São Paulo, domingo, 07 de maio de 2006

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HISTÓRIA

Governos autoritários

Alemanha de Hitler e Brasil de Vargas realizam modernização conservadora aliada a projeto nacionalista

MARIA CELINA D'ARAÚJO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Vargas assume o poder em 1930, e Hitler em 1933. Vargas chega à presidência através de uma revolução civil-militar, e Hitler apoiado em uma vitória eleitoral de seu partido. Ambos têm em comum a época, o culto à personalidade, um projeto nacionalista, estatizante e autoritário.
Os dois países, por sua vez, partilham o fato de terem iniciado um processo de industrialização com o apoio político e econômico das oligarquias rurais _a chamada modernização conservadora_, sem passar, portanto, por um conflito aberto entre interesses burgueses e agrários.
Embora esses sejam aspectos importantes, as semelhanças são menores do que normalmente se pensa quando se consideram os dois estadistas e os dois países em uma perspectiva mais longa.
Quando Hitler começou seu governo, a Alemanha era um país destroçado pela humilhação da derrota na 1ª Guerra Mundial, pelo pacto de Versalhes de 1919, por desemprego, perdas territoriais e militares e por uma crise econômica e inflacionária inédita.
A radicalização entre direita e esquerda era expressa através de atos de violência e terrorismo. Um país considerado ingovernável pelos conservadores que se opuseram à experiência democrática da República de Weimar, iniciada em 1919.
A vitória de Hitler foi associada à reconstrução de uma grande Alemanha via industrialização, mas principalmente através de um projeto expansionista e imperialista. Foi uma política de conquista territorial, de busca de hegemonia econômica e política, na Europa e no mundo, que não media escrúpulos do ponto de vista de alianças e métodos militaristas e (des)humanos. A sociedade alemã foi contagiada por esse projeto, que acabou por impor ao país nova derrota ao fim da 2ª Guerra.
A vitória de Hitler expressa o conservadorismo alemão, o nazismo reflete a crueldade do poder discricionário, mas a derrota em 1945 deve ser entendida como vitória. Desde então a Alemanha se pauta pelo respeito à democracia e aos direitos humanos. Segundo os indicadores, é uma das melhores democracias do mundo, apesar dos problemas econômicos que se tornaram mais graves após a reunificação em 1989.
Vargas chega ao poder refletindo uma demanda por mudanças moderadas mas sem aspectos belicistas. O Brasil, entre 1930 e 1945, fez a opção definitiva pelo mundo industrial, por uma legislação social urbana parecida ao que a Alemanha fizera no século 19. Não contrariou os privilégios da terra no que toca a tributação ou a mão-de-obra. O Brasil era e continuou sendo conservador. Numa perspectiva histórica, Vargas pode ser mais comparado a Bismark que a Hitler. Implantou um projeto nacional autoritário, conteve as forças sociais, instalou um sistema de previdência, incentivou as vocações industriais do país.
Vargas ditador deixou o poder em 1945, após Hitler se matar e o nazismo começar a ser execrado pela história. Voltou ao poder em 1951, pelo voto popular de uma democracia que nunca teve o vigor nem o compromisso alcançado pela alemã do pós-guerra.
As elites alemães desde então se pautaram por manter compromissos com valores democráticos. Criou-se uma federação vigorosa e cooperativa que viabiliza a igualdade social e regional. Vargas mudou o país mantendo compromissos conservadores que seus sucessores não desautorizaram completamente.


Maria Celina D'Araújo é doutora em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro e pesquisadora da Fundação Getulio Vargas


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