São Paulo, terça-feira, 09 de julho de 2002

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FAMÍLIA

MEU GURI ATUA NA INTEGRAÇÃO DE PAIS E FILHOS


A falta de diálogo, carinho, autoridade e cuidado que marca os lares de famílias desestruturadas leva muitas vezes os jovens à criminalidade. Preocupados com o trabalho e com pouca orientação, muitos pais trocam a conversa pela pancadaria, fazendo da violência seu método de ensino. As crianças são abandonadas e têm suas necessidades ignoradas. Para os especialistas, uma família estruturada, baseada no respeito e no diálogo, é fator indispensável para lutar contra a desagregação familiar e, por consequência, a violência. É o que tenta fazer o projeto Meu Guri.


DA EQUIPE DE TRAINEES

"Eu só precisava de uma palavra, alguém que me explicasse coisas que eu não sabia... que não adiantava bater nas crianças e que era melhor falar com elas", diz Yolanda Rita de Souza, 45, mãe de seis filhos, dos quais dois chegaram a fugir de casa e três foram viver por dois anos em um abrigo.
Daniel, 13, Welington, 10, e Gabriel, 8, estiveram no Centro Biopsicosocial Meu Guri encaminhados pela Vara da Infância e da Juventude de Santana (zona norte de São Paulo), depois de terem sido achados pela polícia nas ruas. Funcionários da Vara que estudaram o caso descobriram as dificuldades da mãe para mantê-los em casa. Ela os espancava com frequência, não tinha emprego nem moradia estável.
Como eles, o Meu Guri atende hoje a 33 crianças entre 0 e 15 anos de idade e suas 13 famílias. Formadas na maioria das vezes só pela mãe e os filhos, essas famílias apresentam dificuldades econômicas, casos de maus-tratos ou violência, problemas de saúde -desnutrição é o mais frequente- e problemas psicológicos -como sentimentos de rejeição, abandono, insegurança, agressividade e baixa auto-estima.
O Meu Guri também recebe crianças encaminhadas pelos Conselhos Tutelares e o S.O.S Criança (programa do governo do Estado de São Paulo que atende denúncias de violência doméstica). As crianças são recebidas com idades entre 0 e 7 anos e podem ficar até os 18. A maioria delas fica só entre dois e três anos.
Os pais visitam as crianças uma ou duas vezes por semana e recebem orientação dos assistentes sociais e dos psicólogos.
Cada família recebe uma ajuda de R$ 450 mensais, que consta de uma cesta básica, medicamentos e R$ 30 em dinheiro para cada criança no abrigo.
Neusa de Oliveira Costa, coordenadora do Meu Guri, diz que só depois de ter certeza da reintegração na família os meninos são desligados do programa.
Por isso o Meu Guri, que foi fundado em 1997, estendeu há seis meses a assistência material e psicológica por mais um ano depois do desligamento da criança do abrigo. Hoje, duas famílias estão nesse processo.
O orçamento mensal do Meu Guri é de R$ 25 mil, e seus principais mantenedores são o Sindicato de Metalúrgicos de São Paulo, Mogi e Região e a Força Sindical.

A equipe
No programa trabalham dez pessoas, entre assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas, educadores e auxiliares de enfermagem. Há também oito "mães sociais", que cuidam das crianças enquanto elas estão no abrigo.
Essa equipe fez parte do processo de reintegração da família de Yolanda e seus seis filhos. Os foragidos Marilton, 14, e Flávio, 16, voltaram para casa enquanto os irmãos estavam no abrigo e agora participam da etapa final do acompanhamento do Meu Guri com a família.
Yolanda, bastante satisfeita com todos os seus filhos em casa, incluindo o mais novo, Livingston, 3, já não bate neles. "Eles são meus amigos", afirma ela.

Dificuldades
Mas nem todos os casos que passam pelo Meu Guri são tão bem-sucedidos assim.
Às vezes a insistência da equipe do serviço social na orientação de alguns pais não é suficiente, já que eles parecem mais preocupados em arrumar um emprego ou resolver seu problema de moradia do que cuidar bem dos filhos.
O programa trata hoje do caso de um casal que briga de forma permanente e é muito difícil que, nessa situação, os filhos, de 8 e 13 anos, voltem para casa.
A família continua recebendo orientação, mas, devido às tentativas fracassadas que já ocorreram, os psicólogos são céticos sobre o sucesso no caso.
Apesar do esforço do Meu Guri para arrumar emprego para os pais e, assim, facilitar o processo de reintegração, a iniciativa ainda precisa de um maior apoio de empresas para conseguir trabalho aos pais assistidos. Outro problema é que alguns pais conduzidos para tratamentos de alcoolismo e consumo de drogas às vezes não assistem às terapias.
Há uma família na qual o pai e a mãe consumem álcool e maconha. De seus quatro filhos, dois entraram no abrigo. Um ano depois, eles não só continuavam lá; os outros dois também foram acolhidos pela instituição.
Nesses casos, o processo de reintegração pode durar até cinco anos (o dobro da média), principalmente se o Meu Guri não tiver apoio de outras empresas ou grupos de assistência.
Isso limita a abrangência da instituição, porque ela tem capacidade para 32 crianças, no máximo mais duas nos casos de irmãos que não podem ser separados.
O programa já está construindo uma nova sede com seis casas e capacidade para 120 crianças. Ela deve ser entregue em dezembro deste ano.
Segundo os especialistas em família consultados pela Folha (veja texto acima), é indispensável orientar os pais para tentar suavizar o impacto causado pela decomposição da família.
As crianças que, além de maltratadas e abandonadas pelos pais, assistem a brigas frequentes começam a acreditar que as coisas só se resolvem pela violência, diz Marcelo Moreira Neuman, especialista em violência doméstica e coordenador técnico do Crami (Centro Regional de Atenção contra o Maltrato Infantil) que opera na região do ABCD, na Grande São Paulo.
Neuman acrescenta que, diante da falta de diálogo, é a violência que cumpre o papel de educar.

Modelo
A psicóloga Maria Amélia de Souza, coordenadora administrativa do Centro de Referência às Vítimas da Violência, diz que o Meu Guri "é um modelo que serve". "Apesar de atender poucas pessoas, cada criança, cada família é um multiplicador", afirma.
Outros programas dão ênfase ao combate à violência doméstica, mas não buscam também a integração filhos-pais, que é um dos objetivos do Meu Guri.
Esse é precisamente um dos pontos fortes do programa: o atendimento integral às crianças e suas famílias, que vai mais longe do que o simples abrigo. As famílias não são só ajudadas economicamente, mas orientadas sobre a convivência e o diálogo.
O acompanhamento ao final do abrigo é também fundamental para garantir a harmonia necessária para que as crianças e os adolescentes não procurem, nem achem, na criminalidade uma saída às suas carências familiares.
(GCE)



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