São Paulo, sexta, 20 de junho de 1997.



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Vinho deve ter sido descoberto por acaso

Bebida é conhecida pelo homem há 7.000 ou 8.000 anos, era utilizada nos rituais funerários do Antigo Egito e esteve ligada a divindades gregas e romanas; segundo a Bíblia, o primeiro milagre de Cristo foi transformar água em vinho


Muitas invenções do homem deram-se por acaso. É o que deve ter ocorrido com o vinho, que, mais do que uma invenção, foi uma descoberta. Como é um produto tão natural que independe da mão humana, é possível que, um belo dia, alguém tenha armazenado _numa sacola, talvez_ uvas que, esmagadas e fermentadas, viraram vinho.
Isso provavelmente ocorreu há 7.000 ou 8.000 anos, no Oriente Médio. Após o acidente, não deve ter demorado para que se percebesse o valor da descoberta. A princípio, etílico: era mais fácil acostumar-se à idéia de ter à mão uma bebida alcoólica simples de obter do que apreciar um sabor tão novo. Aliás, os gregos misturavam de água do mar a ervas e mel a seus vinhos (hábito retomado na Idade Média) para ajudar a conservá-lo ou disfarçar o sabor.
A região do Mediterrâneo foi o grande centro de difusão do vinho. A‘‘Ilíada’’ e a ‘‘Odisséia’’, poemas gregos anteriores ao século 7 a.C., mencionam o vinho como produto corrente. Os gregos, à medida que expandiam seu domínio, faziam crescer a cultura da uva e do vinho. Com os romanos, ocorreria o mesmo. Tanto gregos como romanos tiveram divindades enófilas, Dionísio e Baco.
Cristo foi um cultuador da bebida, que produziu a partir da água por meio de um milagre e utilizou para simbolizar seu sangue. Na Idade Média, a Igreja Católica, que já pregava o consumo litúrgico da bebida, adotou a produção. Os hoje preciosos vinhedos da região da Bourgogne francesa nasceram como fonte de vinho de missa. Antes disso, a introdução dos tonéis de madeira, atribuída aos gauleses, transformou os métodos de vinificação. No século 17, garrafas de vidro (antes usadas só para servir) deram novas possibilidades de conservação e transporte da bebida.
Na segunda metade do século 19, o cientista francês Louis Pasteur explicou o milagre: a ação das leveduras (tipo de bactéria) sobre o açúcar da uva transformava-o em álcool e gás carbônico _e o suco da uva, em vinho. Nessa época, a viticultura sofria com o filoxera, inseto que dizimou os vinhedos europeus. Até hoje não se sabe como eliminar o pulgão que ataca as raízes, mas se aprendeu a evitá-lo. As parreiras americanas de uva de mesa resistiam a ele; assim, foi replantado todo o vinhedo europeu, usando pés de parreira americana e enxertando-se parreiras européias da vitis vinifera, a variedade própria para o fabrico de vinho. Salvou-se o vinhedo e preservou-se o vinho.
No Brasil, as parreiras foram introduzidas em São Vicente, no século 16, por Brás Cubas; imigrantes italianos, ao fixarem-se na serra Gaúcha, no fim do século 19, inauguraram a que seria a principal região vinícola do país.
Países produtores surgiram em todo o planeta, em especial nas de mesma latitude e semelhantes condições climáticas de vinhedos tradicionais. Como se vê, o vinho acompanha o homem desde seus primórdios. E, se o homem destruir a humanidade, como vem tentando tenazmente, ao menos que tenha ao lado uma taça de vinho para seu último consolo. (JOSIMAR MELO)



A Folha utiliza, neste caderno, as grafias originais dos vinhos e regiões produtoras. A não-adoção das grafias em português tem por objetivo facilitar o entendimento dos dados que o leitor encontrará inscritos nas garrafas de vinho.




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