São Paulo, sábado, 23 de junho de 2007

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Futurologia

O Rio em 2051

Especialistas criticam falta de aproveitamento do potencial do Pan para o desenvolvimento do Rio

MÁRVIO DOS ANJOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Previsto como alavanca do desenvolvimento do Rio, o Pan deixará à cidade pouco mais que o legado esportivo, na visão de especialistas consultados pela Folha.
As principais frustrações surgem na questão ambiental, na gestão de recursos, nos transporte, na falta de planejamento para as praças criadas e em tomadas de decisões que pouco ouviram os habitantes.
Se o Pan levou 44 anos para voltar ao Brasil, após a edição de São Paulo-63, o cenário que o Rio de Janeiro ofereceria 44 anos depois, em 2051, não seria dos mais animadores, considerando o futuro próximo conectado aos Jogos de hoje.
"Se não fosse a atuação do Ministério Público e de organizações civis as obras na Marina da Glória vedariam aos moradores a vista do Parque do Flamengo, depois de já terem derrubados árvores que faziam parte do projeto paisagístico", diz Gilmar Mascarenhas, professor do departamento de geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Para ele, que publicou em 2006 uma análise sobre o legado dos Jogos no Rio, o comitê organizador não ouviu os cariocas. "O Co-Rio se fechou. Não houve canal antes da fase de execução do projeto, que é bem mais elitista do que a candidatura olímpica de 2004."
Ele lembra que o projeto Rio-04 seguia lições de Barcelona-92: não concentrava os Jogos em uma área próspera, como faz o Pan na Barra. A Vila Olímpica seria na ilha do Fundão (zona norte), carente de investimento e áreas de lazer.
"Além disso, não havia naquele projeto a construção de um novo estádio, como o Engenhão, que nem chega a ser uma área de lazer. Ninguém quer morar do lado de um estádio, e aquelas ruas são estreitas para escoar torcidas. É diferente de ter um parque aquático."
Para quem esperou avanços ambientais, como o biólogo Mário Moscatelli, professor de gerenciamento de ecossistemas da UniverCidade, nada prometido se concretizou.
"Esperávamos uma grande melhoria, principalmente nas lagoas de Jacarepaguá, onde fica a Vila do Pan, e na aceleração da despoluição da Baía de Guanabara, mas só teve conversa. Foi escrachado o desconhecimento das autoridades", declara Moscatelli, que aponta problemas para os atletas.
"Há um canal de esgoto que passa em frente à Vila do Pan, com liberação de gás sulfídrico e metano. Isso acarreta sintomas como irritação na mucosa e cefaléia em gente que tem que estar 100%", declara.
Mesmo com os R$ 120 mil por mês gastos na retirada de lixo da baía, segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o biólogo vê apenas um legado ambiental na competição: uma estação de tratamento de esgoto, próxima à Vila, mas que só fica pronta em outubro. "O investimento na baía não tem a ver com o Pan, mas o Pan poderia catalisar os esforços."
Na área de trânsito, a previsão é de "legado zero", segundo Marcus Quintella, engenheiro de transportes do IME (Instituto Militar de Engenharia).
"Não se fez nada. A questão de transporte e trânsito é muito fácil de prever o futuro."
Para o especialista, bairros como Barra (zona oeste), Copacabana e Botafogo (zona sul), além da Tijuca (zona norte), estão perto do colapso.
"O que ficará, após o Pan, é o número maior de automóveis nas ruas, mais irregularidades no trânsito, falta de planejamento. Uma desordem", diz. Sobre a Barra, ele sugere, como alternativas para desafogar o trânsito no futuro, as linhas 4 (Centro-Zona Sul-Barra) e 6 (Barra-Penha) de metrô.
Elas eram previstas no dossiê de candidatura do Rio aos Jogos, mas não foram levadas a cabo. A solução foram linhas expressas de ônibus, conectadas ao metrô em Copacabana.
A favor do Pan, tanto o geógrafo Mascarenhas como o diretor-executivo do Rio Conventions & Visitors Bureau, entidade que fomenta o turismo no Rio, Paulo Senise, afirmam que a imagem da cidade como realizadora de grandes eventos é uma propaganda positiva.
"Com os aparelhos que foram criados, o Rio vai se tornar um pólo esportivo, o que vai atrair turistas de interesse específico", comenta Senise.
Segundo ele, já há equipes e estudantes planejando conhecer o parque aquático de Jacarepaguá, além de a cidade ter batido Istambul na briga para sediar os Jogos Mundiais Militares, em 2011, com 55 países.
"Para nós, um pernoite já pode ser contabilizado como turismo. Sem dúvida alguma isso é um legado para a cidade."
A lamentar, Senise vê só a demora nas vendas de bilhetes.
"Se tivéssemos tido nove meses a um ano de antecedência, podíamos ter captado o interesse de mercados mais distantes."
"Legados são estudos sofisticados. Se houve planejamento, desconheço", afirma Lamartine Pereira da Costa, autor do "Atlas do Esporte no Brasil" e professor da Universidade Gama Filho, que se preocupa com o uso posterior das praças.
"Uma pista de ciclismo como a do Complexo do Autódromo tem impacto continental, não existe uma assim na América Latina. Mas não vai enfiar meninos de bicicleta lá. Tem que medir custo e objetivos."
Muitos dos objetivos já estão sendo encaminhados, segundo José Antônio de Barros, coordenador do curso de pós-graduação em administração esportiva da Fundação Getúlio Vargas do Rio. A reboque do Pan, esportes menos favorecidos poderão se desenvolver.
"A exibição do esporte de nível alto o torna mais atrativo. Se você vê o Ronaldinho, vai jogar futebol", diz Barros. "É preciso ações coordenadas para usar os locais da iniciação esportiva ao alto nível. O Pan não é ponto de chegada, é de saída."
Lamartine situa a questão em outro prisma. "Candidatura não é só instalação esportiva. A principal condição é a infra-estrutura urbana. Tem que fazer uma série de obras na cidade para que possa receber as pessoas e tenha fluxo de tráfego."


Colaboraram ADALBERTO LEISTER FILHO, da Reportagem Local, e FÁBIO GRIJÓ, da Sucursal do Rio

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