São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

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ARTIGO

Mayra Dias Gomes

Uma garota precisa ser incrivelmente magra para caber naquele vestido da nova coleção da Triton. Precisa ser incrivelmente magra para estar aos pés das celebridades bem-sucedidas do momento. Mesmo que sejam celebridades famosas justamente por não fazerem nada.
Celebridades que representam a imagem da mulher e do homem glamourosos do século 21. Aqueles que estão por dentro das tendências que mudam de forma e de cor segundo as estações.
O boom da tecnologia no fi nal dos anos 1990 não fez somente com que a informação pertencesse a todos, mas também com que houvesse informações demais, rápido demais. As pessoas se acostumaram com as soluções instantâneas e se tornaram mais imediatistas e incapazes de lidar com as frustrações.
Passaram a se sentir mais insatisfeitas. Seja com os relacionamentos amorosos, seja com a auto-estima, seja com as peças no armário. Isso certamente as tornou mais receptivas ao sistema ditatorial imposto pelas indústrias de moda e de estética.
Sistema que promove suprimentos de angústia que não realizam suas promessas. Para as insatisfações físicas, há sempre a cirurgia plástica.
Para ter os seios da Scarlett Johansson, a barriga da Gisele Bündchen ou o nariz e a boca da Angelina Jolie. Mesmo possuindo belos corpos, muitos se submetem à faca para se igualarem a padrões estabelecidos em revistas ou na TV. Preferem reclamar ou se mutilar a se exercitar, pois sabem que o resultado virá com mais rapidez. Não há como lidar com o longo prazo.
Dia após dia, convivemos com a idéia de que certas compras são verdadeiros investimentos e, ao realizá-las, tornaremo-nos seres humanos mais completos. Deixamos nos enganar pelas abordagens inteligentes que mexem com nossas inseguranças. Caímos de boca no anzol e nos sentimos cada vez menos felizes.
Por não termos aquela quantidade de dinheiro, aquele corpo invejável, aquela fama toda. Não que isso seja necessário para o ser humano. É somente imposto pela sociedade moderna.
Segundo o filósofo alemão Schopenhauer, o prazer nada mais é do que o momento fugaz de ausência de dor. Não há satisfação durável. É desse princípio pessimista que se alimenta a indústria do consumo. O que importa não é encher uma casa de bens, mas jogá-los fora quando deixarem de trazer emoções novinhas em folha.
A mesma idéia pode ser ilustrada com um shopping center, criado para proporcionar sensações excitantes que existem somente durante a estadia do comprador no estabelecimento.
Mesmo quando o consumidor adquire um celular que servirá para conectá-lo em movimento, está fazendo uma compra datada. O aparelho logo sairá de linha e será trocado por outro com a mesma utilidade e algumas funcionalidades banais a mais. Só o visual será diferente.
É a obsolescência planejada, ou, em outras palavras, tática de marketing. É preciso fazer com que os renegados da sociedade de consumo sintam-se como fracassados. Só assim permanecerão sensíveis o suficiente para acreditar em tantas falsas promessas.


MAYRA DIAS GOMES, 20, é autora do romance "Fugalaça" (Record)


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