São Paulo, domingo, 27 de maio de 2001

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O PRIMEIRO CONTATO

Canamaris mantêm djapás em regime de semi-escravidão

Flávio Florido/Folha Imagem
Índios djapás no rio Jutaí, que banha a sua aldeia; sem nunca terem tido contato com brancos antes da chegada da expedição da Funai, eles vestem roupas que receberam dos índios canamaris, seus vizinhos, em troca de serviços de caça e agricultura

Para os outros índios, os tsohom djapás perderam a independência; para os brancos, deixaram de ser novidade

DO ENVIADO ESPECIAL AO AMAZONAS

Os índios tsohom djapás vivem um paradoxo. Sem conhecer dinheiro, tornaram-se servos de outros índios. Sem ter mantido contato com a sociedade branca, incorporam hábitos como salgar a comida, vestir roupas e pescar com linhas de náilon.
Sem ouvir falar de governo, foram excluídos pelos indigenistas da categoria de "índios isolados" e classificados como "aculturados". Para os outros índios, os tsohom djapás perderam a independência. Para os brancos, deixaram de ser novidade.
Os tsohom djapás vivem em um grupo de 25 pessoas em duas palafitas de cerca de 10 metros de comprimento cada uma, na região da confluência dos rios Jutaí e Jutaizinho, no sudoeste do Amazonas.
Os homens vestem calções e camisetas rasgadas e, na cabeça, uma coroa de palha chamada guitã. As mulheres combinam vestidos furados com sutiãs coloridos. Têm menos de 1,65 m de altura, perderam vários dentes, e a pele está marcada pelas picadas do pium, o mosquito amazônico.
Na tarde de 7 de abril, os djapás foram visitados pela expedição da Funai. Contaram que foi a primeira vez que encontraram um grupo de brancos. Levados por um índio canamari que se denomina o novo chefe dos djapás, a Funai descobriu uma história de enganos.
Habitantes das margens dos rios do sudoeste do Amazonas, os djapás se embrenharam na floresta para se esconder dos seringalistas no começo do século 20.
Mas, há menos de sete anos (não se sabe a data com precisão), os índios decidiram se mudar para ter acesso a roupas e facões. A maior parte da tribo deixou a sua maloca na mata para viver como servos de outros índios, os canamaris - que, por sua vez, aprenderam as técnicas de exploração com os seringalistas.
Os djapás realmente ganharam bens de alumínio e tecido. Em troca, as mulheres djapá tocam as roças de macaxeira, enquanto os homens caçam para os canamaris. Perderam o direito a ter cacique e até seu nome foi mudado pelos canamaris para "tucanos". Sem liberdade, vivem sob um regime de semi-escravidão.
"Eu cuido deles. Fui eu que trouxe roupa para eles, dou trabalho para eles. Ensinei português para eles saberem das coisas. Eles agora vivem melhor, não ficam mais pelados no meio do mato. Agora eles estão virando gente", diz Aru Canamari, o novo chefe dos djapás. Ele se casou com uma djapá e mora na aldeia.
"Sem conviver com os brancos, os djapás conheceram o que há de pior na nossa sociedade: a exploração do homem por outro homem", afirma Sydney Possuelo.
A Funai tinha informações de que os tsohom djapás estavam sendo atraídos pelos canamaris desde o início dos anos 90. Não tomou nenhuma atitude.
Possuelo defende a ação da Funai no episódio. "A Funai pode impedir que brancos entrem em contato com índios, mas não a convivência de uma tribo com a outra. Quem poderia prever que os canamaris teriam uma influência tão nefasta?". Nos últimos sete anos, os funcionários da Funai na região só apareceram na aldeia canamari duas vezes.
Os djapás nunca ouviram falar da Funai e seu único contato com um não-índio foi com o ribeirinho Pedro dos Santos, que vive a 100 km da aldeia. No início do ano, em troca de comida, os canamaris recrutaram cinco djapás para roçar a terra de Santos.
Em sua aldeia, os djapás plantam mamão, arroz, feijão, banana e cana-de-açúcar. Colhem nos tempos de seca, enquanto na estação das chuvas sobrevivem comendo mandioca cozida. Usam flechas de mais de 1,80 m para matar queixadas e antas, suas caças favoritas.
Para os jornalistas, eles vestiram a uacuama, a roupa de palha usada nos rituais de plantio e colheita. Só os homens podem vestir a roupa. As mulheres dançam em frente aos homens, sem se tocar. O grupo se move aos saltos, para frente e para trás, imitando sapos. Os homens iniciam a música batendo a mão direita no peito, seguidos pelas mulheres.
Na apresentação, cantaram uma música que traduziram assim: "Eu já bebi muita caximá (bebida de macaxeira)/ nunca acaba/ tem ainda muita caximá/ eu vou beber mais". (TT)


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