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CRIANÇAS TROCAM RUA POR ESPORTE
FABIANA CIMIERI
DA EQUIPE DE TRAINEES
Na linha imaginária que divide o território do complexo
da Maré entre o CV (Comando Vermelho) e o TC (Terceiro Comando) está a sede da
Vila Olímpica da Maré, um
terreno neutro no meio da
guerra do tráfico. Ali, os moradores do maior complexo
de favelas do Rio praticam esportes sem medo de bala perdida. Há um pacto verbal com
a polícia e com os bandidos
das duas facções: ninguém
atira em direção à vila.
Segundo especialistas, espaços de lazer como o da Vila
Olímpica reduzem a violência
ao combaterem o ócio. "A
presença de espaços de lazer,
onde crianças e jovens podem
receber orientação e aprender
regras e maneiras de lidar
com a rivalidade, a agressão e
a frustração, são muito importantes para prevenir a violência", afirma a coordenadora do Núcleo de Investigação
sobre a Violência da Uerj, a
antropóloga Alba Zaluar.
Essa redução foi registrada
por uma pesquisa feita em
2001 pelo Centro Esportivo de
Ações Socioeducacionais
(Cease) na região da Maré. O
estudo apontou queda nos índices de infrações cometidas
por crianças e adolescentes.
Reduziu-se em 56% o número
de crianças nas ruas da região.
Além de deixarem as ruas,
muitas ganharam novas perspectivas de vida.
Atletas como Marcos Paulo,
8, o Guguinha da Maré, destaque em torneios de tênis, e
Brenda Medeiros, 5, ginasta
há menos de um ano e treinada pela técnica do Flamengo,
Georgete Vidor, são alguns
exemplos de jovens talentos
que poderiam estar sendo
desperdiçados.
Além do esporte, a Vila da
Maré realiza atividades educacionais, culturais, ambientais, de saúde e de nutrição.
Conta com o acompanhamento de 180 profissionais,
entre psicólogos, sociólogos,
professores e nutricionistas.
Todas as atividades acontecem numa área de 50 mil m2,
equivalente a sete campos de
futebol, onde se pode praticar
uma das 20 modalidades esportivas oferecidas.
Essa infra-estrutura foi financiada pelo Ministério dos
Esportes e pela Prefeitura do
Rio. A obra custou R$ 10 milhões. As despesas de manutenção são pagas pela prefeitura e pela Petrobras, que injetam respectivamente R$ 89
mil e R$ 60 mil por mês.
Há outras parcerias com
empresas privadas e universidades, que disponibilizam
profissionais e serviços.
"Quando elas investem na vila, estão investindo na segurança delas próprias", diz
Amaro Domingues, 70, presidente da União dos Esportistas da Vila Olímpica da Maré
(Uevom), ONG responsável
pela administração da Vila.
Segundo a gerente administrativa, Sandra Garcia, 50, o
número de frequentadores da
Vila aumentou de 5.500 pessoas para cerca de 9.000 entre
julho de 2001 e hoje. Para Garcia, a filosofia é manter a
criança ocupada com atividades saudáveis. O secretário
municipal de Esportes e Lazer, Ruy César, concorda: "A
criança tem satisfação em permanecer ali".
A experiência na Maré está
no terceiro ano de funcionamento e foi inspirada na Vila
Olímpica da Mangueira, inaugurada em 1987.
Ressalvas
Apesar dos bons resultados,
a Vila não resolve sozinha o
problema da violência. Para o
subsecretário de Ação Social
do Estado do Rio de Janeiro,
Jaílson de Souza, há uma "lógica criminalizante", que
pressupõe que todo jovem de
favela é um traficante em potencial. Souza, ex-morador do
complexo, considera a Vila
Olímpica importantíssima
para a Maré, mas afirma que
ela atenua apenas um aspecto
de um problema que tem
múltiplos fatores.
Mesmo dentro da própria
comunidade, a integração entre as ações desenvolvidas é
precária. Teófilo Dias, 62, presidente da Associação de Moradores da Baixa do Sapateiro,
a quarta maior comunidade
da Maré, diz que falta união,
mas afirma que a iniciativa
ajuda a diminuir a violência:
"Jovem que está dentro da Vila tem tendência a não partir
para esse caminho".
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