São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2011

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MINHA HISTÓRIA
MARLON HAUS DA SILVA, 52


'O gosto da minha infância e a vontade de ser feliz voltaram'

Ex-diagramador conta como retomou o prazer de viver com a prática do surfe

JAIRO MARQUES

ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Embora desde criança enfrente um problema de visão, eu sempre fui apaixonado pela água.
Morar no Rio é ter o mar como lazer quase obrigatório. Na adolescência, nadava, brincava na água, mas nunca havia surfado, nunca imaginei que um cego fosse conseguir parar em pé sobre uma prancha.
O fato de eu não ver fez aguçarem demais os outros sentidos. Adoro o cheiro do mar, que me atrai muito.
Gosto de sentir a intensidade dele: dias mais fortes e dias mais calmos. O vento no rosto é delicioso, o barulho das gaivotas é demais, a areia nos pés é um prazer. Quem está na praia está feliz.
Apesar disso, estava me tornando um cego sedentário, que ficava só dentro de casa escutando rádio, lendo.
Estava incomodado com aquela situação, que só começou a mudar quando descobri a Adaptsurf.
Nasci com um problema nos olhos, mas só aos sete anos soube que se tratava de uma catarata congênita.
Até os 12 anos, usava óculos "fundo de garrafa" que não serviam para nada.
Só fui operado na adolescência. Melhorei do olho esquerdo, mas tinha de usar lente de contato com grau 16.
A outra vista perdi numa segunda cirurgia. Aos 18 anos, comecei a trabalhar em gráficas de jornal e peguei gosto pela diagramação, que exerci em vários jornais.
Quinze anos depois, tive glaucoma. A partir dali, só um transplante de córnea me garantiria continuar vendo.
Com quase 40 anos, operei. Por um ano e dois meses, enxerguei como nunca antes na minha vida. Mas, a partir daí, a córnea foi se apagando, e fiquei totalmente cego. Perdi a perspectiva de ter alegria, caí em depressão.
Agora, aos 52 anos, pegando onda, graças ao auxílio do pessoal da ONG, sinto que estou me renovando. O gosto da infância e a vontade de ser feliz voltaram. Vou me casar de novo, fiz novos amigos, tenho uma nova realidade.
Pego três ônibus para chegar até a praia, mas não troco esse prazer por nada.
Se não venho toda semana, fico meio "jururu". Todas as praias do Brasil tinham de ser acessíveis, do jeito que o pessoal daqui faz. Isso muda a realidade das pessoas.


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