São Paulo, terça-feira, 09 de julho de 2002

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CRIANÇAS TROCAM RUA POR ESPORTE

FABIANA CIMIERI
DA EQUIPE DE TRAINEES

Na linha imaginária que divide o território do complexo da Maré entre o CV (Comando Vermelho) e o TC (Terceiro Comando) está a sede da Vila Olímpica da Maré, um terreno neutro no meio da guerra do tráfico. Ali, os moradores do maior complexo de favelas do Rio praticam esportes sem medo de bala perdida. Há um pacto verbal com a polícia e com os bandidos das duas facções: ninguém atira em direção à vila.
Segundo especialistas, espaços de lazer como o da Vila Olímpica reduzem a violência ao combaterem o ócio. "A presença de espaços de lazer, onde crianças e jovens podem receber orientação e aprender regras e maneiras de lidar com a rivalidade, a agressão e a frustração, são muito importantes para prevenir a violência", afirma a coordenadora do Núcleo de Investigação sobre a Violência da Uerj, a antropóloga Alba Zaluar.
Essa redução foi registrada por uma pesquisa feita em 2001 pelo Centro Esportivo de Ações Socioeducacionais (Cease) na região da Maré. O estudo apontou queda nos índices de infrações cometidas por crianças e adolescentes. Reduziu-se em 56% o número de crianças nas ruas da região. Além de deixarem as ruas, muitas ganharam novas perspectivas de vida.
Atletas como Marcos Paulo, 8, o Guguinha da Maré, destaque em torneios de tênis, e Brenda Medeiros, 5, ginasta há menos de um ano e treinada pela técnica do Flamengo, Georgete Vidor, são alguns exemplos de jovens talentos que poderiam estar sendo desperdiçados.
Além do esporte, a Vila da Maré realiza atividades educacionais, culturais, ambientais, de saúde e de nutrição. Conta com o acompanhamento de 180 profissionais, entre psicólogos, sociólogos, professores e nutricionistas.
Todas as atividades acontecem numa área de 50 mil m2, equivalente a sete campos de futebol, onde se pode praticar uma das 20 modalidades esportivas oferecidas.
Essa infra-estrutura foi financiada pelo Ministério dos Esportes e pela Prefeitura do Rio. A obra custou R$ 10 milhões. As despesas de manutenção são pagas pela prefeitura e pela Petrobras, que injetam respectivamente R$ 89 mil e R$ 60 mil por mês.
Há outras parcerias com empresas privadas e universidades, que disponibilizam profissionais e serviços. "Quando elas investem na vila, estão investindo na segurança delas próprias", diz Amaro Domingues, 70, presidente da União dos Esportistas da Vila Olímpica da Maré (Uevom), ONG responsável pela administração da Vila.
Segundo a gerente administrativa, Sandra Garcia, 50, o número de frequentadores da Vila aumentou de 5.500 pessoas para cerca de 9.000 entre julho de 2001 e hoje. Para Garcia, a filosofia é manter a criança ocupada com atividades saudáveis. O secretário municipal de Esportes e Lazer, Ruy César, concorda: "A criança tem satisfação em permanecer ali".
A experiência na Maré está no terceiro ano de funcionamento e foi inspirada na Vila Olímpica da Mangueira, inaugurada em 1987.

Ressalvas
Apesar dos bons resultados, a Vila não resolve sozinha o problema da violência. Para o subsecretário de Ação Social do Estado do Rio de Janeiro, Jaílson de Souza, há uma "lógica criminalizante", que pressupõe que todo jovem de favela é um traficante em potencial. Souza, ex-morador do complexo, considera a Vila Olímpica importantíssima para a Maré, mas afirma que ela atenua apenas um aspecto de um problema que tem múltiplos fatores.
Mesmo dentro da própria comunidade, a integração entre as ações desenvolvidas é precária. Teófilo Dias, 62, presidente da Associação de Moradores da Baixa do Sapateiro, a quarta maior comunidade da Maré, diz que falta união, mas afirma que a iniciativa ajuda a diminuir a violência: "Jovem que está dentro da Vila tem tendência a não partir para esse caminho".



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