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Ontem e hoje
Conjunto residencial da USP é legado do Pan-1963; evento de 1975, cancelado no Brasil, gerou clube esportivo na universidade
DA REPORTAGEM LOCAL
O Pan de São Paulo-63 deixou um legado pouco significativo. Na época,
era comum as cidades-sedes dos Jogos utilizarem a infra-estrutura local para abrigar o evento, que tinha
uma dimensão bastante reduzida se comparada com a atual.
São Paulo costumava abrigar
eventos esportivos de médio
porte. Sendo assim, o COE (Comitê Organizador e Executivo
do Pan de 1963) optou por
aproveitar as arenas já construídas na cidade.
O único local levantado exclusivamente para os Jogos foi
a Vila Pan-Americana, localizada no campus da USP (Universidade de São Paulo).
"Antes do Pan, os atletas que
vinham competir em São Paulo
ficavam hospedados em alojamentos sob as arquibancadas
do Pacaembu ou no departamento de educação física e esporte [Defe], na Água Branca",
rememora João Roberto Leme
Simões, um dos arquitetos técnicos da construção da Vila,
que abrigou 1.665 pessoas.
"Esses lugares não tinham
condições de abrigar os atletas
do Pan. A capacidade era bem
limitada", acrescenta ele.
Usando a tecnologia de construção pré-moldada, o complexo da Vila, que conta com seis
prédios, um restaurante e uma
unidade de recepção, ficou
pronto em apenas cinco meses.
"Foi um processo rápido. Em
vez de fazer uma parede com
argamassa, os caminhões traziam as placas de fibrocimento,
parafusávamos e já estava
pronto. Com exceção da fachada lateral, não tinha paredes de
tijolo. Era algo de vanguarda."
Na falta de mão-de-obra especializada, membros das Forças Armadas foram convocados para colaborar na montagem. "Aquilo passou a ser um
formigueiro humano. Pessoas
levando as peças, outros parafusando e montando. Foi uma
operação de guerra", lembra.
De acordo com o professor,
escalado para fazer a manutenção das instalações durante os
Jogos, a obra foi entregue no
dia em que os atletas chegaram
para se hospedar. O clima na
Vila era de confraternização.
"Era uma festa. E as instalações deram condições para que
eles desenvolvessem as atividades com alegria. Havia muita
música e bate-papo. Inclusive,
foi lá que conheci a minha mulher, que era recepcionista da
Vila", recorda-se Simões.
O arquiteto teve apenas um
problema com as instalações
durante o Pan. "Os americanos
tinham mania de jogar os restos de frango que comiam nas
privadas, que entupiam."
Após o evento, a Vila do Pan
transformou-se no Crusp
(Conjunto Residencial da
USP), moradia estudantil da
universidade. E o restaurante
passou a ser utilizado como refeitório universitário, comumente chamado de "bandejão".
Atualmente, o Crusp abriga
1.300 estudantes universitários de baixa renda.
"Do ponto de vista de retorno para a sociedade, foi uma legado maravilhoso para a USP,
porque, com o Pan, a universidade teve a oportunidade de tirar o projeto do conjunto residencial com seis blocos do papel", conclui Simões.
O fiasco do Pan de 75
Os Jogos Pan-Americanos de
1975 parecem ter nascido sob o
signo da maldição. Inicialmente marcado para Santiago (Chile), não pôde ser realizado devido ao golpe militar de 1973, que
derrubou o presidente Salvador Allende. Dois dias após tomar o poder, a Junta Governamental abriu mão do Pan.
São Paulo assumiu, então, a
empreitada. Mas a aventura,
em plena ditadura militar, durou pouco. Em outubro de
1974, a cidade abdicou da promoção, alegando riscos à saúde
dos participantes do evento.
"A epidemia de meningite
nos impede de receber visitantes em São Paulo. Assim, a realização dos Jogos se tornou impossível", declarou, à época, o
major Sylvio de Magalhães Padilha, então presidente do COB
(Comitê Olímpico Brasileiro).
Nos bastidores, outra versão,
nunca confirmada oficialmente, dava conta de que as verbas
da União destinadas ao Pan haviam sido desviadas para candidaturas governistas nas eleições de 1974, na qual a oposição
obteria vitórias significativas.
O advogado Alberto Murray
Neto, 41, neto do major Padilha
(já morto), confirma ter ouvido
do avô, com quem desde criança acompanhou Olimpíadas e
Pans, a afirmação de que a falta
de verba é que foi o motivo do
cancelamento dos Jogos.
"O ministro Ney Braga, do
MEC [Ministério da Educação
e Cultura], chamou meu avô e
disse: "Acabou o dinheiro, cancele os Jogos. Você tem de dizer
que foi a meningite'", revela.
Murray destaca que "de fato
havia um surto de meningite,
mas que isso não foi primordial
na decisão, já que os Jogos
ocorreriam um ano depois".
Com a censura à imprensa vigente, as informações do cancelamento não eram claras.
A partir das desistências, a
realização do Pan assumiu o caráter de emergência para manter a tradição de sua disputa no
ano imediatamente anterior ao
da Olimpíada, que seria em
1976 em Montréal (Canadá).
A salvação veio da América
do Norte. Com conhecimento
adquirido no Pan de 1955, na
Olimpíada de 1968 e na Copa
do Mundo de 1970, o México
assumiu a tarefa, e o Pan foi
realizado na Cidade do México,
de 12 a 26 de outubro de 1975.
A Folha publicou na época
dados sobre a preparação do
evento na capital paulista. Mais
de CR$ 6 milhões (pouco mais
de R$ 12 milhões de hoje, corrigidos pelo IGP da Fundação
Getúlio Vargas) foram gastos
pelo Departamento de Educação Física e Desportos do MEC
nas obras de construção das
instalações destinadas ao Pan.
A informação foi prestada
em Brasília por autoridades daquele ministério. O total do valor estabelecido como contribuição do MEC seria de mais
que o dobro, CR$ 13 milhões.
Mesmo com a perda do direito de sediar os Jogos, São Paulo
obteve legado maior do Pan de
1975 do que da edição de 1963.
O Ibirapuera ganhou um novo ginásio de vôlei e basquete
(poliesportivo Mauro Pinheiro), que também serviria para
apresentações de ginástica artística. Além disso, a pista de
atletismo foi reformada.
Já a USP foi beneficiada com
a construção do Cepeusp (Centro de Práticas Esportivas) que
contava com um velódromo e
um estádio de atletismo, além
de conjuntos para prática de
vôlei, handebol e tênis.
(EDGARD ALVES E MARIANA BASTOS)
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