São Paulo, sexta, 25 de dezembro de 1998

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Esquerda implanta o que a direita planejou


Social-democratas, que governam 9 dos 11 países que adotarão o euro, querem agora enfatizar emprego


do Conselho Editorial

O premiê sueco, Goran Persson, passou os olhos pelo texto final da cúpula européia de Viena, encerrada dia 12, e brincou: "Parece extraído de algum congresso do Partido Social Democrata da Suécia".
É exagero. Mas é sintomático de como disseminou-se na Europa a percepção de que o euro, concebido por políticos basicamente conservadores, vai nascer sob a égide de governantes de esquerda ou de centro-esquerda.
De fato, a social-democracia governa, sozinha ou em coalizão, 9 dos 11 países que formam a "euroland" (a zona do euro), sem contar o fato de que também são social-democratas os governantes dos quatro outros países da UE (União Européia) que ficam fora do euro por enquanto.
Nem por isso dá para dizer que a nova moeda está contaminada pelo forte ativismo social da social-democracia sueca, paradigma do modelo de bem-estar de que a Europa se orgulha. O que há, na essência, é uma mudança de ênfase.
Ou, como diz Julian Jessop, economista da consultoria Nikko Europe, ao jornal "The International Herald Tribune":
"A prioridade nos anos 90 era qualificar-se para o euro, mas a prioridade para o ano 2000 será criar empregos. O público europeu passou por um bocado de sofrimento por causa de Maastricht, e é tempo de recompensá-lo".
Maastricht é a cidade holandesa na qual, em 1992, foi assinado o tratado que estabeleceu as regras para que cada país se qualificasse para ingressar no euro.
Eram critérios voltados para a saúde das finanças públicas, como a exigência de um déficit orçamentário não superior a 3% do PIB.
De lá para cá, as vitórias eleitorais dos social-democratas Tony Blair (Reino Unido), Lionel Jospin (França) e, sobretudo, Gerhard Schroeder (Alemanha) ajudaram a fazer com que a ênfase passasse para o emprego.
É sintomático que, na mais recente cúpula européia, encerrada em Viena (Áustria), no dia 12, a Alemanha tenha conseguido vender a idéia de um "Pacto para o Emprego". Nos próximos seis meses, até a cúpula seguinte, o governo alemão deverá definir as "metas obrigatórias e verificáveis" que darão conteúdo ao pacto.
Equivale a empregar, na área social, critério idêntico ao utilizado no Tratado de Maastricht para a questão econômico-financeira.
Para o economista britânico Alison Cottrell, trata-se de poder "discutir abertamente temas que, no passado, eram tabu". Temas como, completa Cottrell, "o fato de que projetos de infra-estrutura financiados pelo Poder Público podem não ser sempre elefantes brancos ou o fato de que os governos podem ter algo a dizer na economia em vez de ter que afastar-se dela o máximo possível".
Dessa revisão do que antes era tabu, não escapam nem os critérios quase sacralizados do Tratado de Maastricht.
Heiner Flassbeck, braço direito de Oskar Lafontaine, novo ministro alemão das Finanças, chega a dizer que "não é de se excluir" o relaxamento dos critérios sobre déficit público (limite de 3% do PIB).
Não seria um relaxamento permanente, mas, ao menos, uma resposta temporária ao desaquecimento econômico provocado pela crise financeira iniciada na Ásia.
Até um tecnocrata que nada tem de social-democrata, o italiano Carlo Azeglio Ciampi, ministro do Tesouro, acha que, agora, "há espaço de manobra" em relação ao teto fixado para o déficit público.
Ciampi, que serviu governos conservadores como agora trabalha com a social-democracia, sugere um truque contábil para furar o teto sem parecer fazê-lo: não incluir como despesa orçamentária investimentos em infra-estrutura.
Gastar mais, especialmente em infra-estrutura e/ou em programas de cunho social, seria de fato uma recaída no modo clássico de operar da social-democracia.
Mas, por enquanto, tudo está apenas nas intenções e na retórica de líderes social-democratas eleitos recentemente. Tanto que o modelo preferido de Oskar Lafontaine, ministro alemão de Finanças, pode ser chamado de tudo, menos de social-democrata.
"Vejam o exemplo norte-americano. Alan Greenspan mostrou que se pode obter, simultaneamente, crescimento sem inflação e crescimento do emprego", suspira Lafontaine.
Em outros tempos, a esquerda européia citaria Karl Marx ou outro de seus velhos profetas. Jamais Alan Greenspan, o presidente do Fed (Banco Central dos EUA), campeão da ortodoxia, não da social-democracia. (CLÓVIS ROSSI)



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