São Paulo, sábado, 23 de junho de 2007

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Ontem e hoje

Conjunto residencial da USP é legado do Pan-1963; evento de 1975, cancelado no Brasil, gerou clube esportivo na universidade

DA REPORTAGEM LOCAL

O Pan de São Paulo-63 deixou um legado pouco significativo. Na época, era comum as cidades-sedes dos Jogos utilizarem a infra-estrutura local para abrigar o evento, que tinha uma dimensão bastante reduzida se comparada com a atual.
São Paulo costumava abrigar eventos esportivos de médio porte. Sendo assim, o COE (Comitê Organizador e Executivo do Pan de 1963) optou por aproveitar as arenas já construídas na cidade.
O único local levantado exclusivamente para os Jogos foi a Vila Pan-Americana, localizada no campus da USP (Universidade de São Paulo).
"Antes do Pan, os atletas que vinham competir em São Paulo ficavam hospedados em alojamentos sob as arquibancadas do Pacaembu ou no departamento de educação física e esporte [Defe], na Água Branca", rememora João Roberto Leme Simões, um dos arquitetos técnicos da construção da Vila, que abrigou 1.665 pessoas.
"Esses lugares não tinham condições de abrigar os atletas do Pan. A capacidade era bem limitada", acrescenta ele.
Usando a tecnologia de construção pré-moldada, o complexo da Vila, que conta com seis prédios, um restaurante e uma unidade de recepção, ficou pronto em apenas cinco meses.
"Foi um processo rápido. Em vez de fazer uma parede com argamassa, os caminhões traziam as placas de fibrocimento, parafusávamos e já estava pronto. Com exceção da fachada lateral, não tinha paredes de tijolo. Era algo de vanguarda."
Na falta de mão-de-obra especializada, membros das Forças Armadas foram convocados para colaborar na montagem. "Aquilo passou a ser um formigueiro humano. Pessoas levando as peças, outros parafusando e montando. Foi uma operação de guerra", lembra.
De acordo com o professor, escalado para fazer a manutenção das instalações durante os Jogos, a obra foi entregue no dia em que os atletas chegaram para se hospedar. O clima na Vila era de confraternização.
"Era uma festa. E as instalações deram condições para que eles desenvolvessem as atividades com alegria. Havia muita música e bate-papo. Inclusive, foi lá que conheci a minha mulher, que era recepcionista da Vila", recorda-se Simões.
O arquiteto teve apenas um problema com as instalações durante o Pan. "Os americanos tinham mania de jogar os restos de frango que comiam nas privadas, que entupiam."
Após o evento, a Vila do Pan transformou-se no Crusp (Conjunto Residencial da USP), moradia estudantil da universidade. E o restaurante passou a ser utilizado como refeitório universitário, comumente chamado de "bandejão". Atualmente, o Crusp abriga 1.300 estudantes universitários de baixa renda.
"Do ponto de vista de retorno para a sociedade, foi uma legado maravilhoso para a USP, porque, com o Pan, a universidade teve a oportunidade de tirar o projeto do conjunto residencial com seis blocos do papel", conclui Simões.

O fiasco do Pan de 75
Os Jogos Pan-Americanos de 1975 parecem ter nascido sob o signo da maldição. Inicialmente marcado para Santiago (Chile), não pôde ser realizado devido ao golpe militar de 1973, que derrubou o presidente Salvador Allende. Dois dias após tomar o poder, a Junta Governamental abriu mão do Pan.
São Paulo assumiu, então, a empreitada. Mas a aventura, em plena ditadura militar, durou pouco. Em outubro de 1974, a cidade abdicou da promoção, alegando riscos à saúde dos participantes do evento.
"A epidemia de meningite nos impede de receber visitantes em São Paulo. Assim, a realização dos Jogos se tornou impossível", declarou, à época, o major Sylvio de Magalhães Padilha, então presidente do COB (Comitê Olímpico Brasileiro).
Nos bastidores, outra versão, nunca confirmada oficialmente, dava conta de que as verbas da União destinadas ao Pan haviam sido desviadas para candidaturas governistas nas eleições de 1974, na qual a oposição obteria vitórias significativas.
O advogado Alberto Murray Neto, 41, neto do major Padilha (já morto), confirma ter ouvido do avô, com quem desde criança acompanhou Olimpíadas e Pans, a afirmação de que a falta de verba é que foi o motivo do cancelamento dos Jogos.
"O ministro Ney Braga, do MEC [Ministério da Educação e Cultura], chamou meu avô e disse: "Acabou o dinheiro, cancele os Jogos. Você tem de dizer que foi a meningite'", revela.
Murray destaca que "de fato havia um surto de meningite, mas que isso não foi primordial na decisão, já que os Jogos ocorreriam um ano depois".
Com a censura à imprensa vigente, as informações do cancelamento não eram claras.
A partir das desistências, a realização do Pan assumiu o caráter de emergência para manter a tradição de sua disputa no ano imediatamente anterior ao da Olimpíada, que seria em 1976 em Montréal (Canadá).
A salvação veio da América do Norte. Com conhecimento adquirido no Pan de 1955, na Olimpíada de 1968 e na Copa do Mundo de 1970, o México assumiu a tarefa, e o Pan foi realizado na Cidade do México, de 12 a 26 de outubro de 1975.
A Folha publicou na época dados sobre a preparação do evento na capital paulista. Mais de CR$ 6 milhões (pouco mais de R$ 12 milhões de hoje, corrigidos pelo IGP da Fundação Getúlio Vargas) foram gastos pelo Departamento de Educação Física e Desportos do MEC nas obras de construção das instalações destinadas ao Pan.
A informação foi prestada em Brasília por autoridades daquele ministério. O total do valor estabelecido como contribuição do MEC seria de mais que o dobro, CR$ 13 milhões.
Mesmo com a perda do direito de sediar os Jogos, São Paulo obteve legado maior do Pan de 1975 do que da edição de 1963.
O Ibirapuera ganhou um novo ginásio de vôlei e basquete (poliesportivo Mauro Pinheiro), que também serviria para apresentações de ginástica artística. Além disso, a pista de atletismo foi reformada.
Já a USP foi beneficiada com a construção do Cepeusp (Centro de Práticas Esportivas) que contava com um velódromo e um estádio de atletismo, além de conjuntos para prática de vôlei, handebol e tênis. (EDGARD ALVES E MARIANA BASTOS)

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