São Paulo, quinta, 23 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Empresas de ponta esvaziam Kibutz

Niels Andreas/Folha Imagem
A arquitetura moderna caracteriza os prédios da rua Yarkon, em Tel Aviv



Milhares de cientistas recebem suporte financeiro e administrativo do governo para criar companhias com tecnologia avançada em substituição às fazendas coletivas, baseadas no ideal socialista


GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

A chave para entender a economia israelense está na bandeira do país. Bem no centro está a estrela de David. Aquele que derrotou Golias, o gigante, usando a inteligência.
A parábola bíblica virou política industrial. Já vão longe os tempos pioneiros em que o ideal socialista envolvia milhares de jovens na agricultura dos "kibutzim" (fazendas coletivas).
Hoje a economia de Israel é movida a alta tecnologia e incubadoras de empresas. Um pouco do ideal "socialista", entretanto, continua presente. Afinal, quando o Estado banca a criação de empresas, é a própria sociedade que está assumindo os custos do desenvolvimento econômico.
No lugar das antigas ondas de imigração movidas a idealismo, o problema recente é a integração de milhares de cientistas altamente qualificados. Muito mais do que as instituições acadêmicas e de pesquisa podem absorver. O modelo de incubadoras tecnológicas, espalhadas por todo o país, procura resolver esse problema.
O governo dá apoio inicial a micro e pequenas empresas formadas com pessoal qualificado. Em alguns casos, investimentos iniciais de poucas dezenas de milhares de dólares deram origem a empresas capazes de captar centenas de milhões de dólares no mercado de capitais dos Estados Unidos. As incubadoras garantem o apoio financeiro, logístico, administrativo e jurídico inicial.

Incubadoras

A empresa é inicialmente um projeto sem fins lucrativos e sempre alguma entidade pública deve estar envolvida no projeto.
Empresários, pesquisadores e consultores participam como voluntários de uma diretoria que avalia os projetos apresentados. Essa avaliação continua depois que uma empresa consegue o direito de entrar na incubadora.
As áreas de atividade das empresas estão distribuídas basicamente entre software, eletrônica, desenvolvimento de materiais e equipamento médico.
Essa estratégia de desenvolvimento industrial e tecnológico assumiu a tal ponto o caráter de compromisso nacional que a Organização Sionista Mundial e a Agência Judaica contribuem para o seu financiamento. Em alguns casos, as incubadoras fazem parte também de uma nova política de desenvolvimento regional.
Mas essa é a visão "microeconômica". Na "macro", a economia israelense continua enfrentando problemas de longo prazo.
O crescimento do PIB no ano passado foi medíocre, apenas 2%. O PIB per capita caiu 0,3%. O total de investimentos em capital fixo caiu 5,9%. Os investimentos em construção civil sofreram redução de 6,9%.
A questão fundamental é óbvia: como explicar a distância entre o desempenho macroeconômico medíocre e o quadro promissor, altamente dinâmico, de uma economia com excesso de oferta de "capital humano"?

Estagnação

Os investimentos estrangeiros estão em queda. A valorização cambial é um elemento adicional de intranquilidade. É verdade que a crise asiática atrapalhou no ano passado. Afinal, 18% das exportações de Israel estão direcionadas para o Sudeste Asiático.
Mas procurei um banqueiro em Israel (que obviamente prefere ficar anônimo) para responder à dúvida. A resposta aparece num dos seus boletins de conjuntura: um dos nós da questão é a instabilidade política e o congelamento no processo de paz. Juros altos atrapalham, mas a insegurança também.
Há outros conflitos sociais e políticos internos capazes de dificultar o bom andamento dos negócios. Um exemplo é o debate da reforma previdenciária, tão complicado em Israel quanto no Brasil. Lá, o conflito entre o Ministério da Fazenda e a Histadrut -a maior central sindical do país- é total, num contexto de desemprego crescente (no ano passado, batendo em 8%).
O desafio econômico israelense dos próximos anos é reduzir as contradições que se aprofundam entre desenvolvimento de alta tecnologia e recessão crônica, a necessidade de atrair capital e a instabilidade política, a orientação neoliberal da política econômica e o fortalecimento de políticas públicas e estratégicas com forte participação do Estado.
No curto prazo, o cenário macroeconômico é bastante desanimador. A recessão deve piorar e os setores de alta tecnologia devem perder dinamismo, tão afetados pela crise asiática quanto as empresas norte-americanas de alta tecnologia, em especial as do setor de informática.
Politicamente, o ajuste recessivo apenas complica as coisas. Há uma relação incestuosa entre a população israelense e a massa de trabalhadores palestinos. Estes não apenas estão fora das incubadoras como são os mais afetados pela crise da construção civil.
Obviamente, o aumento do desemprego entre os trabalhadores palestinos constitui um molho ideal para a mobilização terrorista na região.

Perspectivas

O futuro, entretanto, não é totalmente sombrio. A mesma receita utilizada pelos judeus nas incubadoras começa a ser usada por ninguém menos que os palestinos.
Entre os projetos mais ousados, que ganhariam impulso se o processo de paz voltasse a ganhar ritmo, estão os parques industriais, assumidos pela Autoridade Nacional Palestina como um dos seus elementos de política de desenvolvimento econômico.
A idéia é estabelecer fábricas próximas às fronteiras com Israel. O motivo é o paradoxo dos paradoxos: os principais investidores nesses projetos podem ser os próprios israelenses.
O Banco Mundial tem apoiado essas iniciativas e pode ajudar com recursos. O organismo recomenda a criação de uma Autoridade Industrial Palestina, uma agência independente que seja capaz de manter distância das interferências políticas dos dois lados. E já existem planos para instalar nove parques industriais em território palestino.
Talvez pareça um projeto ingênuo. Alguns críticos dizem que essa válvula de escape não passa de uma esperta manobra de propaganda política.
Mas David também parecia não ter chances contra o monstruoso Golias. Num ambiente de contradições sociais, econômicas e políticas crescentes, a única esperança continuará dependendo do uso da inteligência, não da violência. No mundo atual, é a economia do conhecimento que atrai dinheiro.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.