São Paulo, sábado, 23 de junho de 2007

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Outros Pans - O primeiro - Buenos Aires - 1951

Das 12 cidades que já sediaram Pans, algumas aproveitaram o evento para colher frutos e outras desperdiçaram a chance; a Folha destaca quatro experiências

Perón usou Jogos como propaganda política, mas país esqueceu arenas

RODRIGO RÖTZSCH
DE BUENOS AIRES

A realização do 1º Pan, na Argentina, não foi idéia de Juan Domingo Perón. Mas o presidente soube explorá-lo em seu projeto populista, fazendo dele a sua Olimpíada de 1936.
Diferentemente do nazismo de Hitler, porém, ele não queria provar a supremacia da "raça argentina", mas mostrar os benefícios de leis de incentivo ao esporte. Perón assumiu a presidência em 1946 e em 1951 era candidato à reeleição -que acabaria obtendo. A decisão de que o Pan fosse em Buenos Aires fora tomada em 1940. Após vários adiamentos, os Jogos foram programados para 1951.
Perón não poupou verba para que o Pan divulgasse o regime. O estádio onde foi inaugurada a competição -chamado Juan Domingo Perón- foi presente do governo federal ao Racing, bicampeão argentino.
Também foram remodeladas dez instalações esportivas, entre elas o estádio Monumental de Nuñez, onde ocorreu a festa de encerramento. E foi construído o Velódromo Municipal.
O Pan foi o ápice propagandístico de um ambicioso projeto lançado pelo governo Perón em 1947 -o de chegar a 5 milhões de esportistas em uma população então de 16 milhões.
O maior incentivo para atingir a meta era a Lei da Licença Esportiva -os trabalhadores podiam treinar durante o expediente, num tempo em que o esporte ainda era amador.
A meta dos 5 milhões de esportistas foi atingida em 1954. O feito é ainda maior se considerado que hoje não chega a um milhão o número de atletas federados -em uma população de 39 milhões de pessoas.

Incentivo
Perón não incentivava os atletas só com leis, mas também com palavras. Os atletas locais receberam carta do presidente antes do Pan: "Em você estarão postos os olhos e corações de todos os argentinos e de você depende sua alegria, sua satisfação ou sua tristeza".
Os incentivos de Perón renderam frutos à Argentina. Pela única vez nos Jogos, o país liderou o quadro de medalhas: ganhou 150 contra 95 dos EUA.
"O peronismo não inventou o esporte na Argentina. O que fez foi dar mais tempo livre ao povo para a prática esportiva. Além disso, todas as escolas construídas no período tinham um ginásio", conta Victor Lupo, autor do livro "História Política do Esporte Argentino".

Evita
A primeira-dama Eva Perón, face mais conhecida do populismo de seu marido, também teve protagonismo no Pan.
Para alojar as atletas do Pan -homens e mulheres tiveram alojamentos separados-, Evita cedeu os Lares de Trânsito, construídos por sua fundação para abrigar mulheres chegadas do interior a Buenos Aires que não tinham onde morar.
Coube a ela fazer o discurso de encerramento dos Jogos, dando tom político ao evento. "Até sempre! Porque adoraríamos voltar a recebê-los na nova Argentina de Perón, florescida pelo justicialismo que redime seus filhos, e sabe honrar e amar aos homens, às mulheres e às crianças de uma América com povos sem fronteiras."
Evita e Perón, além disso, foram presidentes honorários do Comitê Organizador dos Jogos, que teve como presidente-executivo o então chefe da Suprema Corte, Rodolfo Valenzuela.
"O Pan não foi esportivo, foi um evento de estratégia política. E nesse sentido foi muito bem-sucedido", resume Lupo.

Esquecimento
Se foi um sucesso na época, o Pan não sobreviveu à passagem do tempo, como fizeram Perón e Evita, até hoje maiores figuras políticas argentinas, inspiradores de discursos de políticos.
Em 1995, quando a Argentina voltou a sediar um Pan, preferiu fazê-lo em Mar del Plata, perdendo a chance de reaproveitar as instalações esportivas que o Pan legou à capital.
No ano seguinte, porém, concorreu à Olimpíada de 2004 elegendo Buenos Aires como candidata. Perdeu para Atenas.
Um dos projetos defendidos pelo então presidente Carlos Menem, contudo, era herança do Pan-51: o corredor olímpico. Ou seja, o fato de os locais de competição estarem todos à margem da cidade, na fronteira com a Província, o que evitaria que os atletas e espectadores tivessem que enfrentar o trânsito da cidade para se deslocar entre os locais de competição.
O esquecimento do Pan pode ser refletido no descaso vivido pelo Velódromo Municipal. Maior obra construída exclusivamente para os Jogos, teve competições até os anos 90.
Em 1997, o então prefeito Fernando de la Rúa cassou concessão que permitia a uma empresa privada explorar o local. Desde então, não houve eventos, e o velódromo é hoje uma estrutura abandonada no meio dos parques de Palermo.
O antigo Lar de Trânsito nº 2, um dos que abrigaram atletas durante o evento, é hoje o Museu Evita. No local, uma exposição narra a história da primeira-dama e do local -mas não faz referência ao Pan.
Inaugurado em 1950 e usado pelo Racing desde antes do Pan, o Estádio Perón permanece de pé, mas só tem capacidade para 55 mil espectadores, contra 100 mil na época de sua inauguração. Nele, nem o Pan nem Perón costumam ser lembrados: os torcedores do Racing se referem ao campo simplesmente como o "Cilindro".


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