São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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ALIANÇAS

Coalizão de FHC começou e terminou com o Plano Real

Alan Marques - 17.set.2002/Folha Imagem
MANDATO DUPLO O presidente desce rampa no Palácio da Alvorada, no final de seu segundo mandato; o Real permitiu sua eleição em 1994 e sua recondução ao cargo; a desvalorização da moeda em 1999 derrubou a taxa de aprovação de FHC e prejudicou o desempenho dos partidos governistas nas eleições de 2000 e de 2002

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A coalizão que sustentou o presidente Fernando Henrique Cardoso começou com o Plano Real, em 1993. Terminou agora, em 2002, quando a moeda passa pela sua maior crise, com a inflação chegando à casa dos 10%. No campo político, a aliança fernandista tem uma uma outra coincidência: começou e terminou com e por causa do PFL (Partido da Frente Liberal), egresso da antiga Arena (Aliança Renovadora Nacional), que deu sustentação ao regime militar (1964-1985). "O PFL foi a primeira força que decidiu, de forma orgânica, apoiar o Plano Real, ainda em dezembro de 1993", relata o presidente nacional do PSDB, deputado federal José Aníbal.
No ano seguinte, em 1994, o PFL também entrou na candidatura de FHC na frente dos outros. Ganhou a vaga de candidato a vice-presidente, que ficou com o pernambucano Marco Maciel.
Em 2000, foi o PFL que começou a se afastar da aliança fernandista por causa dos desentendimentos entre o então senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e FHC. A coalizão nunca mais funcionou como no início, até que acabou em definitivo na disputa presidencial deste ano.
Há controvérsia entre os políticos sobre se o PFL se afastou, foi afastado ou um pouco das duas coisas. Há quase um consenso, porém, sobre o fato de as disputas pelas presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro de 2001, terem funcionado como a ignição definitiva para a crise política na coalizão que sustentou FHC.
PFL, PMDB e PSDB não se entenderam em 2001. Havia um acordo tácito entre essas siglas. O PSDB, por ter o Palácio do Planalto, sempre se afastava das disputas pelas presidências da Câmara e do Senado, que eram ocupadas em rodízio por PFL e PMDB.
Como no Senado houve um desentendimento sobre quem seria o presidente da Casa (ACM defendia o ex-presidente da República José Sarney; a cúpula do PMDB desejava o então senador pelo Pará Jader Barbalho), o equilíbrio político se desfez. Para vencer com Jader -que depois renunciou ao mandato, enredado em acusações de corrupção-, o PMDB fez um acordo com o PSDB. Essas duas siglas alijaram o PFL. Jader ganhou a presidência do Senado. Na Câmara, venceu o tucano mineiro Aécio Neves.
Foi uma humilhação para ACM e para o PFL, cujo líder na Câmara, Inocêncio Oliveira (PE), teve uma derrota não programada. Depois dessa disputa, a coalizão nunca mais foi a mesma. Transformou-se em uma sombra do que havia sido nos quatro primeiros anos de mandato de FHC.

A maior aliança
Em 1994, FHC teve três partidos principais ao seu lado: PSDB, PFL e PTB. Foi suficiente para vencer no primeiro turno. Em 1998, o tucano montou a mais ampla coalizão da história moderna brasileira. Além de ter PSDB, PFL, PTB e PPB oficialmente, conquistou o apoio informal da maioria do PMDB. Dessa forma, FHC teve a seu lado tanto os principais partidos surgidos da Arena (PFL e PPB), como os grupos mais fortes saídos do MDB (PMDB e PSDB).
Em São Paulo, propagandas impensáveis eram vistas em 1998. Em alguns outdoors, FHC aparecia ao lado do candidato do PPB ao governo paulista, Paulo Maluf. E outros cartazes, o tucano ficava com o concorrente de Maluf, o candidato do PSDB, Mário Covas.
"Em 98, o presidente Fernando Henrique praticamente obrigou o PFL a apoiar Paulo Maluf para o governo de São Paulo. Pediu a mim e ao Bornhausen. Acertou tudo com Maluf em um jantar no Alvorada", relata ACM. Interessava a FHC em 1998 ter o mínimo de candidatos competitivos na disputa presidencial. A rigor, só foram três: o tucano, Lula (PT) e Ciro Gomes (PPS). Foi o suficiente para repetir a vitória no primeiro turno, como ocorrera em 1994.
Uma característica do presidente surgiu desses episódios. Para muitos, FHC não cumpria suas promessas políticas. "Ele me traiu no segundo turno de 1998. Gravou uma declaração de apoio vigoroso ao Covas. Não recomendo a ninguém fazer um acordo com FHC sem ter, no mínimo, 30 testemunhas. Com todas as testemunhas assinando", diz Paulo Maluf.

