São Paulo, sábado, 23 de junho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O bagunçado - Caracas - 1983

Bagunça na Vila e obras atrasadas afastam país de grandes eventos

DA REPORTAGEM LOCAL

Caos foi o termo mais usado para definir o que ocorreu no Pan de Caracas-1983. As delegações que foram à competição não lembram com saudade das condições oferecidas pelo Copan, o Comitê Organizador do Pan.
Os primeiros a chegar à Vila Pan-Americana encontraram as instalações inacabadas e em condições precárias. Os quartos ainda não tinham portas nem armários. As roupas ficaram amontoadas pelo chão.
Muitos banheiros tiveram problema de infiltração. Isso no momento em que a água apareceu, já que nos dias iniciais houve desabastecimento.
Para dar condições mínimas de moradia, vários atletas tiveram que pegar balde, esfregão e rodinho para fazer faxina.
André Richer, chefe da missão brasileira, tentou comprar 800 cabides em um supermercado. A intenção era distribuí-los entre os membros da delegação. Mas a empreitada não foi bem-sucedida -conseguiu comprar apenas 200 itens.
Insatisfeitos, os norte-americanos realojaram seus representantes em hotéis de luxo. Mesmo destino tiveram as seleções nacionais de vôlei e o nadador Ricardo Prado, principal estrela do Brasil em Caracas.
O tratamento desigual gerou ciumeira entre os brasileiros.
"Superamos as dificuldades encontradas nos alojamentos e não precisamos dar luxo aos atletas", disse Tsutomo Nitsuma, chefe da equipe de judô.
Projetada por uma empresa privada para seus apartamentos serem negociados após o evento, a Vila também sofreu com a falta de planejamento.
O acesso a ela se dava por uma estreita ponte, que ficava congestionada de atletas nos momentos de pico, no início da manhã e no final da tarde.
O transporte foi outro item problemático. Para não perder as competições, os atletas chegavam a deixar a Vila até três horas antes de suas disputas.
Além disso, os hóspedes também conviviam com o barulho, já que muitas obras estavam sendo concluídas. Foi o caso do centro de entretenimento e lazer, finalizado durante os Jogos -nos primeiros dias, muitos reclamaram de que não havia nada para fazer na Vila.
O Estádio Olímpico, local das cerimônias de abertura e encerramento e das provas de atletismo, também foi aprontado às pressas. Os operários dobravam turno inclusive de madrugada, quando trabalhavam com os refletores acesos.

Crise e intervenção
O atraso nas obras se deveu principalmente a dois problemas, um de ordem política e outro na área econômica.
No primeiro caso, houve disputa interna entre o governo federal e os dirigentes do Comitê Olímpico Venezuelano.
Insatisfeito com o trabalho do COV, o governo federal determinou a intervenção no comitê e prometeu rigorosa investigação a respeito dos gastos com o Pan logo após os Jogos.
O Copan passou a ser gerido por um grupo nomeado pelo Estado, com a ajuda de cinco dirigentes da Organização Desportiva Pan-Americana: um cubano, um panamenho, um colombiano e dois mexicanos.
Desgostosos, os dirigentes do COV ameaçaram até com um inédito boicote aos Jogos em seu próprio país. "Esse é um escândalo sem precedentes no mundo", disse Flor Izava, dirigente do comitê venezuelano.
A economia também não ia bem. Os ganhos com a venda de petróleo já não bastavam para equilibrar as contas públicas e o país vivia crise econômica gerada pelo crescimento da dívida externa e pela desvalorização do bolívar, a moeda local. A demora na liberação de verbas atrasou várias obras do Pan.

De volta à cena
O fiasco de 1983 afastou a Venezuela de grandes eventos esportivos por vários anos. Com o governo Hugo Chávez, eleito em 2002, isso mudou. O presidente do país segue a receita do regime de Fidel Castro e investe pesado em esporte em busca de dividendos políticos e repercussão internacional favorável.
No mês passado, Barquisimeto foi sede da segunda edição dos Jogos da Alba (Jogos Esportivos da Alternativa Bolivariana para os Povos da América), que serviu como preparação de vários países para o Pan. Cerca de 4.000 atletas de 31 nações participaram do evento.
Neste ano, o país será a sede, pela primeira vez, da Copa América de futebol, principal torneio entre seleções sul-americanas, que terá início daqui três dias. O Estádio Olímpico, usado no Pan-83 passou por reformas e será reaproveitado.
Outras arenas foram construídas especialmente para a competição, a um custo total de US$ 700 milhões (cerca de R$ 1,336 bilhão), segundo números dos organizadores.
O país também pretende ser candidato a sede de algum Mundial de base. Outro projeto, mais ambicioso, é abrigar novamente um Pan. Juana Suárez, vice-ministra do Esporte da Venezuela, já anunciou candidatura aos Jogos de 2015 -a edição de 2011 já está programada para Guadalajara.
"Podemos organizar um Pan, pois estamos entre os cinco países do mundo com melhor infra-estrutura esportiva."
Outra iniciativa prevista é a candidatura a sede do Mundial masculino de basquete de 2014. (ADALBERTO LEISTER FILHO)


Texto Anterior: Outros Pans - O primeiro - Buenos Aires - 1951
Próximo Texto: O organizado - Winnipeg - 1999
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.