São Paulo, sexta, 25 de dezembro de 1998

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O impacto do Euro no mundo

SEBASTIÃO DO REGO BARROS
especial para a Folha

O ano de 1999 marcará a implantação do euro, a moeda comum da União Européia. Mais do que etapa decisiva de processo de integração que já beira seu cinqüentenário, a unificação monetária européia representará fator determinante para o futuro do sistema internacional em sua totalidade. Seus efeitos, que me parecem positivos em sua maioria, serão fortemente experimentados por nações que, como o Brasil, buscam aprofundar sua inserção na dinâmica global.
Consideremos, de início, o impacto econômico da nova moeda, que se deverá fazer sentir no comércio de bens e serviços, nos fluxos de investimentos, nos mercados financeiros e nos esforços internacionais de coordenação.
O comércio com a Europa - o principal parceiro do Brasil, que absorveu, de janeiro a setembro do corrente, 29% de nossas exportações - deverá beneficiar-se significativamente da redução de custos de transação propiciada pela unificação monetária. A redução de perdas decorrentes de operações cambiais e comissões facilitará a entrada de mercadorias tanto nos países participantes da união monetária, como naqueles, como os do Leste europeu, que terão no euro uma moeda de referência.
Como ilustração dos ganhos a serem propiciados pela substituição de vários mercados por um espaço monetário homogêneo, cabe mencionar que estimativa recente indicou que o custo de operações cambiais para empresas européias atinge US$ 60 bilhões anuais.
Por outro lado, o euro, logrando estimular o desenvolvimento da economia européia em seu conjunto, e, com isso, sua capacidade de importação, cumprirá papel estratégico para o comércio global. Como se sabe, a participação na união monetária implica a adoção de políticas macroeconômicas fundadas no controle da inflação e na contenção de déficits orçamentários, tema do "Pacto de Estabilidade e Crescimento", adotado pelo Conselho Europeu em dezembro de 96. Pode-se criar, com isso, base para o crescimento sustentado da Europa, o que implicaria crescimento de demanda e, consequentemente, mercados ampliados para exportadores de todo o mundo.
A moeda única deverá também reforçar a capacidade de investimento de empresas e bancos europeus, pois permitirá que poupanças nacionais sejam agregadas, formando maior volume de recursos para aplicações de risco tanto em economias européias como extra-européias. Não devemos perder de vista o impacto que tal câmbio poderá ter no peso internacional da União Européia, particularmente junto aos países emergentes. Os "ganhos de escala" poderão confirmar-se no que se refere ao potencial financeiro da Europa unificada. A criação de uma fonte uniforme de créditos, ao superar os mercados segmentados, poderá produzir aumento de oferta e reduzir o custo de captação.
Revigorada em sua capacidade comercial, financeira e de investimento, a Europa certamente terá maior influência no sistema monetário internacional. Com efeito, a capacidade produtiva da UE (38,3% do PIB dos países da OCDE em 1996) e sua participação intensa no intercâmbio global (21%) indicam que o euro deverá ter um papel de crescente importância como instrumento viabilizador de comércio internacional. Tal tendência, ao redefinir a posição de destaque exclusivo do dólar como moeda internacional, estimularia maior coordenação internacional na esfera monetária e reforçaria a posição européia no processo.
A introdução do euro também poderá estimular a necessária reforma do sistema financeiro internacional. Os mecanismos de financiamento de instituições como o Fundo Monetário Internacional terão de ser revistos e a distribuição de poder nas instâncias de deliberação e decisão terá de adequar-se à nova realidade de um Banco Central Europeu, com mandato de representação para o conjunto dos membros comunitários.
No campo dos efeitos políticos, não é menor a importância da unificação. É preciso destacar a importância do euro como elemento de consolidação e aprofundamento da integração dos países europeus. Se a primeira metade do século foi marcada pela intensidade das rivalidades nacionais e dos conflitos que destroçaram o continente, o período iniciado com a Comunidade Européia do Carvão e do Aço se distingue pela confiança mútua crescente e pela ampliação progressiva do espaço de coordenação. Por exigir boa dose de cessão de soberania nacional, a criação da moeda única comprova o grau de compromisso das nações envolvidas com o projeto comum.
O euro representa, nesse sentido, um estímulo à paz e à estabilidade. A maior coesão da União Européia, resultante do desenvolvimento crescente de políticas comuns, lhe reforçará as credenciais de potência internacional, o que poderá viabilizar uma melhor distribuição do poder mundial e, com isso, maiores constrangimentos ao exercício indesejável do unilateralismo. Em síntese, a moeda comum, ao contribuir para a consolidação da UE, poderá produzir alterações benéficas sobre a estrutura do sistema internacional.
O exemplo europeu exerce influência sobre o esforço integracionista que estamos desenvolvendo no Mercosul e estimula discussões sobre a introdução, também aqui, de uma moeda única. Temos, como a União Européia, o objetivo de conformar um mercado comum, o que engloba livre circulação de bens, serviços e fatores de produção e o avanço na coordenação de políticas econômicas; a adoção de um único meio circulante não pode ser excluída de um programa dessa natureza. Nosso compromisso é irreversível, inclusive porque, como no caso europeu, o processo nos tem oferecido benefícios que ultrapassam a esfera econômica e dizem respeito à realidade mais ampla e profunda da aproximação de nossas sociedades, sobre a base da paz sub-regional.
É precisamente por sua importância que a moeda comum exige, como garantia de êxito, um enfoque gradualista, sem movimentos súbitos e desestabilizadores. O Mercosul deverá ainda avançar na harmonização das políticas tributária, cambial e de mercado de capitais para poder criar condições de implementação da unificação monetária. Estou seguro de que, também nesse campo, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai saberão ditar um ritmo que harmonize progresso constante e segurança.
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Sebastião do Rego Barros, 57, é secretário-geral de Relações Exteriores do Itamaraty.



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