Hegemonia tucana
Com FHC reeleito, parecia que estava a pleno vapor a idéia de manter os tucanos por 20 anos no poder, como imaginara Sérgio Motta, ministro das Comunicações de FHC que morreu em abril de 1998. Mas fatos imprevistos, dificuldades econômicas e falta de habilidade política de integrantes da aliança acabaram impedindo o plano tucano de ir em frente.
Apesar da reeleição, em 1998 já havia um prenúncio forte de problemas. Um fato inesperado em abril daquele ano: morreram Sérgio Motta e o deputado federal Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA). Luís Eduardo era a grande perspectiva de poder dos pefelistas. Sua morte deixou um vácuo político nunca preenchido no partido. Abriu-se espaço para o PSDB avançar sua pretensão de hegemonia dentro da aliança.
Quando FHC tomou posse, em 1999, o real foi desvalorizado e a economia passou a ser um problema, não mais uma solução para os políticos. Em 2000, o PT teve ampla vitória nas eleições municipais, ficando com seis capitais (São Paulo, Recife, Porto Alegre, Belém, Goiânia e Aracaju).
A popularidade do presidente arrastou-se em patamares inferiores aos do primeiro mandato. A aprovação do governo FHC, que havia alcançado 47% em dezembro de 1996, caiu para 13% em setembro de 1999 e nunca superou os 31% no segundo mandato.
Quando 2002 chegou, PSDB sofreu com uma cizânia interna a respeito de quem deveria ser o candidato à Presidência. Venceu a parada o senador José Serra (SP). Nunca conseguiu unificar a sigla em torno do seu nome. A conjuntura também não ajudava.
No final de 2001, o PFL defendeu que os partidos fernandistas fizessem uma prévia interna para escolher o melhor presidenciável. A reação tucana foi de desdém.
"O critério do PFL pressupunha candidatos de fora do PSDB. Eu sempre deixei claro para eles que era impensável o PSDB não ter candidato a presidente", diz o presidente tucano, José Aníbal.
O PSDB passou também a demonstrar uma preferência por um candidato a vice-presidente do PMDB: o PFL ficaria de fora. Os pefelistas reagiram. Lançaram a candidatura de Roseana Sarney, inviabilizada quando surgiu a acusação de desvio de verbas.
José Aníbal nega ter havido preferência pelo PMDB. "Só houve um desgaste na relação com o PFL", diz. Para o deputado federal Roberto Brant (PFL-MG), um ex-tucano e hoje um dos nomes relevantes dentro do mundo pefelista, ocorreu algo diferente: "Foi uma marcha da insensatez. Os tucanos nasceram do PMDB e achavam que a aliança com esse partido seria mais apropriada no jogo das aparências, mais chique".
Para o pefelista, o presidente da República foi omisso durante o processo de deterioração da aliança: "É claro que ele se omitiu. Ainda quando eu estava no PSDB sofri uma humilhação. Fizemos um bloco com o PTB. Sérgio Motta e Luís Eduardo Magalhães foram a FHC e o presidente desfez o bloco em seis horas para não atrapalhar o equilíbrio da coalizão. No caso da candidatura do Aécio a presidente da Câmara, fomos ao presidente e ele não fez nada, disse que era tarde demais. Mas não era".

Maioria episódica
Apesar de ter tantos partidos pendurados a seu lado no governo, FHC só teve maiorias episódicas no Congresso. Sempre negociava no varejo, deputado a deputado, senador a senador, para conseguir aprovar reformas polêmicas. Em 1997, quando ficou conhecida a compra de votos de deputados para a aprovação da emenda da reeleição, foi preciso impedir a instalação de uma CPI.
Os deputados envolvidos no caso renunciaram. A CPI nunca foi instalada e não se sabe até hoje, de forma definitiva, quem comprou os votos. Os deputados citavam o então ministro Sérgio Motta, que negou o envolvimento à época.
Para abafar o problema, não bastou ter a maioria teórica no Congresso. O PMDB teve de ser trazido oficialmente para o governo tucano, ganhando dois ministérios: a pasta da Justiça (que foi para o senador goiano Iris Resende) e a dos Transportes (para o deputado gaúcho Eliseu Padilha).
"O país é tecnicamente ingovernável, pois os partidos não são organizados. Não adianta negociar posições com os líderes partidários", diz o deputado federal eleito Luiz Carlos Santos (PFL-SP), que foi ministro de Assuntos Políticos de FHC. "A cada votação importante é necessário construir uma nova maioria. Você entrava no plenário e já apareciam os deputados com um papelzinho na mão perguntando: "Já resolveu isso?". Enquanto não se resolvessem esses problemas de interesse pessoal dos deputados, não se votava nada", relata Luiz Carlos Santos.
A aliança de FHC sobreviveu enquanto o Real, em alta, ajudava a administrar o varejo congressual. Quando os políticos farejaram o fim, ela se desfez. Quem resume o quadro é Aécio Neves: "Toda coalizão sobrevive por causa da perspectiva de poder. Muitos não enxergaram na candidatura Serra essa perspectiva".


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