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O impacto do Euro no mundo
SEBASTIÃO DO REGO BARROS
especial para a Folha
O ano de 1999 marcará a implantação do euro, a moeda comum da
União Européia. Mais do que etapa
decisiva de processo de integração
que já beira seu cinqüentenário, a
unificação monetária européia representará fator determinante para o futuro do sistema internacional em sua totalidade. Seus efeitos,
que me parecem positivos em sua
maioria, serão fortemente experimentados por nações que, como o
Brasil, buscam aprofundar sua inserção na dinâmica global.
Consideremos, de início, o impacto econômico da nova moeda,
que se deverá fazer sentir no comércio de bens e serviços, nos fluxos de investimentos, nos mercados financeiros e nos esforços internacionais de coordenação.
O comércio com a Europa - o
principal parceiro do Brasil, que
absorveu, de janeiro a setembro do
corrente, 29% de nossas exportações - deverá beneficiar-se significativamente da redução de custos
de transação propiciada pela unificação monetária. A redução de
perdas decorrentes de operações
cambiais e comissões facilitará a
entrada de mercadorias tanto nos
países participantes da união monetária, como naqueles, como os
do Leste europeu, que terão no euro uma moeda de referência.
Como ilustração dos ganhos a serem propiciados pela substituição
de vários mercados por um espaço
monetário homogêneo, cabe mencionar que estimativa recente indicou que o custo de operações cambiais para empresas européias
atinge US$ 60 bilhões anuais.
Por outro lado, o euro, logrando
estimular o desenvolvimento da
economia européia em seu conjunto, e, com isso, sua capacidade
de importação, cumprirá papel estratégico para o comércio global.
Como se sabe, a participação na
união monetária implica a adoção
de políticas macroeconômicas
fundadas no controle da inflação e
na contenção de déficits orçamentários, tema do "Pacto de Estabilidade e Crescimento", adotado pelo
Conselho Europeu em dezembro
de 96. Pode-se criar, com isso, base
para o crescimento sustentado da
Europa, o que implicaria crescimento de demanda e, consequentemente, mercados ampliados para exportadores de todo o mundo.
A moeda única deverá também
reforçar a capacidade de investimento de empresas e bancos europeus, pois permitirá que poupanças nacionais sejam agregadas,
formando maior volume de recursos para aplicações de risco tanto
em economias européias como extra-européias. Não devemos perder de vista o impacto que tal câmbio poderá ter no peso internacional da União Européia, particularmente junto aos países emergentes. Os "ganhos de escala" poderão
confirmar-se no que se refere ao
potencial financeiro da Europa
unificada. A criação de uma fonte
uniforme de créditos, ao superar
os mercados segmentados, poderá
produzir aumento de oferta e reduzir o custo de captação.
Revigorada em sua capacidade
comercial, financeira e de investimento, a Europa certamente terá
maior influência no sistema monetário internacional. Com efeito, a
capacidade produtiva da UE
(38,3% do PIB dos países da OCDE
em 1996) e sua participação intensa no intercâmbio global (21%) indicam que o euro deverá ter um
papel de crescente importância como instrumento viabilizador de
comércio internacional. Tal tendência, ao redefinir a posição de
destaque exclusivo do dólar como
moeda internacional, estimularia
maior coordenação internacional
na esfera monetária e reforçaria a
posição européia no processo.
A introdução do euro também
poderá estimular a necessária reforma do sistema financeiro internacional. Os mecanismos de financiamento de instituições como
o Fundo Monetário Internacional
terão de ser revistos e a distribuição de poder nas instâncias de deliberação e decisão terá de adequar-se à nova realidade de um
Banco Central Europeu, com mandato de representação para o conjunto dos membros comunitários.
No campo dos efeitos políticos,
não é menor a importância da unificação. É preciso destacar a importância do euro como elemento
de consolidação e aprofundamento da integração dos países europeus. Se a primeira metade do século foi marcada pela intensidade
das rivalidades nacionais e dos
conflitos que destroçaram o continente, o período iniciado com a
Comunidade Européia do Carvão
e do Aço se distingue pela confiança mútua crescente e pela ampliação progressiva do espaço de coordenação. Por exigir boa dose de
cessão de soberania nacional, a
criação da moeda única comprova
o grau de compromisso das nações
envolvidas com o projeto comum.
O euro representa, nesse sentido,
um estímulo à paz e à estabilidade.
A maior coesão da União Européia, resultante do desenvolvimento crescente de políticas comuns, lhe reforçará as credenciais
de potência internacional, o que
poderá viabilizar uma melhor distribuição do poder mundial e, com
isso, maiores constrangimentos ao
exercício indesejável do unilateralismo. Em síntese, a moeda comum, ao contribuir para a consolidação da UE, poderá produzir alterações benéficas sobre a estrutura
do sistema internacional.
O exemplo europeu exerce influência sobre o esforço integracionista que estamos desenvolvendo no Mercosul e estimula discussões sobre a introdução, também
aqui, de uma moeda única. Temos,
como a União Européia, o objetivo
de conformar um mercado comum, o que engloba livre circulação de bens, serviços e fatores de
produção e o avanço na coordenação de políticas econômicas; a adoção de um único meio circulante
não pode ser excluída de um programa dessa natureza. Nosso compromisso é irreversível, inclusive
porque, como no caso europeu, o
processo nos tem oferecido benefícios que ultrapassam a esfera econômica e dizem respeito à realidade mais ampla e profunda da aproximação de nossas sociedades, sobre a base da paz sub-regional.
É precisamente por sua importância que a moeda comum exige,
como garantia de êxito, um enfoque gradualista, sem movimentos
súbitos e desestabilizadores. O
Mercosul deverá ainda avançar na
harmonização das políticas tributária, cambial e de mercado de capitais para poder criar condições
de implementação da unificação
monetária. Estou seguro de que,
também nesse campo, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai saberão ditar um ritmo que harmonize
progresso constante e segurança.
²
Sebastião do Rego Barros, 57, é secretário-geral de Relações Exteriores do Itamaraty.
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