São Paulo, quinta-feira, 07 de dezembro de 2006

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Fotógrafo usa lata para fazer a criança enxergar a realidade

Oficina ensina a registrar percepções e capacita jovem

MARLENE PERET
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Disléxico desde que nasceu, o paulistano André François, 39, virou fotógrafo logo após abandonar o colégio. Com dificuldades para ler, escrever e falar, trocou as letras pelas imagens para trilhar um caminho alternativo como linguagem.
Em busca do tempo perdido, experimentou primeiro a pintura traçada a partir de fotos. Mas, com o tempo, quis ir além das cópias. Com 16 anos, revelou-se fotógrafo e viu que podia construir imagens com luz.
Dois anos depois, colocou o pé na estrada para fazer seus primeiros ensaios fotográficos. Cruzou continentes, sentiu de perto a dor do mundo e, ao retornar, focou as pedreiras de São Tomé das Letras (MG), onde fez seu primeiro livro.
Sina ou não, foi com essas letras que ele escreveu sua história. Lá, ao flagrar a pobreza, notou que crianças o perseguiam, fascinadas com a fotografia. Sem recursos, a saída foi improvisar. E, com latas de tinta, construiu máquinas fotográficas ("pinholes", que seguem o princípio da câmara escura).

Processo mágico
A brincadeira virou coisa séria. As imagens obtidas com as "pinholes" despertaram nas crianças um olhar crítico sobre a realidade em que viviam. "A foto é reflexiva", constatou.
Encantado com o processo mágico, fez diversas oficinas culturais até fundar, em 1995, a ImageMagica. Em 1999, mergulhou nos estudos e descobriu que suas técnicas seguiam Paulo Freire. E aprendeu que "a evolução do saber se dá a partir da consciência do indivíduo sobre o mundo que o cerca".
De 2001 a 2004, o fotógrafo viveu sua grande catarse ao ver seu projeto quase naufragar por um calote. Nessa época, também viveu a dor de ver o filho, Tauã, em coma. A saída foi a transformação. "Foi um tempo difícil, um buraco negro, mas necessário para aprender".
E foi o embrião do Humanizando Relações _que responde por 35% das receitas da organização. "Nesse projeto, distribuo máquinas digitais para que médicos, pacientes e familiares registrem os bastidores da saúde. Juntos, eles humanizam relações, que despertam um novo olhar sobre o cuidar", afirma.
Hoje, é curioso ver que a pequena São Tomé das Letras tenha revelado tantas surpresas na vida de André. Lá, ele descobriu o poder da fotografia, a foto na lata e sua mulher, Cristiane, que conheceu quando transportava milho num jegue. É por essas e outras histórias que ele talvez prefira chamá-la de São Tomé das Imagens.


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