São Paulo, quinta-feira, 09 de maio de 2002

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RELIGIÃO

Na última década, caiu a participação dos seguidores do papa na população; segmento evangélico se expande

Igreja Católica perde influência

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

A Igreja Católica perdeu espaço no Brasil, na última década, para o crescimento das religiões evangélicas e de brasileiros que se consideram sem religião.
De acordo com os dados do Censo, a proporção evangélica da população brasileira foi a que mais cresceu: subiu de 9,05% em 1991 para 15,45% em 2000 -um aumento de 70,7%. Em números absolutos, os evangélicos são hoje cerca de 26 milhões, o dobro dos 13 milhões de fiéis de 1991.
Os católicos apostólicos romanos perderam terreno, mas ainda são maioria: somam quase 125 milhões de brasileiros e representam 73,8% da população. Em 1991, os católicos eram 121,8 milhões de pessoas e representavam 83,76% dos brasileiros. A proporção de católicos no total da população caiu, portanto, 11,9%.
Os brasileiros sem religião, embora ainda sejam minoria (apenas 7,28% da população), também tiveram um crescimento expressivo: chegam a 12,3 milhões de pessoas, quando em 1991 eram 6,9 milhões, representando 4,78% da população. A participação dos sem-religião no total de habitantes cresceu 52,3%.
Cresceu também o percentual de brasileiros que se dizem adeptos de outras religiões: de aproximadamente 2,4% do total em 1991 para 3,6% em 2000. "Essas tendências já vinham de algum tempo, mas se fortaleceram nessa década. As pessoas estão buscando outras soluções para sua vida cotidiana e espiritual", resume Teresa Cristina Araújo, técnica do Departamento de População e Indicadores Sociais do IBGE.

Fenômeno evangélico
Os resultados do Censo permitem medir nacionalmente, pela primeira vez, o fenômeno do avanço evangélico, já detectado por estudiosos da religião ao longo dos últimos anos.
Especialistas ouvidos pela Folha apontam várias razões para o crescimento desse segmento, e a principal delas é o aumento da oferta de religiões e da liberdade de escolha, consequências da liberalização do país.
Foi um crescimento, porém, que ficou abaixo de expectativas infladas pelo que o sociólogo Antônio Flávio Pierucci chama de "vocalidade" dos evangélicos.
"Eles conseguem nos convencer de que são em número maior do que na realidade são. Talvez isso tenha criado uma expectativa de um crescimento maior. Acho importante destacar isso para que a gente não superestime o número de evangélicos num ano eleitoral", diz Pierucci, professor da Universidade de São Paulo e secretário-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
Para ele, qualquer religião majoritária perde adeptos com a abertura pluralista. "Com a institucionalização democrática e o avanço da liberdade religiosa no espaço público, o destino da Igreja Católica é perder adeptos, assim como o destino dos protestantes nos EUA e do hinduísmo na Índia", afirma.
O sociólogo vê ainda nos evangélicos, em comparação com os católicos, uma "postura mais ativa" no sentido de buscar fiéis.
A antropóloga Regina Novaes, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião e professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, destaca ainda o descontentamento dos fiéis com a Igreja Católica e a estratégia evangélica de investir numa parcela da população socialmente excluída.
Ela diz que o avanço evangélico começou entre os mais pobres, embora tenha chegado às classes média e alta: "O fenômeno não é mais só das classes populares, mas é entre os mais pobres que eles mais crescem. São setores excluídos de mediações organizadas onde o catolicismo consegue chegar, como sindicatos e partidos".
Para esse grupo excluído, o mundo evangélico tem dois atrativos: a maior possibilidade de integração entre fé e vida, falando do cotidiano e não só da esperança na vida eterna, e a participação nos rituais religiosos.
"A hierarquia católica sempre teve uma relação muito mais íntima com as classes dominantes. Entre os evangélicos, há, por exemplo, a figura do testemunho, em que todos narram sua experiência", afirma a antropóloga.
Essa população excluída se forma principalmente nas periferias das cidades grandes e médias afetadas pelo crescimento desordenado. São grupos que passam por uma "refundação da sociabilidade". No dizer da antropóloga: vêem enfraquecer seus laços religiosos e sociais tradicionais e buscam novos vínculos.
Assim, explica Regina, os evangélicos crescem em frentes de expansão, seja no Norte e no Centro-Oeste, seja em áreas empobrecidas das grandes cidades.
O Nordeste, região mais pobre do país, é também a área mais católica, com 80% de sua população. O Piauí é o Estado mais fiel a essa crença -91,35% dos piauienses se disseram católicos.
Isso se explica porque, no Nordeste, a pobreza -especialmente a rural- ainda mantém fortes laços com a igreja, garantidos pelo catolicismo "oficial" e por sua ampla rede eclesiástica e pela devoção a figuras do credo popular.
O Centro-Oeste e o Norte têm as maiores proporções de evangélicos (19,1% e 18,3%, respectivamente), e o Nordeste, a menor (10,4%). O Rio de Janeiro tem a menor parcela de católicos em sua população -57,16%. A situação é quase igual em Rondônia, com 57,55% de católicos.
Pesquisadores também destacam o crescimento da parcela dos sem-religião -que aumentou de 4,78% em 1991 para 7,28% em 2000. Essa categoria inclui não só os ateus e agnósticos, mas também os que não aceitam, para sua vida, uma autoridade religiosa -ainda que tenham uma medalhinha ou um patuá em casa.
Para Regina Novaes, o sem-religião pode ser um anarquista que não aceita uma ordem religiosa: "Ele não compra nenhum pacote religioso. É um homem de seu tempo. Diante da maior oferta, faz sua síntese pessoal".


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