São Paulo, sexta, 25 de dezembro de 1998

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Conflitos fiscais desafiam o euro


Disputa pelo controle do BCE, déficit na previdência e indefinição sobre as taxas de câmbio ameaçam a estabilidade monetária


GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

O euro é a nova moeda, com um Banco Central supranacional. Mas as políticas fiscais européias continuarão ainda por um bom tempo dependendo de decisões técnica e politicamente aprovadas por cada uma das nações. Essa é a contradição básica sobre a qual nasce o novo regime monetário europeu.
Esse é um dos alertas lançados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em seu relatório final de 1998. A questão é conhecida: como garantir independência do Banco Central e consistência fiscal quando a topografia do poder político vai em direção contrária?
Não se trata de uma questão meramente técnica. O amplo predomínio de governos com orientação social-democrata já provoca confrontos políticos. Sem falar na batalha dos franceses para reduzir o mandato do primeiro presidente do Banco Central Europeu, o holandês Willem F. Duisenberg.
Na área estritamente fiscal, um problema cada vez mais grave é o envelhecimento crescente da população européia e o crescimento do contingente de imigrantes trabalhando sob regimes de contratação flexíveis.
A população envelhecida coloca uma carga adicional sobre o sistema de previdência social. Ao mesmo tempo, os novos trabalhadores constituem um mercado de trabalho menos regulado e, portanto, com tendência a contribuir menos para o sistema previdenciário.
Ou seja, exatamente no momento em que a social-democracia assume o poder em centros decisivos da União Européia, agrava-se a bomba-relógio dos sistemas de previdência social.
Há dúvidas do lado estritamente monetário também. Por enquanto, o BCE (Banco Central Europeu) é principalmente o administrador de uma moeda. Mas as questões de supervisão dos sistemas financeiros continuam sob o domínio dos poderes nacionais. Mesmo a função de "emprestador de última instância" ainda não está formalmente associada ao BCE.
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Indefinição
Em um momento em que os riscos de crédito ganham dimensões catastróficas, como será feita a harmonização entre os objetivos supostamente conservadores de defesa da moeda, no BCE, e a eventual necessidade de injetar liquidez na hipótese de um colapso bancário europeu?
Não existe uma resposta para esse tipo de questão, que, aliás, em geral é respondida na prática, a fórceps, como se constatou no episódio do LTCM (fundo especulativo) na praça de Nova York.
Mas, na hora de salvar ou deixar quebrar um banco, será que a nacionalidade de seus acionistas será irrelevante?
Se o debate já é tão acirrado na definição de quem vai ocupar a presidência do BCE, é fácil perceber que, na área de supervisão bancária, existem dilemas ainda mais espinhosos.
Finalmente, a questão cambial continua complexa e indeterminada. Além da defesa da moeda e das relações controversas entre política monetária e políticas fiscais, ainda não estão claras nem as relações do euro com as outras moedas-chave do sistema global (dólar e iene) nem o efeito do câmbio sobre as diferentes economias da União Européia que estarão operando sob a nova moeda.
Em poucas palavras: o euro é uma fantástica construção, uma nova instituição, mas as regras de seu funcionamento ainda não estão claras e ainda há conflitos cruciais entre políticas econômicas decisivas na União Européia.



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