São Paulo, quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

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EU ODEIO

Tudo parece óbvio demais

NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA

Sim, Madonna muda a cada temporada. É fato. Ela já foi a "material girl" no fim da era Reagan (e existe coisa mais adequada?) e agora é uma mãe de família zen nos tempos de Barack Obama. Madonna sempre está no topo. E isso é considerado uma de suas maiores qualidade pelos seus fãs.
Para estar no topo é preciso, de fato, se transformar. O que se esquece é que "mudar sem parar" é obedecer a regras de um mercado competitivo, capitalista e cruel -"se você não se reinventar, está ferrada" é a idéia. Então, melhor tratar sua própria pessoa/personagem como uma coleção de moda, uma daquelas feitas pelos estilistas que Madonna consome e ostenta com orgulho.
Existe coisa mais careta do que ter de mudar sempre e se sentir obrigada a ficar no olimpo? Pensando em termos roqueiros: Iggy Pop, rebolando loucamente aos 61 anos, por acaso mudou? Precisou disso?
Não. Mas Madonna precisa. E sabe fazer isso muito bem. A cantora brincou de suruba esteticamente perfeita em "Justify My Love"; usou sutiãs metalizados de Jean-Paul Gaultier e hoje faz acrobacias de ioga. Tudo com perfeição. Existe coisa mais careta do que fazer tudo com perfeição? Quem faz tudo de forma "perfeita" por acaso faz alguma coisa de verdade?
Madonna faz tudo tão bem-feito que até engana. Se é para casar, ela casa. De maneira careta, em um castelo. Se é para ter família, ela tem uma daquelas de comercial de margarina.
Para isso, posa com os filhos no campo da Inglaterra tal qual uma duquesa sem título e de quebra escreve livros infantis. E se é para ser espiritualizada, ela é. E como. Encontrou a cabala, a ioga -é uma alma elevada. Tão "desapegada" das coisas materiais que precisa levar uma academia de ginástica completa em um avião quando viaja para fazer um show.
Deve ser chato mudar sempre. Principalmente mudar e ter de continuar "linda e jovem". Madonna se transforma. Mas não deixa transparecer os 50 anos, comemorados mundo afora com frases do tipo "Nossa, ela é poderosa, está tão bem para a idade". Mas desde quando é prova de poder não poder ostentar no rosto a idade?
Tudo parece muito óbvio. Nada mais adequado para a cantora-símbolo do sonho americano (ela veio do nada, lembrem-se, comia lixo e hoje tem um castelo graças ao seu "próprio esforço"). Apesar de tão espiritualizada, Madonna não poderia deixar de ser exemplo da indústria do botox e da cirurgia plástica. Um caminho óbvio para quem já estrelou musical hollywoodiano e foi contra a liberação de suas músicas pela internet. Uma vez "material girl", para sempre "material girl". E, pelo menos nisso, Madonna não muda.


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