São Paulo, domingo, 27 de maio de 2001

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REVISÃO DA HISTÓRIA

Funai quer brancos distantes das tribos

Flávio Florido/Folha Imagem
Índia djapá com três membros da tribo (atrás), vestidos com roupas de festa, feitas de palha; a aldeia teve o primeiro contato com brancos em abril deste ano

Para fundação, se permanecerem à distância da sociedade, índios viverão mais felizes do que tribos conhecidas

DO ENVIADO ESPECIAL AO AMAZONAS

Às margens de dois rios da reserva indígena do vale do Javari, no sudoeste do Estado do Amazonas, vivem alguns dos últimos povos do planeta que nunca tiveram contato com o resto da sociedade. Não se sabe quantos são, que língua falam e por que decidiram viver isolados até de outras tribos indígenas.
Diferentemente do que ocorreu centenas de vezes, uma expedição enviada pela Funai (Fundação Nacional do Índio) à região deu início a um esforço para manter esses índios assim, longe da linha de tiro de garimpeiros, madeireiros, caçadores e pescadores. Será montado um posto com poderes policiais para proteger os índios isolados do resto do Brasil.
Na nova visão indigenista oficial, se continuarem à distância da sociedade brasileira, os índios viverão mais felizes do que os 345 mil indígenas das tribos conhecidas do resto do país. Eles continuarão tendo de derrubar árvores com machados de pedra e acender fogo atritando gravetos. Em compensação, dificilmente terão de enfrentar epidemias de gripe, casos de alcoolismo e o desaparecimento de parte da sua cultura.
"Esse é um trabalho para ganhar tempo. Mas não um tempo para esses índios que, afinal, vivem nessa região há centenas de anos. Tempo para que nós, da sociedade branca dominadora, possamos aprender uma forma de tratá-los com dignidade", diz o chefe da expedição, Sydney Possuelo, diretor do Departamento de Índios Isolados da Funai.
Para proteger os índios desconhecidos, a equipe da Funai esquadrinhou 5.274 km de rios e 80 km de selva amazônica. Descobriu que a região é regularmente invadida por garimpeiros, caçadores e madeireiros.
Se nada for feito, fatalmente haverá confronto entre os invasores e as tribos isoladas. E o histórico das relações entre índios armados com flechas e zarabatanas contra ribeirinhos com armas de fogo é favorável ao segundo grupo.
Foi o caso da última tribo indígena contatada no país, os corubos. Eles também habitam as matas do vale do Javari e foram contatados por uma equipe liderada por Possuelo em 1996.
Entre os 21 corubos contatados, havia sete índios com chumbo no corpo. "Os corubos são um caso diferente porque estavam sendo caçados por madeireiros que queriam expulsá-los de suas terras. No caso dos corubos, ou se fazia o contato ou se assistia a um massacre. No caso desses novos isolados, podemos agir antes", afirma Possuelo.
A visão, claramente inspirada no mito do "bom selvagem", de que índios isolados devem ser protegidos da contaminação da sociedade moderna faz parte de uma reviravolta na política indigenista brasileira.
No início do século 20, certo de que os índios caminhavam para a extinção, o marechal Cândido Mariano Rondon (descendente de espanhóis, portugueses e das tribos bororó, terena e guaná) defendia a integração e a miscigenação como solução.
Nos anos 50 e 60, também temendo a possibilidade de extinção, os irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas organizaram o parque do Xingu, um santuário para as nações indígenas sem a presença de brancos.
Nas décadas de 70 e 80, a construção de rodovias e os projetos de colonização forçaram a Funai a realizar dezenas de contatos na Amazônia, todos desastrosos. Um deles, chefiado pelo próprio Sydney Possuelo, tentou pacificar os índios araras, do Pará.
Menos de quatro anos depois, um quarto da população havia morrido de gripe ou catapora. Só no final dos anos 80 a Funai reviu a sua política de contatos. Para os últimos índios isolados, talvez ainda não seja tarde. (TT)


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