São Paulo, terça-feira, 09 de julho de 2002

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URBANIZAÇÃO

REFORMAS INCENTIVAM COMUNIDADES


Especialistas afirmam que o crescimento desordenado das grandes cidades é uma das principais causas da violência. A urbanização de favelas e bairros pobres melhora a qualidade de vida de seus moradores e leva serviços públicos como saneamento básico, asfalto, transporte, educação, saúde e lazer. O sucesso de iniciativas como a Vila Olímpica da Maré, no Rio, e as reformas urbanísticas na Restinga, em Porto Alegre, revela que o acesso a tais serviços pode ser uma arma contra a violência.


DAGUITO RODRIGUES
DA EQUIPE DE TRAINEES

O bairro da Restinga sempre teve fama de violento em Porto Alegre (RS). Mas seus moradores garantem que as intervenções urbanísticas iniciadas por volta de 1990 contribuíram para a queda da criminalidade no local. "A partir do momento em que se passa a ter um certo conforto, deixa-se de ser malvadinho", diz Jônia da Silva Lopes, 50, moradora do bairro há mais de 20 anos.
Em Santo André, região metropolitana de São Paulo, a prefeitura está urbanizando a favela Sacadura Cabral, de pouco mais de 3.000 habitantes. Barracos foram derrubados, o solo foi aterrado e as ruas foram redesenhadas. Moradores garantem que a criminalidade caiu. O secretário municipal de Combate à Violência, Edson Sardano, diz que a urbanização somada ao policiamento comunitário traz bons resultados: "Polícia é um analgésico social, ela alivia a dor enquanto alguém tem que trabalhar a causa da doença".
Para especialistas, melhorar a qualidade de vida da população diminui a criminalidade. Ruas largas, acessíveis e iluminadas acabam com possíveis esconderijos, becos e vielas.
A pesquisadora da PUC-Campinas (Pontifícia Universidade Católica) Laura de Mello Bueno analisou a urbanização de nove favelas de São Paulo, Rio, Fortaleza, Diadema e Goiânia.
Segundo ela, mais de 60% dos moradores de bairros pobres ficam em casa sem ter o que fazer o dia todo. "A alta densidade nessas favelas, com pessoas desocupadas, funciona como uma panela de pressão", diz Mello Bueno.
Na Restinga, o ginásio do Centro Comunitário foi por muitos anos a única opção de lazer. Hoje, segundo a prefeitura, são 50 praças e quadras no bairro, incluindo um campo de futebol iluminado.
Na Esplanada, calçadão construído em 1994 na avenida principal, são feitos shows e espetáculos, como a Semana da Restinga -que acontece em novembro com atrações em todo o bairro.
Antes da urbanização, as linhas de ônibus eram escassas. "Houve um tempo em que havia apenas uma linha pela manhã, uma à tarde e outra à noite", conta a moradora Marlene Alvares de Oliveira, 45, que vive no bairro há 15 anos. Hoje, são 15 linhas abastecendo a região, a 28 km do centro.
Miguel Rangel, um dos líderes comunitários da Restinga no início dos anos 90, diz que essas reformas foram uma exigência dos moradores. Através do Orçamento Participativo (participação da comunidade na discussão de políticas e gastos públicos), criado em 1989, a população conseguiu uma média de 1.100 m de ruas e estradas asfaltadas por ano entre 1993 e 1995. Neste último ano, 2.700 m de rede de água foram instalados.
Apesar das melhorias urbanas, o bairro ainda carrega o estigma de violento. "Quando digo onde moro, a primeira coisa que fazem é dar um passo para trás", diz a moradora Silva Lopes.
A comunidade tem hoje ruas largas, em sua maioria asfaltadas. Uma avenida típica de locais de grande fluxo divide as duas macroáreas que formam o bairro: Restinga Velha e Restinga Nova. O comércio e os serviços são diversificados: há um fórum e duas agências bancárias, além de muitas lojas. A paisagem é de uma cidade do interior, com árvores nas ruas e nos terrenos das casas.
A população parece ainda não estar acostumada com a urbanização. Boa parte anda no meio da rua, como se ainda fosse de terra, disputando espaço com os carros.

Prioridades
A comunidade da Restinga é naturalmente engajada, garantem prefeitura e moradores. Com a criação do Orçamento Participativo, as pessoas encontraram espaço para pedir as reformas que achavam necessárias na região.
Em reuniões preparatórias, a prefeitura faz um balanço dos investimentos feitos no ano anterior, apresentando o Plano de Investimentos e Serviços para o ano seguinte. Na chamada Rodada Única, que acontece no ginásio do Centro Comunitário, a população elege as prioridades para o ano. Obras de pavimentação, saneamento básico e instalação de rede de iluminação pública normalmente são as mais pedidas pelos moradores da Restinga.
Com o aumento da população a cada ano no bairro, novos terrenos são ilegalmente ocupados em regiões sem a infra-estrutura básica. Portanto, as reformas são necessárias todos os anos.
"Se você não estancar essa máquina de produção de favelas, de exclusão, a urbanização será um processo de enxugar gelo", diz a ex-secretária de Habitação de São Paulo Ermínia Maricato.



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