HEDEGAARD - Os EUA são o segundo maior emissor de CO2 e
têm uma responsabilidade
imensa. Um acordo sem os
EUA simplesmente não faz
sentido. Os EUA não ratificaram o Protocolo de Kyoto, deixando ao resto do mundo a tarefa de lidar com a séria ameaça da mudança climática. Isso
não deve acontecer de novo.
FOLHA - O Protocolo de Kyoto sobreviverá? A União Europeia tem
tentado matar esse trilho de negociação em favor de um acordo único.
HEDEGAARD - Vamos deixar
muito claro: a Dinamarca está
trabalhando num acordo que
respeite os dois trilhos, atacando as emissões dos países desenvolvidos e as dos países em
desenvolvimento.
FOLHA - "Politicamente vinculante" é o mesmo que "fiasco"?
HEDEGAARD - No meu dicionário, não. O que almejamos concluir em Copenhague é um
acordo que cumpra os quatro
objetivos fundamentais. Não se
trata de uma questão de redação; trata-se de conteúdo, e o
acordo de Copenhague precisa
incluir decisões de todos os 193
governos para darmos um passo significativo.
FOLHA - O que a sra. achou da proposta brasileira de redução de emissões? Ela pode romper o impasse?
HEDEGAARD - Trata-se de um sinal muito forte de uma das
maiores economias emergentes do mundo. Eu a considero
uma oferta muito ambiciosa e é
importante que ela inclua todos os setores que mais emitem. O Brasil está levando sua
responsabilidade a sério e mostrando o caminho para outros
países com essa importante sinalização política.
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