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Brasileiros soltam a língua
Ficou mais fácil falar de sexo, só que essa "naturalidade" traz também a
obsessão com performance, nova medida de todas as coisas
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Se há algo que não varia muito entre diferentes culturas e
épocas são as maneiras de fazer
sexo: embora o repertório de
papéis, posições e parafilias
possíveis seja extenso, ele é finito. O que muda bastante é a
forma como cada sociedade e
cada geração lidam com o sexo:
os comportamentos que consideram aceitáveis ou desviantes,
o grau de repressão sobre os últimos, a liberdade com que se
fala do assunto. Aqui, as possibilidades são quase ilimitadas.
A comparação da mais recente pesquisa Datafolha sobre a
sexualidade do brasileiro com
sua versão anterior, de 1997,
mostra que, ao longo desses 12
anos -um período curto em escala histórica-, não houve
grandes reviravoltas. O traço
mais marcante é que as pessoas
passaram a discutir o sexo com
maior desembaraço.
Como mostra o quadro ao lado, houve uma notável queda
na proporção dos que se recusaram a responder a alguma
pergunta. Um exemplo: em
1997, 23% haviam se negado a
revelar com quantos anos tiveram sua primeira relação sexual; em 2009, esse número se
reduziu para apenas 4%.
Uma vez que a pesquisa não
traz elementos que expliquem
tal mudança de comportamento, só se pode especular sobre
as suas causas. O principal suspeito é, como quase sempre, a
televisão -a um só tempo sintoma e agente multiplicador
das novas ideias em circulação.
Ao longo da última década,
proliferaram os programas nos
quais especialistas secundados
por mulheres bonitas (ou vice-versa) respondiam a dúvidas
dos telespectadores sobre a sexualidade, que era invariavelmente apresentada sob um
prisma higiênico: fazer sexo,
desde que devidamente protegido pela doravante indefectível barreira de látex, é bom para
a saúde física e mental.
Exceto por duas ou três categorias que permanecem tabu,
como a pedofilia e o estupro, todas as modalidades de sexo são
retratadas como normais e
aceitáveis. No discurso do "establishment", a moral sexual
saiu da alçada dos padres para
ser decidida pelos médicos ou,
nos casos extremos, pelo juiz.
Estamos decerto melhor
agora do que antes. E isso é especialmente verdade para mulheres, homossexuais e entusiastas de práticas que não
eram muito bem vistas pelos
catecismos dos religiosos.
Não dá, entretanto, para imaginar que essa naturalização do
discurso sexual ocorra sem
consequências. Como mostra
muito bem o jornalista e escritor francês Jean-Claude Guillebaud em seu "A Tirania do Prazer", a transformação do sexo
em "função orgânica" também
converte o prazer numa espécie de obrigação.
Essa "corveia" sexual, para
empregar o termo de Guillebaud, quando colocada em paralelo com o caráter quantificante das sociedades de mercado, transforma a performance
na medida de todas as coisas.
Essa chave interpretativa
ajuda a explicar vários aspectos
da pesquisa. Um bom exemplo
é o salto de 15% para 41% na fatia dos que alegam que suas relações sexuais duram entre 30
minutos e uma hora. Outro é o
aumento de 18 pontos percentuais na proporção dos que
afirmam sempre atingir o orgasmo, em que pese a grande
diferença observada nas declarações de homens (76%) e mulheres (39%)nesse quesito.
O problema com essa excessiva medicalização do sexo é
que ela esconde a importância
antropológica de uma moral
sexual, qualquer que seja o seu
conteúdo. Desde que o ser humano no curso de sua evolução
abandonou o ciclo biológico do
cio, a cultura substituiu a fisiologia na regulação do sexo. E é
no mínimo irrealista imaginar
que possamos viver com pouco
ou nenhum tipo de limite.
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