São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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Darwin do esporte

Televisão dita evolução de todos os esportes, além de estabelecer regulamentos e horários de competições

RODRIGO MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Manhã de 8 de junho. Mais de 10 mil pessoas lotam o ginásio do Ibirapuera para assistir a jogo da seleção brasileira de vôlei pela primeira fase da Liga Mundial. Ingressos entre R 40 e R 60 nas mãos de cambistas. A partida dura uma hora, com vitória fácil sobre a Coréia do Sul.
Ao lado, nos mesmos complexo esportivo e horário, cerca de cem pessoas (a maioria, atletas) acompanham o Campeonato Sul-Americano de atletismo. A entrada é gratuita. O evento dura o dia inteiro e conta com boa parte das estrelas brasileiras da modalidade.
A partida de vôlei tem transmissão ao vivo pela TV Globo. O atletismo não é exibido por nenhuma emissora.
Dona dos direitos dos dois esportes, a Globo os trata de forma diferente. Transmite quase todos os jogos da seleção na Liga e alguns da Superliga. Do atletismo, só o Grand Prix nacional e o Troféu Brasil.
Por que a diferença? Os preteridos reclamam? Pelo contrário. Comemoram cada segundo que seu esporte aparece na TV. "Passamos a crescer a partir do momento em que o Grand Prix foi para a TV aberta", conta o presidente da Confederação Brasileira de Atletismo, Roberto Gesta de Mello.
A necessidade de aparecer na Globo não se deve aos valores dos direitos de transmissão. A confederação de vôlei, por exemplo, ganhou R 1,6 milhão da TV em 2006 _recebe 15 vezes mais com patrocínios.
Os preciosos segundos de exposição, no entanto, são muito mais do que boa parte desses esportes já teve. Atraem patrocinadores, mudam camisas, batizam times e transformam atletas em profissionais.
Um processo que o futebol viveu há mais de 30 anos e que hoje faz o Campeonato Brasileiro custar para TV algo como 200 temporadas de vôlei.
Também levou tempo. Da plena profissionalização até as cifras astronômicas, o futebol gastou duas décadas. De 1987, quando a Copa União foi negociada por US 5,4 milhões à Globo (valor atualizado pela inflação), o preço do Nacional chegou a US 184 milhões (R 300 milhões) em 2007.
Hoje, a TV significa 30% da renda dos grandes clubes brasileiros e alavanca outros 15% de patrocinadores. A dependência é ainda maior por conta de adiantamentos feitos diretamente junto à emissora ou por intermédio de federações.
Na Europa, esses percentuais rivalizam com os ganhos provenientes das bilheterias, o que deixa os clubes menos atrelados à vontade da TV.
Se nem o poderoso futebol escapa dos caprichos da grade de programação, esta já dita o ritmo e a duração de vários esportes. E, nesse item, o Brasil já faz escola, ao reinventar esportes voltados para a sua exploração comercial, caso do beach soccer e do vôlei de praia.
A empresa Octagon Koch Tavares elaborou regras para esses esportes se enquadrarem a um modelo atrativo à televisão: intervalos para o break comercial, regras para facilitar gols e pontos e duração de no máximo uma hora. O pacote se completa com o predomínio de brasileiros nas modalidades.
Resultado, o beach soccer já recebeu aval da Fifa e aguarda Mundiais na Europa, assim como campeonatos locais naquele continente. Caminho semelhante ao trilhado pelo vôlei de praia, também modificado e recriado pela Octagon e oferecido à Federação Internacional de Vôlei _chegou à Olimpíada em 1996, com duplas nacionais subindo ao pódio desde então.
"Pensamos em criar uma Olimpíada de esportes de verão, com tênis e handebol de areia", conta Luis Felipe Tavares. "Nunca consegui colocar o tênis na Globo por não ter como controlar a duração da partida. Nem no tempo do Guga", diz o executivo, ao explicar a opção por esportes recriados.
Essa realidade é questionada pela Record, principal concorrente da Globo, que entende ser artificial a criação de uma modalidade para a TV. Mas o seu ideal de relação com o esporte também prevê ingerência da televisão na competição.
Para o diretor-executivo da emissora paulista, Eduardo Zebini, o formato das competições deve ser discutido com a televisão. A identificação de equipes de esportes olímpicos com cidades ou clubes de futebol também é defendida pelo executivo. "Acho que tem de haver um acordo para trabalhar o esporte e divulgá-lo. Não é só o evento", afirma Zebini, que derrotou a rival na corrida pelos direitos de TV das Olimpíadas de 2012 e 2016.
Procurado pela Folha, o diretor da Globo Esportes, Marcelos Campos Pinto, não respondeu às ligações.
Em meio a essas discussões, os atletas têm pouco espaço para opinar sobre formatos, horários de eventos ou regras.
"Já fizemos diversos pedidos para tirar jogos das 11h, até na Justiça. Nem sempre conseguimos", diz o vice-presidente da Federação Nacional dos Atletas, Rinaldo Martorelli, sobre jogos de futebol e vôlei.
Em nenhuma ocasião, a TV atendeu ao pleito.


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