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O tabu da masturbação resiste
Maioria diz que se masturbar é "saudável e natural", mas não assume
a prática; dificuldade com o tema é mais gritante entre as mulheres
EDITORA DO VITRINE
Inacreditável. Sessenta por
cento da população do país não
se masturba. A maioria dos brasileiros pesquisados reconhece
que a prática é "saudável e humana", mas não a admite, na
hora de preencher o questionário sobre os próprios costumes.
As mulheres elevam a taxa da
população brasileira que supostamente não se toca: 78%
disseram não ter o hábito. Entre os homens, metade afirmou
o contrário.
"Esse resultado só mostra
que a mulher ainda não pode
falar no tema", diz a antropóloga Mirian Goldenberg. A psicanalista Regina Navarro Lins
acrescenta: "Embora elas se
masturbem menos que os homens, não é nessa proporção
que aparece na pesquisa".
Pelo menos nas regiões mais
desenvolvidas do país, as mulheres estão se masturbando
mais, "ainda com muita culpa",
fala a psicanalista. No raciocínio dela, um termômetro é o
crescimento do mercado de sex
shops, "que têm muito mais objetos para as mulheres".
Na última década, o homem
deixou de ser o maior alvo dos
sex shops -talvez por isso muitas lojas adotem agora a classificação de "butique erótica".
Nesse negócio, que cresce 15%
ao ano, o público feminino já
responde por mais de 70% das
vendas, segundo a Associação
Brasileira do Mercado Erótico.
"As brasileiras compram esses produtos para a masturbação. Poucas têm coragem de
usá-los com o companheiro,
porque ele compete com o vibrador, acha ofensivo. São tantas que não têm coragem de potencializar seu prazer nem sozinhas, quanto mais com parceiros", diz Navarro Lins.
Os números acanhados da
masturbação feminina impressionam até o psiquiatra Joel
Rennó Júnior, coordenador do
Pró-Mulher do Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas. "É surpreendente perceber que, apesar das conquistas
dos últimos anos, o tabu persiste." Ele diz ainda ver, na prática
clínica, homens chocados ao
descobrir que suas parceiras
também se divertem sozinhas.
A dificuldade de admitir a
masturbação é a dificuldade de
admitir a importância do prazer na vida, na tradução didática da educadora Maria Helena
Vilela, do instituto Kaplan
-Centro de Estudos da Sexualidade Humana. "Para a mulher
que não se estimula sozinha, é
mais difícil aprender a gozar
numa relação a dois", lembra.
A mulher não pratica ou não
assume a masturbação porque
não pode mostrar que gosta de
sexo. "É evidente que a mentalidade mudou muito, mas a
mudança de comportamento é
bem mais difícil. Predomina
ainda a crença do século 19 de
que mulher séria não gosta de
sexo", diz a psicanalista.
É por isso também, segundo
ela, que algumas não transam
no primeiro encontro, ou não
telefonam para o homem do
seu interesse. Agem por condicionamento e estratégia, para
não ""assustar" o homem com
sua autonomia sexual, para evitar o julgamento e o descarte.
"Algumas fingem tanto que
acabam se convencendo de que
não gostam de sexo", afirma.
Rennó reforça: "Mesmo que
não se dê o direito ao prazer, toda mulher saudável, tenha a
idade que tiver, gosta tanto de
sexo quanto o homem".
Dar e receber
Pode ser. Mas eles gostam
muito mais de sexo anal do que
elas. Embora 57% das mulheres afirmem praticar essa variação, mais da metade dessas
declaram não gostar. Entre os
homens, 72% praticam, 22%
dos quais dizem não gostar.
"Homens têm fixação no
ânus, relatam que é mais apertado e quente que a vagina, por
isso a relação seria mais prazerosa", diz Vilela. Segundo a
educadora, a resistência maior
da mulher está ligada ao fato de
que essa prática exige dela um
nível muito alto de excitação,
para ultrapassar o desconforto.
Outro problema para a mulher é que o sexo anal ainda tem
conotação pejorativa, socialmente. "É mais sacana. Exatamente por aí que estimula mais
o homem", analisa Vilela.
Os homens também se divertem muito mais fazendo sexo
oral nas parceiras, do que elas,
neles. A pesquisa mostrou que
81% deles praticam a modalidade e que só 14% desses não
gostam. Entre as mulheres,
72% praticam, mas 24% dessas
disseram não gostar. Por que
fazem, então? "Porque é dando
que se recebe", brinca Maria
Helena Vilela.
(HELOÍSA HELVÉCIA)
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