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EU ODEIO
Tudo parece óbvio demais
NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA
Sim, Madonna muda a cada
temporada. É fato. Ela já foi a
"material girl" no fim da era
Reagan (e existe coisa mais
adequada?) e agora é uma mãe
de família zen nos tempos de
Barack Obama. Madonna sempre está no topo. E isso é considerado uma de suas maiores
qualidade pelos seus fãs.
Para estar no topo é preciso,
de fato, se transformar. O que
se esquece é que "mudar sem
parar" é obedecer a regras de
um mercado competitivo, capitalista e cruel -"se você não se
reinventar, está ferrada" é a
idéia. Então, melhor tratar sua
própria pessoa/personagem
como uma coleção de moda,
uma daquelas feitas pelos estilistas que Madonna consome e
ostenta com orgulho.
Existe coisa mais careta do
que ter de mudar sempre e se
sentir obrigada a ficar no olimpo? Pensando em termos roqueiros: Iggy Pop, rebolando
loucamente aos 61 anos, por
acaso mudou? Precisou disso?
Não. Mas Madonna precisa.
E sabe fazer isso muito bem. A
cantora brincou de suruba esteticamente perfeita em "Justify My Love"; usou sutiãs metalizados de Jean-Paul Gaultier
e hoje faz acrobacias de ioga.
Tudo com perfeição. Existe coisa mais careta do que fazer tudo
com perfeição? Quem faz tudo
de forma "perfeita" por acaso
faz alguma coisa de verdade?
Madonna faz tudo tão bem-feito que até engana. Se é para
casar, ela casa. De maneira careta, em um castelo. Se é para
ter família, ela tem uma daquelas de comercial de margarina.
Para isso, posa com os filhos
no campo da Inglaterra tal qual
uma duquesa sem título e de
quebra escreve livros infantis.
E se é para ser espiritualizada,
ela é. E como. Encontrou a cabala, a ioga -é uma alma elevada. Tão "desapegada" das coisas
materiais que precisa levar
uma academia de ginástica
completa em um avião quando
viaja para fazer um show.
Deve ser chato mudar sempre. Principalmente mudar e
ter de continuar "linda e jovem". Madonna se transforma.
Mas não deixa transparecer os
50 anos, comemorados mundo
afora com frases do tipo "Nossa, ela é poderosa, está tão bem
para a idade". Mas desde quando é prova de poder não poder
ostentar no rosto a idade?
Tudo parece muito óbvio.
Nada mais adequado para a
cantora-símbolo do sonho
americano (ela veio do nada,
lembrem-se, comia lixo e hoje
tem um castelo graças ao seu
"próprio esforço"). Apesar de
tão espiritualizada, Madonna
não poderia deixar de ser
exemplo da indústria do botox
e da cirurgia plástica. Um caminho óbvio para quem já estrelou musical hollywoodiano e
foi contra a liberação de suas
músicas pela internet. Uma vez
"material girl", para sempre
"material girl". E, pelo menos
nisso, Madonna não muda.
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