São Paulo, domingo, 21 de fevereiro de 2010

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Sobra sexo no imaginário e falta na vida

Vida íntima de brasileiros sem parceiro fixo não é assim aquela loucura que se poderia esperar

BIA ABRAMO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Talvez não seja impossível ser feliz sozinho, nem o amor seja mais tão fundamental assim. Tom Jobim escreveu os famosos versos de "Wave" (""fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho") em 1967, na aurora da revolução sexual. Depois, vieram a pílula e a lei do divórcio; a moral afetiva e sexual liberalizou-se.
Nesse ambiente menos reprimido, era de se esperar que homens e mulheres adultos e livres tivessem mais oportunidades de fazer sexo. Será?
Nem tanto: o número de brasileiros sem parceiro fixo chega a 28%, diz o Datafolha. Mais: 23% dos entrevistados não tinham mantido nenhuma relação sexual entre janeiro e setembro de 2009.
Há sexo demais no imaginário e menos na vida das pessoas? A psicanalista Maria Rita Kehl acha que sim: "O modo como a publicidade e o espetáculo em geral se apropriaram de imagens eróticas, sugestões sexuais e apelos ao gozo como "valor agregado" de todas as mercadorias acabou por tornar o sexo obrigatório", diz ela.
Segundo a psicanalista, quando o sexo vira dever -tanto faz se dever conjugal ou dever de preservar uma imagem de acordo com a norma vigente- ele, em primeiro lugar, padroniza-se, em segundo lugar, amesquinha-se. "E, por fim, deixa de ser interessante."
Entre os sem parceiro, as mulheres são maioria expressiva: 62% contra 38% dos homens. O psiquiatra Luiz Cuschnir, especialista em questões de gênero, oferece uma explicação: ""O homem tende a buscar uma parceira, mesmo que não se complete com ela afetivamente, e a manter esse relacionamento por um tempo maior", diz.
Os homens sozinhos estão em casa, ou isolados ou já comprometidos, continua. "As mulheres tendem a se expor mais a encontros sociais que podem levar a relacionamentos, mas, com uma alta frequência, reclamam que saem dessas exposições sociais sem a companhia de um homem", diz Cuschnir.
Se a vida sexual contemporânea não é assim tão auspiciosa em termos quantitativos, também não o é em termos qualitativos, sobretudo para aqueles que passaram por uma separação ou divórcio.
Separados e divorciados avaliam menos bem sua primeira experiência sexual: 23% avaliam como péssima, contra 12% entre os casados; aqueles que avaliam com ótima/boa são 54% contra 65% dos casados.
Outro dado do Datafolha: quando solicitados a dar uma nota de zero a dez para o parceiro atual, 43% dos casados atribui a nota máxima, enquanto que apenas 20% dos separados/divorciados o fazem.
Da mesma forma, mais casados do que separados/divorciados acham que a vida sexual melhora depois de ter filhos (31% contra 25%) e mais separados/divorciados afirmam que piora (23% contra 14%).
Para Maria Rita Kehl, a vida amorosa contemporânea está cercada de expectativas altas demais -e, quando vem a separação ou divórcio, produz-se uma espécie de choque de realidade. ""Não há separação sem dor, mágoa, desencanto e outras feridas difíceis de cicatrizar", explica ela.
"O amor é um ideal muito grande em nossa cultura, e seu fracasso tende a ser um golpe narcísico imenso. Sofre-se não apenas da saudade ou da perda de quem se ama ou se amou, mas do sentimento de fracasso em relação a um empreendimento no qual se aposta sempre alto demais."


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