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Futurologia
O Rio em 2051
Especialistas criticam falta de aproveitamento do potencial do Pan para o desenvolvimento do Rio
MÁRVIO DOS ANJOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Previsto como alavanca do desenvolvimento do Rio, o Pan
deixará à cidade pouco mais que o legado
esportivo, na visão de especialistas consultados pela Folha.
As principais frustrações
surgem na questão ambiental,
na gestão de recursos, nos
transporte, na falta de planejamento para as praças criadas e
em tomadas de decisões que
pouco ouviram os habitantes.
Se o Pan levou 44 anos para
voltar ao Brasil, após a edição
de São Paulo-63, o cenário que
o Rio de Janeiro ofereceria 44
anos depois, em 2051, não seria
dos mais animadores, considerando o futuro próximo conectado aos Jogos de hoje.
"Se não fosse a atuação do
Ministério Público e de organizações civis as obras na Marina
da Glória vedariam aos moradores a vista do Parque do Flamengo, depois de já terem derrubados árvores que faziam
parte do projeto paisagístico",
diz Gilmar Mascarenhas, professor do departamento de
geografia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.
Para ele, que publicou em
2006 uma análise sobre o legado dos Jogos no Rio, o comitê
organizador não ouviu os cariocas. "O Co-Rio se fechou.
Não houve canal antes da fase
de execução do projeto, que é
bem mais elitista do que a candidatura olímpica de 2004."
Ele lembra que o projeto
Rio-04 seguia lições de Barcelona-92: não concentrava os
Jogos em uma área próspera,
como faz o Pan na Barra. A Vila
Olímpica seria na ilha do Fundão (zona norte), carente de investimento e áreas de lazer.
"Além disso, não havia naquele projeto a construção de
um novo estádio, como o Engenhão, que nem chega a ser uma
área de lazer. Ninguém quer
morar do lado de um estádio, e
aquelas ruas são estreitas para
escoar torcidas. É diferente de
ter um parque aquático."
Para quem esperou avanços
ambientais, como o biólogo
Mário Moscatelli, professor de
gerenciamento de ecossistemas da UniverCidade, nada
prometido se concretizou.
"Esperávamos uma grande
melhoria, principalmente nas
lagoas de Jacarepaguá, onde fica a Vila do Pan, e na aceleração da despoluição da Baía de
Guanabara, mas só teve conversa. Foi escrachado o desconhecimento das autoridades",
declara Moscatelli, que aponta
problemas para os atletas.
"Há um canal de esgoto que
passa em frente à Vila do Pan,
com liberação de gás sulfídrico
e metano. Isso acarreta sintomas como irritação na mucosa
e cefaléia em gente que tem
que estar 100%", declara.
Mesmo com os R$ 120 mil
por mês gastos na retirada de
lixo da baía, segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o biólogo vê apenas um legado ambiental na competição:
uma estação de tratamento de
esgoto, próxima à Vila, mas que
só fica pronta em outubro. "O
investimento na baía não tem a
ver com o Pan, mas o Pan poderia catalisar os esforços."
Na área de trânsito, a previsão é de "legado zero", segundo
Marcus Quintella, engenheiro
de transportes do IME (Instituto Militar de Engenharia).
"Não se fez nada. A questão
de transporte e trânsito é muito fácil de prever o futuro."
Para o especialista, bairros
como Barra (zona oeste), Copacabana e Botafogo (zona
sul), além da Tijuca (zona norte), estão perto do colapso.
"O que ficará, após o Pan, é o
número maior de automóveis
nas ruas, mais irregularidades
no trânsito, falta de planejamento. Uma desordem", diz.
Sobre a Barra, ele sugere, como alternativas para desafogar
o trânsito no futuro, as linhas 4
(Centro-Zona Sul-Barra) e 6
(Barra-Penha) de metrô.
Elas eram previstas no dossiê de candidatura do Rio aos
Jogos, mas não foram levadas a
cabo. A solução foram linhas
expressas de ônibus, conectadas ao metrô em Copacabana.
A favor do Pan, tanto o geógrafo Mascarenhas como o diretor-executivo do Rio Conventions & Visitors Bureau, entidade que fomenta o turismo
no Rio, Paulo Senise, afirmam
que a imagem da cidade como
realizadora de grandes eventos
é uma propaganda positiva.
"Com os aparelhos que foram criados, o Rio vai se tornar
um pólo esportivo, o que vai
atrair turistas de interesse específico", comenta Senise.
Segundo ele, já há equipes e
estudantes planejando conhecer o parque aquático de Jacarepaguá, além de a cidade ter
batido Istambul na briga para
sediar os Jogos Mundiais Militares, em 2011, com 55 países.
"Para nós, um pernoite já pode ser contabilizado como turismo. Sem dúvida alguma isso
é um legado para a cidade."
A lamentar, Senise vê só a demora nas vendas de bilhetes.
"Se tivéssemos tido nove meses
a um ano de antecedência, podíamos ter captado o interesse
de mercados mais distantes."
"Legados são estudos sofisticados. Se houve planejamento,
desconheço", afirma Lamartine Pereira da Costa, autor do
"Atlas do Esporte no Brasil" e
professor da Universidade Gama Filho, que se preocupa com
o uso posterior das praças.
"Uma pista de ciclismo como
a do Complexo do Autódromo
tem impacto continental, não
existe uma assim na América
Latina. Mas não vai enfiar meninos de bicicleta lá. Tem que
medir custo e objetivos."
Muitos dos objetivos já estão
sendo encaminhados, segundo
José Antônio de Barros, coordenador do curso de pós-graduação em administração esportiva da Fundação Getúlio
Vargas do Rio. A reboque do
Pan, esportes menos favorecidos poderão se desenvolver.
"A exibição do esporte de nível alto o torna mais atrativo.
Se você vê o Ronaldinho, vai jogar futebol", diz Barros. "É preciso ações coordenadas para
usar os locais da iniciação esportiva ao alto nível. O Pan não
é ponto de chegada, é de saída."
Lamartine situa a questão
em outro prisma. "Candidatura
não é só instalação esportiva. A
principal condição é a infra-estrutura urbana. Tem que fazer
uma série de obras na cidade
para que possa receber as pessoas e tenha fluxo de tráfego."
Colaboraram ADALBERTO LEISTER FILHO, da
Reportagem Local, e FÁBIO GRIJÓ, da Sucursal
do Rio
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