São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2011

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MINHA HISTÓRIA
MARIA PAULA BARBOSA, 38


'Todos me ajudaram e eu passei a me enxergar de outra forma'

Auxiliar de limpeza fala sobre a recuperação de seus dois filhos

RAQUEL BOCATO

DE SÃO PAULO

Tive sete filhos e nunca vi a desnutrição neles. A imagem que temos de crianças desnutridas é a daquelas magrinhas da África. A gente nunca imagina que isso pode acontecer com um filho.
Só comecei a ter ideia de que havia algo errado após uma internação do mais novo, Jackson, hoje com 8 anos. Ele havia nascido com 3,5 kg e, com três meses, pesava 3,1 kg. Amamentava e, na minha cabeça, fazia tudo direito.
Vivíamos em hospitais por causa da bronqueolite.
Quando os médicos quiseram entubá-lo, pensei: perdi meu filho. Ele estava em fase terminal. Foi um mês e 18 dias internado e com passagem pela UTI. Lá, um médico comentou sobre o Cren.
Trouxe o Jackson e o Julio Cesar ao Cren. Os dois estavam desnutridos. Eu carregava-os nos braços, pequenos, no ônibus e no metrô lotados.
Deixava-os no Cren e sabia que receberiam comida e atenção. Eles me ensinavam o que fazer, chegavam a encher minha paciência.
Foi um período difícil, em que eu apanhava. Meu ex-marido me batia na boca.
Sem dentes, ele dizia, ninguém olharia para mim. Eu tinha desgostado de mim. Trabalhava catando lixo, meu marido não ajudava. Sustentava a casa com R$ 800.
Uma vez, a coordenadora me chamou. Disse que mandaria o juiz tirar de mim a guarda do Jackson.
Ela foi dura: como você explica que ele volte mais magro do que saiu daqui em menos de um dia? Foi preciso.
Mas eles não cuidavam só dos dois. Eu também recebia atenção -não viravam a cara para mim. Quando decidi pela separação, todos me ajudaram. Eu tinha muito apoio.
Nos encontros com os pais, eu não me soltava. Até que pensei: por que vou ficar muda? Falei e me senti segura.
Levaram meus filhos e eu ao Playcenter e tive curso de culinária. Aprendi a fazer pratos diferentes e passei a me olhar de outra forma.
Eu me separei, e o Julio Cesar recebeu alta da semi-internação dois anos depois. Hoje trabalho na limpeza do Instituto do Sono, da Unifesp.
O Jackson é uma joia rara -não vive mais no hospital, mas ainda não está totalmente recuperado. Ele deve receber alta daqui a pouco.


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